Não dá mais para cumprir meta fiscal ampliando receitas
O Globo
É urgente desvincular os benefícios do INSS
do salário mínimo e as despesas com saúde e educação da arrecadação
O ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, faz bem em levar medidas de contenção de despesas para
apreciação do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva. É urgente controlar os gastos públicos. Sem isso, a credibilidade já
desgastada do arcabouço fiscal aprovado há menos de um ano continuará a
deteriorar-se.
Duas ideias deveriam ser prioridade. Primeiro, desvincular do salário mínimo os benefícios temporários pagos pelo INSS. Desde o ano passado, o mínimo passou a ser regido por uma lei que pressupõe aumento real, acima da inflação, semeando alta descontrolada nas contas da Previdência. Segundo, é preciso voltar a desvincular do aumento das receitas os gastos constitucionais obrigatórios com saúde e educação. Essa é mais uma fonte de crescimento acima da inflação, e gastos obrigatórios como esses pressionam todas as demais despesas discricionárias, de investimentos em infraestrutura a verbas para combater tragédias climáticas.
A equipe econômica não propõe corte ou
congelamento nas despesas, medidas difíceis de adotar em razão das leis que
regem as finanças públicas. Mas apenas reduzir seu ritmo de crescimento, de
modo que elas continuem a caber no Orçamento e, no médio e longo prazos, a
redução contribua para conter a necessidade de contrair dívidas para pagá-las,
detendo a trajetória de alta no endividamento público.
Não haverá ajuste fiscal sem mexer nos
gastos. Se alguém ainda tinha dúvida disso, a reação à Medida Provisória (MP)
do PIS/Cofins, devolvida ao Executivo pelo Congresso, deixou evidente o limite
das tentativas do governo de cumprir as metas fiscais ampliando a arrecadação.
São eloquentes as dificuldades para ampliar a receita de impostos num país com
carga tributária já escorchante. Ao restringir o uso de créditos de PIS/Cofins
para empresas pagarem outros tributos, a MP despertou oposição de diversos setores.
A gritaria teve razão de ser. A MP foi a
última de uma série de medidas afetando médias e grandes empresas. No ano
passado, mudanças nas regras de julgamento do Conselho Administrativo de
Recursos Fiscais (Carf), organismo para onde empresas encaminham reclamações
tributárias, deram poder de desempate ao governo e ampliaram os ganhos da
União. Em 2023, os contribuintes perderam disputas que somaram R$ 109 bilhões,
mais que o triplo do volume registrado no ano anterior. Juntos, os litígios
julgados no ano passado somaram R$ 278 bilhões. A meta para 2024 é mais que
dobrar esse valor.
Buscar aumento da receita no setor produtivo
é problema para todos. As empresas são as maiores responsáveis pelo crescimento
da economia. Tornar a vida delas mais difícil enfraquece a potência do Brasil
de se desenvolver. “Quando eles fazem um aumento de arrecadação, estão tirando
dinheiro de quem trabalha com eficiência, de quem gera emprego, de quem produz
— e passando para o Poder Executivo, que não tem essas habilidades”, afirmou em
evento recente o empresário Rubens Ometto, da Cosan.
Na comparação com países similares, o Brasil
já tributa mais as grandes e médias empresas. Buscar dinheiro onde ele é mais
fácil prejudica o crescimento. É melhor encarar a tarefa — sempre difícil e
politicamente custosa — de conter gastos e buscar eficiência no setor público.
A decisão final cabe a Lula. Se tiver bom senso, aceitará as sugestões para
controle de despesas.
Desvio de doações para vítimas das enchentes
exige punição exemplar
O Globo
Metade dos 12 investigados no Rio Grande do
Sul são políticos ou pré-candidatos na eleição municipal
Desviar doações ao povo gaúcho para ajudá-lo
a enfrentar um dos momentos mais críticos de sua História já seria um
descalabro. Cometer esse crime com o intuito de ganhar voto nas próximas
eleições, tirando proveito político do drama de moradores que perderam tudo nas
enchentes, é um descalabro maior ainda, que precisa ser investigado e punido
com o merecido rigor.
Desde a segunda quinzena de maio, o Grupo de
Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público do Rio
Grande do Sul (Gaeco/MPRS) e a polícia gaúcha têm deflagrado uma série de
operações para apurar crimes do tipo. Ao menos 12 pessoas são investigadas por
suspeita de desvios. Metade são políticos ou pré-candidatos às eleições
municipais. De acordo com as investigações, os donativos apreendidos nas ações
seriam oferecidos em troca de votos. Criou-se uma versão mais perversa do
clientelismo tão comum no país.
As operações alcançaram pelo menos quatro
cidades gaúchas. Em Palmares do Sul, são investigados três políticos: o
vereador Filipe Lang (PT-RS), pré-candidato à prefeitura, Polon Backes de
Oliveira (União-RS), pré-candidato a vice na mesma chapa, e o vereador Manoel
Antunes Neto (PL-RS). Um secretário municipal e parentes de vereadores também
estão na mira. Segundo as investigações, algumas doações não passaram nem pela
prefeitura. “Apuramos a participação de mais envolvidos nesse desvio”, disse o
promotor Mauro Rochenback. “Isso porque são vários os relatos da população que
mencionam diversos vereadores se aproveitando dessa tragédia para benefício
próprio e eleitoral.”
Em Barra do Ribeiro, diz o Ministério
Público, doações foram repassadas indevidamente a uma entidade ligada a um
pré-candidato. Foram apreendidos donativos na casa de dois suspeitos. Em
Eldorado do Sul, uma das cidades mais afetadas pelas chuvas, doações eram
entregues somente com o objetivo de contemplar futuros eleitores. Três
suspeitos integram a Defesa Civil municipal e dois são pré-candidatos. Em
Cachoeirinha, a apuração também aponta para “ação criminosa motivada por fins
políticos”.
A destruição causada pelas chuvas não tem
precedentes na História do Rio Grande do Sul. Pelo menos 175 pessoas morreram e
mais de 95% dos municípios foram atingidos. Mesmo depois de as águas baixarem,
a situação ainda é crítica. Diante da devastação, surgiu uma das maiores ondas
de solidariedade já vistas no país. Água, alimentos, roupas, colchonetes foram
enviados de todos os cantos do Brasil aos gaúchos. Foi uma ação exemplar.
Os desvios não devem pôr em xeque a comovente
ação de solidariedade dos brasileiros. Com fins políticos ou não, devem ser
tratados pelo Ministério Público e pela polícia. Se ficar comprovado que
políticos desviaram donativos para trocá-los por votos, eles devem ser punidos
exemplarmente, não só pela Justiça, mas também pelos eleitores. Para além do
crime, trata-se de um acinte ao sofrimento das vítimas.
Fed indica, sem firmeza, que fará um corte de
juros no ano
Valor Econômico
Mesmo que não haja uma relação mecânica, o imobilismo na diminuição das taxas pelo Fed traz restrição ao ritmo de corte de juros no Brasil e em outros países emergentes
O Federal Reserve (Fed) americano manteve
intocada a taxa de juros em 5,5% e mostrou ser muito dividido sobre o que fazer
com ela no futuro. Dos 19 membros do Comitê de Mercado Aberto, responsável pela
decisão, a maioria relativa, 8, acredita que haverá condições para duas
reduções até o fim do ano, enquanto 7 acham que o mais indicado seria um corte
de 0,25 ponto percentual e os restantes quatro não creem que deva haver corte
algum. O presidente do Fed, Jerome Powell, em entrevista após a reunião, disse
que a rigor não há diferença significativa de percepção entre os que defendem
um ou dois cortes. Mas a tendência do comitê foi por um corte, e a unanimidade,
segundo Powell, é que essa questão só será resolvida pela evolução futura dos
dados econômicos. Os investidores, que haviam aumentado suas apostas para uma
redução de juros em setembro, moveram-nas para novembro.
A perspectiva agregada sobre o comportamento
da economia, juros e emprego, reavaliada pelos membros do Fed a cada duas
reuniões - o “dot plots” -, indicou que, se há diferenças sobre o grau possível
de afrouxamento monetário, a mesma coisa não pode ser dita sobre os números que
baseiam suas estimativas, que são praticamente os mesmos do encontro de março.
Para o crescimento da economia, a projeção não variou neste e nos próximos dois
anos, assim como em relação à taxa que preveem ser a potencial de longo prazo
(2,8%). Neste ano, o PIB deve subir 2,1%, e 2% nos dois seguintes. Da mesma
forma, pouco mudou a taxa de desemprego antevista - 4% em 2024 e 0,1 ponto
percentual maior nos exercícios seguintes, ou 4,2% e 4,1%.
Questão mais relevante para a possibilidade
de cortes, as estimativas para a inflação subiram. Em 2024, a projeção para o
índice de gastos pessoais de consumo (PCE), em relação a março, subiu de 2,4%
para 2,6%. Em 2025, aumentaram de 2,2% para 2,3%, para chegar à meta do banco
de 2% em 2026. No caso do núcleo desse índice, a tendência foi a mesma, com
alta de 2,6% para 2,8% este ano e de 2,2% para 2,3% em 2025.
Em função dessas projeções, a mediana dos
juros das indicações individuais dos membros do Fomc foi de 5,1% no corrente
exercício, significativamente acima dos 4,6% de março, quando ainda se mantinha
a chance de três reduções do fed funds no ano. A taxa estimada para os anos
seguintes, de 4,1% e 3,1%, indica um ritmo maior de afrouxamento, mas com juro
no encerramento do ciclo maior do que antes, de 2,8%, ante 2,6% de março. Isto
significa que a taxa de juros neutra, a que não estimula nem contrai a economia,
está em elevação. A tendência central das estimativas aponta uma variação de
até 3,5% no longo prazo, quando, há quatros atrás, em junho de 2020, não
passava de 2,5%.
Os dados de maio da inflação ao consumidor
(CPI), divulgados ontem, ficaram abaixo das expectativas. Em 12 meses, a taxa
foi de 3,3% e seu núcleo, de 3,4%. Mais encorajador ainda, não houve variação
entre a inflação cheia de abril e a de maio. “Foi mais um passo adiante em
direção a 2%”, comentou Powell, que repetiu o mantra de que ainda não há
confiança suficiente de que a inflação está caminhando inequivocamente para a
meta.
Os demais números, comentados por Powell, vão
quase todos na direção certa - mas não na velocidade esperada. O desemprego
subiu um pouco (4%), há diminuição da oferta de novos postos de trabalho, os
pedidos de demissão voluntária arrefeceram, mas ainda assim o ritmo de aumento
dos salários, mais moderado, ainda está acima do que seria compatível com a
meta.
Se nem a economia está mais fraca, nem o
desemprego está maior, e a inflação pode ser marginalmente maior do que a
prevista, de onde vem a confiança do Fed de que é possível reduzir os juros?
Powell disse confiar no efeito da política monetária continuamente restritiva,
que derrubará a variação dos preços- a diferença, sugere, está na velocidade
com que fará isso. Há, além disso, uma armadilha estatística, porque os números
da inflação no segundo semestre de 2023 foram muito bons.
Mesmo que não haja uma relação mecânica, o
imobilismo na diminuição das taxas pelo Fed traz restrição ao ritmo de corte de
juros no Brasil e em outros países emergentes em ciclo de afrouxamento
monetário. O dólar tem se fortalecido diante das moedas desses países, criando
um obstáculo potencial adicional, ao aumentar os preços dos importados e a
inflação doméstica. Além disso, diminui a atratividade dos investimentos em
portfólio, ampliando os fluxos de recursos para os Estados Unidos.
Ainda que o Brasil tenha escapado da dependência externa de divisas, com suas enormes reservas internacionais, o câmbio pode fazer estragos, ainda mais diante de um momento, como agora, em que a situação fiscal do país não dá sinais de solidez e as expectativas de inflação estão em alta. O resultado para o qual se encaminha o Banco Central é uma interrupção do corte de juros, agora ou na próxima reunião, estacionando o ciclo em um nível de taxa absolutamente nociva para as contas públicas.
É Lula quem alimenta as tensões financeiras
Folha de S. Paulo
Ao não endossar o ajuste fiscal e a agenda do
ministro da Fazenda, mandatário dificulta a queda da inflação e dos juros
A mais recente tentativa do governo de
aumentar a arrecadação falhou de modo ruidoso. Uma medida provisória destinada
a restringir o uso de créditos contra o erário no pagamento de impostos, que
surpreendeu empresas e parlamentares, foi
rapidamente recusada pelo Congresso —sob o argumento de falta
de fundamentação legal.
O episódio é mais do que uma derrota
circunstancial. Evidencia insatisfação crescente com a tentativa inglória de
controlar o déficit público apenas por meio de sucessivos aumentos de receita.
Tal estratégia, na esteira de uma exorbitante
expansão do gasto público já no primeiro ano do terceiro mandato de Luiz
Inácio Lula da
Silva (PT),
parece chegar a um limite.
A consequência imediata do revés foi mais
disseminação da leitura de que o ministro Fernando
Haddad, da Fazenda, e seus planos fiscais não contam com o endosso
do Planalto. O contexto de tensão financeira e política amplificou o efeito
desse prejuízo de imagem.
Declarações do ministro são entendidas como
sinais extras de que lhe falta poder para levar adiante o controle das contas
públicas.
Desde meados de abril se intensifica a
deterioração de indicadores. De lá para cá, o governo afrouxou suas metas
orçamentárias, e o cenário para as taxas de juros nos
Estados Unidos se alterou para pior.
O voto dividido no Banco Central causou
mais alarme. As taxas de juros de longo prazo sobem faz meses, o dólar dá
saltos e o processo de redução da Selic deve
ser suspenso até o ano que vem.
Desde o início do ano, Lula enfrenta mais
dificuldades no Congresso. Vetos presidenciais são derrubados, a reforma
tributária se arrasta, a oposição impõe sua pauta.
O próprio governo cria turbulências. Assim se
deu com as semanas de tumulto com a
intervenção na Petrobras. A administração petista conseguiu
embaraçar-se até com uma equivocada importação de arroz.
Não bastasse, Lula discursou nesta quarta
(12) de modo a reforçar a percepção de que não se comprometerá com um ajuste.
Declarou que o controle
fiscal virá por meio de mais receita e juros menores —o que a
esta altura soa a alheamento da realidade.
Nada foi dito sobre contenção da despesa
primária, o que está em questão. Realimentou-se o fogo nos mercados
financeiros, mesmo em uma situação de indicadores de atividade econômica
razoáveis.
Haddad diz que levará ao presidente um plano
de controle de despesas. Seria boa oportunidade de aplacar a balbúrdia, mas o
governo vem desperdiçando suas chances.
Paz remota
Folha de S. Paulo
Encontro sobre Guerra da Ucrânia tende à
frustração devido à ausência russa
País historicamente associado à neutralidade
e a negociações de paz, a Suíça sedia
neste fim de semana uma conferência que receberá hostes de líderes em busca de
uma solução para a Guerra da Ucrânia,
fruto da agressão promovida pelo russo Vladimir
Putin em 2022.
O evento, contudo, parece fadado à
frustração, salvo uma improvável mudança de ânimo por parte de seus
participantes. O motivo básico é que a Rússia não
foi convidada. E, se fosse, não iria.
O status neutro dos suíços é desconsiderado
por Moscou, dada a adesão a sanções econômicas contra a Rússia devido à
invasão.
Assim, o que estará à mesa será um pacote
divulgado no fim de 2022 por Kiev, com dez pontos para chegar à paz que não
incluem concessões aceitas pelos próprios ucranianos quando ainda havia rodadas
de negociações com os russos, no início do conflito.
A brutalidade
da guerra justifica a inflexibilidade. O renovado apoio ocidental
—que agora inclui a arriscada permissão de EUA e aliados para o emprego de suas
armas doadas a Kiev contra território russo— cristaliza tal posição.
Realistas apontam para o fato incontornável
de que tal voluntarismo não é suficiente por não ensejar uma derrota militar de
Moscou.
O desafio é acomodar preocupações de
segurança russas —denunciadas como neoimperialismo no Ocidente e temperadas
pelas ameaças nucleares do Kremlin— com a rejeição de um endosso ao uso da
força. Nada indica, porém, que essa barreira será superada com o discurso único
que se desenha na Suíça, refletindo a divisão maior que a guerra explicitou.
Dos 160 convidados, só 90 confirmaram
presença até o agora. O maior apoiador de Kiev, o americano Joe Biden, enviará
sua vice. O Brasil declinou de participar e enviará
sua embaixadora aos Alpes apenas como observadora.
Luiz Inácio
Lula da Silva (PT), que se coloca ao lado da China, fiadora de
Putin, rejeitou comparecer alegando a defesa de uma cúpula mais ampla que
envolva os rivais.
Isso mostra o malabarismo a que as guerras obrigam, dado que, ao contrário dos chineses, os brasileiros condenaram o conflito em duas ocasiões na ONU. Mas, como os asiáticos, rejeitam as sanções a Moscou em nome dos benefícios comerciais que já auferem.
Cheiro de queimado
O Estado de S. Paulo
Mais que uma afronta ao governo, devolução de
trechos da MP que limitava o uso de créditos de PIS e Cofins pelas empresas foi
uma dura derrota para Haddad e sua agenda econômica
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco
(PSD-MG), devolveu ao Executivo trechos da medida provisória (MP) que limitava
o uso de créditos de PIS e Cofins pelas empresas. O ato, grave, costuma ser
adotado com muita parcimônia pelos presidentes do Congresso, pois sempre é
visto como uma atitude simbólica a expressar bem mais que uma mera discordância
sobre o tema da MP em si.
A MP – que, recorde-se, tem força de lei –
foi a forma que o governo havia encontrado para compensar a renúncia associada
à desoneração da folha de pagamento de 17 setores econômicos e dos municípios.
Poucas vezes se viu o setor privado tão contrariado com um governo – o atual ou
qualquer outro. Foram muitas as entidades representativas do agronegócio,
indústria, comércio e serviços, além de 27 frentes parlamentares, que se uniram
para cobrar do Congresso que rejeitasse a MP 1.227/2024 sem analisá-la.
O senador mineiro já havia resistido à
pressão de deputados, senadores, prefeitos e empresas para devolver a MP da
reoneração da folha, publicada em pleno recesso parlamentar no dia 28 de
dezembro. Não se pode, portanto, acusar Pacheco de intransigência nem de agir
de maneira intempestiva. Um dia antes, ele chegou a sinalizar ao presidente
Lula da Silva que devolveria parte da MP caso o governo não indicasse uma
alternativa.
A forma como o anúncio foi feito expôs o
ministro Fernando Haddad a uma fritura sem precedentes. Ao lado de Pacheco,
sentado à mesa da presidência, o líder do governo no Senado, Jaques Wagner
(PT-BA), poderia ter assentido em silêncio, mas agradeceu a Pacheco, disse que
seu ato interrompia o que seria “uma tragédia sem fim” e foi além. Afirmou que
a medida tinha “o aplauso” do presidente Lula.
Jaques Wagner, por óbvio, não falava apenas
por si mesmo. Como mostrou o Estadão, o governo, quando se deu conta do
tamanho do problema gerado pela MP, optou por recuar e deixar o ministro Haddad
e sua equipe na chuva. A empresários, o ministro-chefe da Casa Civil, Rui
Costa, disse desconhecer o impacto da proposta sobre o setor produtivo. Já os
ministros do Planejamento, Simone Tebet, e do Desenvolvimento, Indústria,
Comércio e Serviços, o vice-presidente Geraldo Alckmin, indicaram não terem
sido consultados sobre o teor do texto.
Mais do que uma afronta ao governo, portanto,
a impugnação de trechos da MP foi a imposição de uma derrota acachapante a
Haddad e sua agenda econômica. Por meio dela, os parlamentares deixaram claro
que a estratégia de recuperação de receitas e recomposição da arrecadação
defendida pelo ministro, apoiada e aprovada muitas vezes ao longo do ano
passado, atingiu o limite.
A ausência do ministro, que estava no
Vaticano para encontrar o papa Francisco, não ajudou. Se Haddad tivesse
explicado e negociado o teor da MP com as lideranças da Câmara e do Senado
antes de encaminhá-la, talvez tivesse alguma chance. Mas o fato de ter apelado
ao Supremo Tribunal Federal (STF) para garantir a compensação financeira pela
desoneração da folha levou a disputa a um outro patamar.
Haddad disse que a Fazenda não tem plano B
para a proposta impugnada e jogou a responsabilidade por encontrar uma solução
para a perda de arrecadação ao Senado. Não será fácil encontrar maneiras de
arrecadar R$ 26,3 bilhões no espaço de pouco mais de 30 dias, e as
possibilidades aventadas pelos parlamentares, como a repatriação de recursos no
exterior e o uso de dinheiro esquecido em contas judiciais, não parecem
promissoras nem suficientes.
Haddad tem do seu lado o STF, que endossou a
liminar concedida pelo ministro Cristiano Zanin. Pelo entendimento da Corte, se
não houver medida compensatória, a reoneração volta a valer imediatamente.
No fundo, está claro que era isso o que
Haddad queria desde o início do debate, razão pela qual pode reivindicar o
título de “campeão moral” da discussão. Mas o fato é que o ministro foi
abandonado pelo presidente Lula em um dos momentos mais críticos de sua gestão.
Há que reconhecer que foi o próprio ministro
quem não soube medir as consequências de seus atos. Apostando na discórdia,
tentou jogar os setores uns contra os outros, mas obteve o oposto do que
desejava e aglutinou todos contra si mesmo.
Campos Neto e os freios republicanos
O Estado de S. Paulo
O presidente do BC vem transitando com
desenvoltura por meios políticos, o que ajuda a aumentar a desconfiança de que
a instituição esteja contaminada pela rinha que mobiliza o País
O princípio da impessoalidade é um dos mais
relevantes da administração pública, conforme estatuído explicitamente na
Constituição, em seu artigo 37. As razões são óbvias: um funcionário público
não pode atuar conforme suas predileções pessoais ou suas convicções
político-partidárias, porque o Estado, por definição, deve tratamento igual a
todos os cidadãos, indistintamente. Esse valor é particularmente relevante em
instituições responsáveis por decisões bastante sensíveis para o conjunto da
sociedade – e aqui podemos destacar, como exemplos, o Supremo Tribunal Federal
(aquele cuja prerrogativa é “errar por último”, como disse Rui Barbosa) e o
Banco Central – BC (aquele que deve ter autonomia justamente para ser protegido
das naturais pressões políticas e, assim, poder tomar medidas impopulares se
for o caso).
Do Supremo já se falou bastante: é hoje uma
instituição sobre cujas sentenças infelizmente não raro recai todo tipo de
suspeita e descrédito, exatamente porque alguns de seus ministros perderam a
noção do caráter absolutamente impessoal de seu trabalho. Agora, é hora de
falar do Banco Central.
Nos últimos tempos, circulam notícias segundo
as quais o presidente do BC, Roberto Campos Neto, vem se permitindo frequentar
ambientes e eventos eminentemente políticos. O caso mais recente foi a
homenagem que Campos Neto acabou de receber da Assembleia Legislativa do Estado
de São Paulo (Alesp), seguida de um jantar alegadamente “íntimo” – repleto de
banqueiros, políticos e empresários – oferecido pelo governador do Estado,
Tarcísio de Freitas (Republicanos), no Palácio dos Bandeirantes. Por iniciativa
do deputado Tomé Abduch (Republicanos), a Alesp concedeu ao presidente do BC a
medalha de Honra ao Mérito Legislativo do Estado de São Paulo.
O que vai na consciência de Campos Neto
quando aceita um convite desses é problema exclusivamente dele, mas o
presidente do BC muito provavelmente sabe que sua imagem está diretamente
vinculada à instituição que dirige – e não se pode condenar quem veja naquele
convescote bolsonarista na Alesp a prova que faltava de que o BC sob Campos
Neto está contaminado pela rinha que mobiliza o País.
Até recentemente, nada sugeria que as
eventuais preferências políticas de Campos Neto estivessem orientando suas
decisões à frente do BC, a despeito de seus descuidos – como quando foi votar
na eleição de 2022 vestido com a camisa da seleção brasileira, que era então o
fardamento do bolsonarismo. Recorde-se, por exemplo, que o BC de Campos Neto
aumentou os juros básicos da economia justamente naquele ano eleitoral, sem
considerar o impacto que poderia ter sobre a candidatura do presidente Jair
Bolsonaro – que o nomeara para o cargo. De um modo geral, economistas de
diversas tendências consideram que Campos Neto fez até aqui um trabalho
competente e responsável – e a melhor prova disso talvez sejam as críticas
apopléticas que ele recebe sistematicamente da presidente do PT, Gleisi
Hoffmann.
Mas essa percepção pode mudar, o que
dificultaria o trabalho do Banco Central na administração das expectativas do
mercado, já bastante nervoso com a incapacidade do governo petista de desviar
do abismo. A reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) de maio passado,
que claramente opôs os diretores nomeados por Bolsonaro àqueles indicados pelo
presidente Lula da Silva na definição dos juros, pode sugerir alguma forma de
cisão política dentro do BC. É possível que tenha sido apenas uma coincidência,
mas a desenvoltura de Campos Neto entre os bolsonaristas não ajuda a dissipar
as dúvidas e desconfianças. Ao contrário, as acentua.
Campos Neto poderia facilmente estar
empregado no setor privado, seja no Brasil, seja no exterior. Ao aceitar
presidir o BC, contudo, o executivo fez uma opção livre e consciente por
abraçar o serviço público durante um período da vida. E junto com a função
pública vêm grandes responsabilidades e restrições nada triviais. Assim,
roga-se a Campos Neto o mesmo que se espera de todo servidor público:
prudência, discrição e impessoalidade.
STF não é bedel da política
O Estado de S. Paulo
Presidente da Corte palpita sobre câmeras da
Polícia Militar em vez de se limitar ao edital questionado
O presidente do Supremo Tribunal Federal
(STF), ministro Luís Roberto Barroso, avalizou o pregão para a compra de
câmeras corporais para a Polícia Militar (PM) de São Paulo. O magistrado,
porém, não se limitou a dizer o direito no recurso apresentado à Corte pela
Defensoria Pública paulista. Barroso achou que era o caso de se imiscuir na
própria formulação da política pública, como se fosse bedel do governador
Tarcísio de Freitas (Republicanos).
De acordo com a Defensoria Pública, a
possibilidade de policiais ou centros operacionais iniciarem e finalizarem as
gravações, entre outras medidas, representa possível retrocesso. Barroso,
contudo, considerou que o governo estadual esclareceu todos os “pontos
controvertidos” do novo edital. O ministro recebeu Tarcísio e a
procuradora-geral do Estado de São Paulo, Inês Maria dos Santos Coimbra, em
Brasília, para que sanassem suas dúvidas. Satisfeito, por ora, o magistrado
manteve o pregão, mas não sem antes discorrer sobre segurança pública e emitir
seus habituais palpites sobre temas alheios à judicatura.
Em despacho, Barroso afirmou que considera
“essencial reforçar a importância e a relevância da continuidade da política
pública do uso de câmeras corporais por policiais militares”. Ora, em que pese
a pertinência de seu juízo, de resto coincidente com o deste jornal, essa é uma
prerrogativa do chefe de governo eleito, que deve arcar com os ônus políticos
dos erros que eventualmente cometer.
Feita a peroração e à guisa de iluminar sua
trilha decisória, Barroso usou os parâmetros da recente portaria editada pelo
Ministério da Justiça e Segurança Pública como baliza de avaliação da nova
política de câmeras corporais em São Paulo. “Apesar de a norma estabelecer
preferência pela gravação ininterrupta, não há vedação ao uso de modalidade
diversa”, escreveu, relatando o óbvio.
Confortou-se, então, ao saber que a licitação
de Tarcísio prevê três modelos de gravação, que aparentemente se alinham às
diretrizes federais. O presidente do STF, porém, alertou que seguirá vigilante.
Malgrado admitir que ainda não é possível
aferir o funcionamento do novo modelo de câmeras adotado, isso não o impedirá
de agir. Mencionando o princípio da economicidade, Barroso sublinhou que,
apesar de ser legítima a argumentação sobre os custos envolvidos no novo
modelo, a análise da efetividade do uso das câmeras não pode ser esquecida. O
busílis é que essa avaliação, por óbvio, cabe ao Executivo, não ao Judiciário.
Seis meses após o início do contrato, o
governo Tarcísio de Freitas terá de apresentar um relatório a Barroso como uma
espécie de prestação de contas. “Em caso de desempenho insatisfatório”,
advertiu o ministro, “esta Presidência voltará a atuar.”
A população de São Paulo é plenamente capaz de avaliar os governadores que elege e as instituições paulistas são suficientemente fortes para exercer os devidos freios e contrapesos. Aos juízes, cabe atuar apenas nos limites de suas atribuições.
Cartão vermelho para os brigões
Correio Braziliense
A nova medida busca conter os ânimos de
parlamentares que, sem capacidade de diálogo e argumentos convincentes, apelam
à violência a fim de fazer prevalecer seus pontos de vista
O plenário da Câmara aprovou, no fim da
tarde de ontem, o Projeto de Resolução (PRE) 32/24, que permite a Mesa Diretora
propor ao Conselho de Ética “afastamento cautelar”, por até seis meses, do
mandato de deputado federal acusado de quebra de decoro parlamentar. Embora a
medida estivesse prevista desde 1995, ontem deixou de ser uma decisão exclusiva
da Mesa Diretora e do presidente da Câmara. Agora, a punição será decidida, em
última instância, pelo plenário. A nova medida busca conter os ânimos de parlamentares
que, sem capacidade de diálogo e argumentos convincentes, apelam à violência a
fim de fazer prevalecer seus pontos de vista.
A providência chega atrasada, uma vez que os
entreveros entre deputados têm sido constantes e alimentados pelos extremismo
ideológico que divide a sociedade brasileira há anos. São cotidianas as
agressões verbais e até físicas entre deputados nos embates tanto no plenário
quanto nas comissões temáticas. Os protagonistas recorrem a expressões chulas,
descabidas, que afrontam os cidadãos e o Legislativo, tornando insalubre o
espaço em que a ética, a boa educação e o respeito deveriam prevalecer.
Deixando a civilidade de lado e com seus
inseparáveis celulares, parlamentares gravam as desavenças e as exibem ao
eleitorado por meio das plataformas digitais — até mesmo em tempo real.
Dependendo do número de acessos, pouco importa se os comentários são positivos
ou negativos, o deputado ainda lucra com a monetização da sua página virtual.
“Falem bem ou mal, mas falem de mim” é jargão que se transformou em lema entre
muitos que buscam visibilidade a qualquer custo, parecendo deixar de lado a
função a que lhes é de obrigação: legislar.
Na defesa de interesses inconfessáveis,
deputados, de modo geral, aproveitam da imunidade parlamentar para se agredirem
e também violentarem a Carta Cidadã e o povo brasileiro. A homofobia, a
transfobia, a misoginia, o racismo, a aporofobia e tantos outros preconceitos
fazem parte dos discursos conservadores que atacam eleitores impropriamente
considerados diferentes e párias da sociedade.
Tais episódios também merecem atenção
dos dirigentes da Câmara e do Senado. A representatividade dos líderes desses
segmentos minoritários dentro do parlamento se tornou imprescindível para
conter retrocessos, bem próprios dos que apostam na violência para virar a
chave. Também é essencial que as novas regras para conter os ânimos dos
parlamentares brigões sejam de fato cumpridas, não caindo no limbo das jogadas
populistas.
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