Folha de S. Paulo
Todos admiramos Graciliano Ramos como
escritor. Mas é que ainda não o conhecíamos como prefeito
Em 1931, os relatórios de um ex-prefeito de
Palmeira dos Índios, em Alagoas, circularam sabe-se lá como pelo Rio.
Prestações de contas, mesmo de um prefeito corajoso, honesto e trabalhador, não
são literatura.
São prestações de contas. Mas, ao caírem aos olhos do poeta e editor Augusto Frederico Schmidt, este pensou: "Quem escreve desse jeito deve ter
um romance na gaveta". Mandou carta ao ex-prefeito e este confirmou: sim,
tinha um romance, vou lhe enviar o manuscrito.
Semanas depois, chovendo no Rio, Schmidt foi pegá-lo no correio. Enfiou-o no bolso da capa, voltou para a editora, pendurou a capa no armário e foi fazer qualquer coisa. Como não chovesse pelos meses seguintes, não voltou a usar a capa e se esqueceu onde guardara o pacote, achou que o perdera. Em 1932, foi ao armário e lá estava. Leu, maravilhou-se e escreveu ao autor propondo publicação. E assim, por intermédio de "Caetés", título do romance, em 1933 o Brasil conheceu Graciliano Ramos.
Sempre ouvi essa história, mas nunca tinha
lido os relatórios. Pois eles acabam de sair pela Record, em "O Prefeito
Escritor", e fazem jus à lenda. Aí vão trechos.
Sobre a construção de um novo cemitério:
"Os trabalhos a que me aventurei necessários aos vivos não me permitirão
esta obra. Os mortos esperarão mais algum tempo. São os munícipes que não
reclamam". Sobre o serviço de luz contratado por seu antecessor:
"Apesar de ser negócio referente à claridade, julgo que assinaram aquilo
às escuras. Pagamos até a luz que a Lua nos dá". Sobre as estradas que
encontrou no município: "Há lugares que só podem ser transitados por
automóvel Ford e lagartixa". Sobre o dinheiro do povo:
"Transformando-o em pedra, cal, cimento etc., procedo melhor do que se o
distribuísse com meus parentes, que necessitam, coitados".
A literatura ganhou um raro escritor. E o
Brasil perdeu um prefeito mais raro ainda.
2 comentários:
O escritor modernista favorito de Reinaldo Azevedo,eu o acho coloquial demais.
Não,eu também não gosto de texto empolado demais,eu fico com o meio termo.
O modernismo brasileiro simplificou demais,parece linguagem de rua.
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