Folha de S. Paulo
Empate frustra ilusão de favoritismo de
Boulos e joga Nunes no colo de Bolsonaro
A nova
pesquisa do Datafolha sobre a corrida eleitoral em São Paulo mostra
a extensão do impacto da polarização que assola o Brasil desde que a
centro-direita se organizou em torno do polo radicalizado encarnado em Jair
Bolsonaro (PL) em 2018.
As cartas estão bastante embaralhadas, mas
sua disposição na mesa sugere um cenário hoje mais favorável em termos de
condições puramente eleitorais para o prefeito Ricardo Nunes (MDB).
De certa forma, o empate registrado entre o
alcaide e o postulante Guilherme
Boulos (PSOL)
mostra na pesquisa o que as ruas
mostraram no dia 25 de fevereiro, quando milhares de apoiadores de
Bolsonaro foram à avenida Paulista: eles estavam lá não só pelo enrolado
ex-presidente, mas pelo conservadorismo tornado antipetismo.
A aposta envergonhada de Nunes pelo lado que está sob fogo da Justiça, simbolizada por sua presença muda no palanque da Paulista, deverá dar lugar a um maior cacife do grupo do ex-presidente no pleito municipal.
Por óbvio, o risco
para Nunes está dado pelos problemas que Bolsonaro enfrentará,
provavelmente sendo réu por atentado contra o Estado democrático de Direito ou
algo similar durante a campanha. Mas mesmo isso tem limites.
O eleitorado que segue os carismáticos, como
o presidente Lula (PT) e Bolsonaro, tende a
descartar tais acusações como mera perseguição política. Foi assim com o
petista, que amargou 580 dias na cadeia com uma claque fiel à porta da Polícia
Federal de Curitiba só para voltar ao Planalto na sequência.
Assim, os rolos nada desprezíveis de
ex-mandatário podem, ao fim, não respingar tanto em Nunes. A estratégia
defendida por seu consultor Michel Temer (MDB) à Folha na
semana passada se encaixa aí. "Ele está atrás dos bolsonaristas, não do
Bolsonaro", disse o ex-presidente em Dubai.
Resta evidentemente saber como se comportará
o eleitorado ante a previsível onda de denúncias de malfeitos da gestão Nunes,
mais palpáveis e menos ideológicas. Até aqui, não houve efeito.
Se desenha uma disputa acirrada, mostrando
que a divisão do eleitorado entre petistas e bolsonaristas apontada
reiteradamente pelo Datafolha segue ditando a política em
vários níveis, apesar do evidente apelo de questões paroquiais, o proverbial
buraco de rua tapado —a melhoria da
avaliação de Nunes corrobora o peso disso.
Para Boulos, o Datafolha é um balde de água
fria, particularmente entre seus apoiadores que vinham cantando vitória
antecipada dado o engajamento
sem precedentes de Lula em sua campanha.
Eles partiam de premissas corretas. Desde que
a então petista Luiz Erundina ganhou o pleito de 1988, um biorritmo se instalou
na cidade: a cada prefeito de esquerda, dois de centro-direita. Por esse
pêndulo, 2024 deveria coroar a volta de um esquerdista ao viaduto do Chá.
Engordava o raciocínio o desenho eleitoral de
2022, quando
Lula venceu Bolsonaro no segundo turno na capital por uma
margem algo maior do que a sua votação geral, marcando 53,45%.
A alta rejeição ao deputado
federal, o preço que ele paga pela imagem de radical, é outra
péssima notícia para sua campanha. Não é um índice fatal, aos 34%, mas
avançou ante o levantamento anterior, ainda que não seja
exatamente comparável devido à cartela diferente de opções ao eleitor.
O já ganhou que se ensaiava em setores da
campanha de Boulos terá de ser revisto, assim como o pessimismo de aliados da
ampla frente montada em torno de Nunes. O prefeito é visto como um produto
eleitoral de difícil vendagem e o temor era o da repetição de um Geraldo
Alckmin em 2018, ou de um Rodrigo
Garcia em 2022.
Significativo nesse cenário é a anemia das
opções de terceira via. A mais promissora na teoria, Tabata Amaral (PSB), ficou
para trás na largada, após se mostrar na casa dos dois dígitos no ano
passado. Kim Kataguiri (União Brasil)
não deverá ter legenda.
É assim didático como o empate entre os
líderes segue o mesmo quando ele e a deputada federal deixam a paleta de
candidatos. Já o curioso caso do bom desempenho de Marina Helena (Novo), uma
provável confusão do eleitor com Marina Silva, necessita de mais tempo para ser
analisado.
Tabata, um
experimento de Alckmin no seu ensaio de disputar pelo
Bandeirantes em 2026, por ora está espremida pelos polos da eleição. Em favor
de sua postulação está o fato de que ela nada perde com a exposição, ao
contrário: é jovem, produto com potencial "storytelling" e ainda
bastante desconhecida.
Nenhum dos dois lados na liderança fará bem,
contudo, se acreditar que a sorte está selada, não menos porque surpresas
sempre podem ocorrer. Mas a única vitoriosa até aqui é a polarização, para o
sorriso de Lula e Bolsonaro, que se mantêm como magnetos de um país
cindido.
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