O Estado de S. Paulo, AP.e EFE
Diálogo para formação de alianças começa hoje, mas os dois partidos mais votados rejeitam negociar com os radicais do Chega!, o que pode inviabilizar um novo governo
A eleição portuguesa de domingo produziu um
cenário cada vez mais comum que aflige os países parlamentaristas: um partido
de extrema direita e antissistema que obtém votação suficiente para
inviabilizar qualquer formação de governo. Em Portugal, o fenômeno da vez é o
Chega!, que quadruplicou sua bancada no Parlamento. Seu líder, André Ventura,
exigiu participar do próximo governo.
“Esta é a noite em que acabou o bipartidarismo em Portugal”, disse Ventura, em discurso após a eleição. “Há no Parlamento uma maioria clara. Essa maioria é entre o Chega! e o PSD (Partido Social-Democrata, que lidera a coalizão centro-direitista Aliança Democrática).”
A matemática, no entanto, não é tão simples.
A vitória da centro-direita foi apertada. A AD obteve 79 cadeiras de um total
de 230, apenas 2 a mais que o Partido Socialista (PS). O Chega! elegeu 48
deputados e se tornou a terceira força política de Portugal. Com isso, de
acordo com o cientista político André Azevedo Alves, da Universidade Católica
de Portugal,
há apenas três possibilidades para uma
maioria estável.
A mais natural é uma coalizão entre AD e Chega!. O problema é que o líder da AD, Luís Montenegro, disse na campanha que não faria essa aliança – e reiterou a promessa depois da eleição. “Nunca faria comigo, com o meu partido e com Portugal tamanha maldade”, disse.
A segunda alternativa seria uma coalizão da
centro-direita com os socialistas, mas a possibilidade já foi descartada por
Pedro Nuno Santos, líder do PS. A última saída – e a mais improvável – seria
uma aliança entre PS e Chega!, o que nenhum dos dois partidos antagônicos
sequer cogita.
“A menos que a AD mude de posição e
Montenegro aceite um entendimento com o Chega!, o que resta é um governo
minoritário”, afirmou Alves. No curto prazo, ele poderia assumir, mas seria
muito difícil, segundo o cientista político, a conclusão do mandato de quatro
anos.
PRAZO. A decisão está nas mãos do presidente
de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, que começa hoje uma série de reuniões com
líderes partidários para escolher quem terá prioridade para negociar uma
coalizão. Se não houver aliança, e Montenegro optar por um governo de minoria,
ele pode cair diante do primeiro impasse legislativo. Nesse caso, novas
eleições seriam marcadas em seis meses, no mínimo.
Portugal pode ter um governo de minoria, mas
seria instável e dificilmente concluiria o mandato
O cenário é parecido com o que ocorreu em vários países. A Itália viveu anos de impasse parecido, só resolvido quando o partido extremista de Georgia Meloni venceu as eleições, em 2022, moderou o discurso e formou um governo. Na Espanha, o Vox, também ultraconservador, ampliou a bancada e só não se tornou governo porque o parceiro natural de coalizão, o Partido Popular, de centro-direita, teve uma votação a baixo do esperado.
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