quinta-feira, 13 de junho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Não dá mais para cumprir meta fiscal ampliando receitas

O Globo

É urgente desvincular os benefícios do INSS do salário mínimo e as despesas com saúde e educação da arrecadação

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, faz bem em levar medidas de contenção de despesas para apreciação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. É urgente controlar os gastos públicos. Sem isso, a credibilidade já desgastada do arcabouço fiscal aprovado há menos de um ano continuará a deteriorar-se.

Duas ideias deveriam ser prioridade. Primeiro, desvincular do salário mínimo os benefícios temporários pagos pelo INSS. Desde o ano passado, o mínimo passou a ser regido por uma lei que pressupõe aumento real, acima da inflação, semeando alta descontrolada nas contas da Previdência. Segundo, é preciso voltar a desvincular do aumento das receitas os gastos constitucionais obrigatórios com saúde e educação. Essa é mais uma fonte de crescimento acima da inflação, e gastos obrigatórios como esses pressionam todas as demais despesas discricionárias, de investimentos em infraestrutura a verbas para combater tragédias climáticas.

A equipe econômica não propõe corte ou congelamento nas despesas, medidas difíceis de adotar em razão das leis que regem as finanças públicas. Mas apenas reduzir seu ritmo de crescimento, de modo que elas continuem a caber no Orçamento e, no médio e longo prazos, a redução contribua para conter a necessidade de contrair dívidas para pagá-las, detendo a trajetória de alta no endividamento público.

Não haverá ajuste fiscal sem mexer nos gastos. Se alguém ainda tinha dúvida disso, a reação à Medida Provisória (MP) do PIS/Cofins, devolvida ao Executivo pelo Congresso, deixou evidente o limite das tentativas do governo de cumprir as metas fiscais ampliando a arrecadação. São eloquentes as dificuldades para ampliar a receita de impostos num país com carga tributária já escorchante. Ao restringir o uso de créditos de PIS/Cofins para empresas pagarem outros tributos, a MP despertou oposição de diversos setores.

A gritaria teve razão de ser. A MP foi a última de uma série de medidas afetando médias e grandes empresas. No ano passado, mudanças nas regras de julgamento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), organismo para onde empresas encaminham reclamações tributárias, deram poder de desempate ao governo e ampliaram os ganhos da União. Em 2023, os contribuintes perderam disputas que somaram R$ 109 bilhões, mais que o triplo do volume registrado no ano anterior. Juntos, os litígios julgados no ano passado somaram R$ 278 bilhões. A meta para 2024 é mais que dobrar esse valor.

Buscar aumento da receita no setor produtivo é problema para todos. As empresas são as maiores responsáveis pelo crescimento da economia. Tornar a vida delas mais difícil enfraquece a potência do Brasil de se desenvolver. “Quando eles fazem um aumento de arrecadação, estão tirando dinheiro de quem trabalha com eficiência, de quem gera emprego, de quem produz — e passando para o Poder Executivo, que não tem essas habilidades”, afirmou em evento recente o empresário Rubens Ometto, da Cosan.

Na comparação com países similares, o Brasil já tributa mais as grandes e médias empresas. Buscar dinheiro onde ele é mais fácil prejudica o crescimento. É melhor encarar a tarefa — sempre difícil e politicamente custosa — de conter gastos e buscar eficiência no setor público. A decisão final cabe a Lula. Se tiver bom senso, aceitará as sugestões para controle de despesas.

Desvio de doações para vítimas das enchentes exige punição exemplar

O Globo

Metade dos 12 investigados no Rio Grande do Sul são políticos ou pré-candidatos na eleição municipal

Desviar doações ao povo gaúcho para ajudá-lo a enfrentar um dos momentos mais críticos de sua História já seria um descalabro. Cometer esse crime com o intuito de ganhar voto nas próximas eleições, tirando proveito político do drama de moradores que perderam tudo nas enchentes, é um descalabro maior ainda, que precisa ser investigado e punido com o merecido rigor.

Desde a segunda quinzena de maio, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público do Rio Grande do Sul (Gaeco/MPRS) e a polícia gaúcha têm deflagrado uma série de operações para apurar crimes do tipo. Ao menos 12 pessoas são investigadas por suspeita de desvios. Metade são políticos ou pré-candidatos às eleições municipais. De acordo com as investigações, os donativos apreendidos nas ações seriam oferecidos em troca de votos. Criou-se uma versão mais perversa do clientelismo tão comum no país.

As operações alcançaram pelo menos quatro cidades gaúchas. Em Palmares do Sul, são investigados três políticos: o vereador Filipe Lang (PT-RS), pré-candidato à prefeitura, Polon Backes de Oliveira (União-RS), pré-candidato a vice na mesma chapa, e o vereador Manoel Antunes Neto (PL-RS). Um secretário municipal e parentes de vereadores também estão na mira. Segundo as investigações, algumas doações não passaram nem pela prefeitura. “Apuramos a participação de mais envolvidos nesse desvio”, disse o promotor Mauro Rochenback. “Isso porque são vários os relatos da população que mencionam diversos vereadores se aproveitando dessa tragédia para benefício próprio e eleitoral.”

Em Barra do Ribeiro, diz o Ministério Público, doações foram repassadas indevidamente a uma entidade ligada a um pré-candidato. Foram apreendidos donativos na casa de dois suspeitos. Em Eldorado do Sul, uma das cidades mais afetadas pelas chuvas, doações eram entregues somente com o objetivo de contemplar futuros eleitores. Três suspeitos integram a Defesa Civil municipal e dois são pré-candidatos. Em Cachoeirinha, a apuração também aponta para “ação criminosa motivada por fins políticos”.

A destruição causada pelas chuvas não tem precedentes na História do Rio Grande do Sul. Pelo menos 175 pessoas morreram e mais de 95% dos municípios foram atingidos. Mesmo depois de as águas baixarem, a situação ainda é crítica. Diante da devastação, surgiu uma das maiores ondas de solidariedade já vistas no país. Água, alimentos, roupas, colchonetes foram enviados de todos os cantos do Brasil aos gaúchos. Foi uma ação exemplar.

Os desvios não devem pôr em xeque a comovente ação de solidariedade dos brasileiros. Com fins políticos ou não, devem ser tratados pelo Ministério Público e pela polícia. Se ficar comprovado que políticos desviaram donativos para trocá-los por votos, eles devem ser punidos exemplarmente, não só pela Justiça, mas também pelos eleitores. Para além do crime, trata-se de um acinte ao sofrimento das vítimas.

Fed indica, sem firmeza, que fará um corte de juros no ano

Valor Econômico

Mesmo que não haja uma relação mecânica, o imobilismo na diminuição das taxas pelo Fed traz restrição ao ritmo de corte de juros no Brasil e em outros países emergentes

O Federal Reserve (Fed) americano manteve intocada a taxa de juros em 5,5% e mostrou ser muito dividido sobre o que fazer com ela no futuro. Dos 19 membros do Comitê de Mercado Aberto, responsável pela decisão, a maioria relativa, 8, acredita que haverá condições para duas reduções até o fim do ano, enquanto 7 acham que o mais indicado seria um corte de 0,25 ponto percentual e os restantes quatro não creem que deva haver corte algum. O presidente do Fed, Jerome Powell, em entrevista após a reunião, disse que a rigor não há diferença significativa de percepção entre os que defendem um ou dois cortes. Mas a tendência do comitê foi por um corte, e a unanimidade, segundo Powell, é que essa questão só será resolvida pela evolução futura dos dados econômicos. Os investidores, que haviam aumentado suas apostas para uma redução de juros em setembro, moveram-nas para novembro.

A perspectiva agregada sobre o comportamento da economia, juros e emprego, reavaliada pelos membros do Fed a cada duas reuniões - o “dot plots” -, indicou que, se há diferenças sobre o grau possível de afrouxamento monetário, a mesma coisa não pode ser dita sobre os números que baseiam suas estimativas, que são praticamente os mesmos do encontro de março. Para o crescimento da economia, a projeção não variou neste e nos próximos dois anos, assim como em relação à taxa que preveem ser a potencial de longo prazo (2,8%). Neste ano, o PIB deve subir 2,1%, e 2% nos dois seguintes. Da mesma forma, pouco mudou a taxa de desemprego antevista - 4% em 2024 e 0,1 ponto percentual maior nos exercícios seguintes, ou 4,2% e 4,1%.

Questão mais relevante para a possibilidade de cortes, as estimativas para a inflação subiram. Em 2024, a projeção para o índice de gastos pessoais de consumo (PCE), em relação a março, subiu de 2,4% para 2,6%. Em 2025, aumentaram de 2,2% para 2,3%, para chegar à meta do banco de 2% em 2026. No caso do núcleo desse índice, a tendência foi a mesma, com alta de 2,6% para 2,8% este ano e de 2,2% para 2,3% em 2025.

Em função dessas projeções, a mediana dos juros das indicações individuais dos membros do Fomc foi de 5,1% no corrente exercício, significativamente acima dos 4,6% de março, quando ainda se mantinha a chance de três reduções do fed funds no ano. A taxa estimada para os anos seguintes, de 4,1% e 3,1%, indica um ritmo maior de afrouxamento, mas com juro no encerramento do ciclo maior do que antes, de 2,8%, ante 2,6% de março. Isto significa que a taxa de juros neutra, a que não estimula nem contrai a economia, está em elevação. A tendência central das estimativas aponta uma variação de até 3,5% no longo prazo, quando, há quatros atrás, em junho de 2020, não passava de 2,5%.

Os dados de maio da inflação ao consumidor (CPI), divulgados ontem, ficaram abaixo das expectativas. Em 12 meses, a taxa foi de 3,3% e seu núcleo, de 3,4%. Mais encorajador ainda, não houve variação entre a inflação cheia de abril e a de maio. “Foi mais um passo adiante em direção a 2%”, comentou Powell, que repetiu o mantra de que ainda não há confiança suficiente de que a inflação está caminhando inequivocamente para a meta.

Os demais números, comentados por Powell, vão quase todos na direção certa - mas não na velocidade esperada. O desemprego subiu um pouco (4%), há diminuição da oferta de novos postos de trabalho, os pedidos de demissão voluntária arrefeceram, mas ainda assim o ritmo de aumento dos salários, mais moderado, ainda está acima do que seria compatível com a meta.

Se nem a economia está mais fraca, nem o desemprego está maior, e a inflação pode ser marginalmente maior do que a prevista, de onde vem a confiança do Fed de que é possível reduzir os juros? Powell disse confiar no efeito da política monetária continuamente restritiva, que derrubará a variação dos preços- a diferença, sugere, está na velocidade com que fará isso. Há, além disso, uma armadilha estatística, porque os números da inflação no segundo semestre de 2023 foram muito bons.

Mesmo que não haja uma relação mecânica, o imobilismo na diminuição das taxas pelo Fed traz restrição ao ritmo de corte de juros no Brasil e em outros países emergentes em ciclo de afrouxamento monetário. O dólar tem se fortalecido diante das moedas desses países, criando um obstáculo potencial adicional, ao aumentar os preços dos importados e a inflação doméstica. Além disso, diminui a atratividade dos investimentos em portfólio, ampliando os fluxos de recursos para os Estados Unidos.

Ainda que o Brasil tenha escapado da dependência externa de divisas, com suas enormes reservas internacionais, o câmbio pode fazer estragos, ainda mais diante de um momento, como agora, em que a situação fiscal do país não dá sinais de solidez e as expectativas de inflação estão em alta. O resultado para o qual se encaminha o Banco Central é uma interrupção do corte de juros, agora ou na próxima reunião, estacionando o ciclo em um nível de taxa absolutamente nociva para as contas públicas.

É Lula quem alimenta as tensões financeiras

Folha de S. Paulo

Ao não endossar o ajuste fiscal e a agenda do ministro da Fazenda, mandatário dificulta a queda da inflação e dos juros

A mais recente tentativa do governo de aumentar a arrecadação falhou de modo ruidoso. Uma medida provisória destinada a restringir o uso de créditos contra o erário no pagamento de impostos, que surpreendeu empresas e parlamentares, foi rapidamente recusada pelo Congresso —sob o argumento de falta de fundamentação legal.

O episódio é mais do que uma derrota circunstancial. Evidencia insatisfação crescente com a tentativa inglória de controlar o déficit público apenas por meio de sucessivos aumentos de receita.

Tal estratégia, na esteira de uma exorbitante expansão do gasto público já no primeiro ano do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), parece chegar a um limite.

A consequência imediata do revés foi mais disseminação da leitura de que o ministro Fernando Haddad, da Fazenda, e seus planos fiscais não contam com o endosso do Planalto. O contexto de tensão financeira e política amplificou o efeito desse prejuízo de imagem.

Declarações do ministro são entendidas como sinais extras de que lhe falta poder para levar adiante o controle das contas públicas.

Desde meados de abril se intensifica a deterioração de indicadores. De lá para cá, o governo afrouxou suas metas orçamentárias, e o cenário para as taxas de juros nos Estados Unidos se alterou para pior.

O voto dividido no Banco Central causou mais alarme. As taxas de juros de longo prazo sobem faz meses, o dólar dá saltos e o processo de redução da Selic deve ser suspenso até o ano que vem.

Desde o início do ano, Lula enfrenta mais dificuldades no Congresso. Vetos presidenciais são derrubados, a reforma tributária se arrasta, a oposição impõe sua pauta.

O próprio governo cria turbulências. Assim se deu com as semanas de tumulto com a intervenção na Petrobras. A administração petista conseguiu embaraçar-se até com uma equivocada importação de arroz.

Não bastasse, Lula discursou nesta quarta (12) de modo a reforçar a percepção de que não se comprometerá com um ajuste. Declarou que o controle fiscal virá por meio de mais receita e juros menores —o que a esta altura soa a alheamento da realidade.

Nada foi dito sobre contenção da despesa primária, o que está em questão. Realimentou-se o fogo nos mercados financeiros, mesmo em uma situação de indicadores de atividade econômica razoáveis.

Haddad diz que levará ao presidente um plano de controle de despesas. Seria boa oportunidade de aplacar a balbúrdia, mas o governo vem desperdiçando suas chances.

Paz remota

Folha de S. Paulo

Encontro sobre Guerra da Ucrânia tende à frustração devido à ausência russa

País historicamente associado à neutralidade e a negociações de paz, a Suíça sedia neste fim de semana uma conferência que receberá hostes de líderes em busca de uma solução para a Guerra da Ucrânia, fruto da agressão promovida pelo russo Vladimir Putin em 2022.

O evento, contudo, parece fadado à frustração, salvo uma improvável mudança de ânimo por parte de seus participantes. O motivo básico é que a Rússia não foi convidada. E, se fosse, não iria.

O status neutro dos suíços é desconsiderado por Moscou, dada a adesão a sanções econômicas contra a Rússia devido à invasão.

Assim, o que estará à mesa será um pacote divulgado no fim de 2022 por Kiev, com dez pontos para chegar à paz que não incluem concessões aceitas pelos próprios ucranianos quando ainda havia rodadas de negociações com os russos, no início do conflito.

A brutalidade da guerra justifica a inflexibilidade. O renovado apoio ocidental —que agora inclui a arriscada permissão de EUA e aliados para o emprego de suas armas doadas a Kiev contra território russo— cristaliza tal posição.

Realistas apontam para o fato incontornável de que tal voluntarismo não é suficiente por não ensejar uma derrota militar de Moscou.

O desafio é acomodar preocupações de segurança russas —denunciadas como neoimperialismo no Ocidente e temperadas pelas ameaças nucleares do Kremlin— com a rejeição de um endosso ao uso da força. Nada indica, porém, que essa barreira será superada com o discurso único que se desenha na Suíça, refletindo a divisão maior que a guerra explicitou.

Dos 160 convidados, só 90 confirmaram presença até o agora. O maior apoiador de Kiev, o americano Joe Biden, enviará sua vice. O Brasil declinou de participar e enviará sua embaixadora aos Alpes apenas como observadora.

Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que se coloca ao lado da China, fiadora de Putin, rejeitou comparecer alegando a defesa de uma cúpula mais ampla que envolva os rivais.

Isso mostra o malabarismo a que as guerras obrigam, dado que, ao contrário dos chineses, os brasileiros condenaram o conflito em duas ocasiões na ONU. Mas, como os asiáticos, rejeitam as sanções a Moscou em nome dos benefícios comerciais que já auferem.

Cheiro de queimado

O Estado de S. Paulo

Mais que uma afronta ao governo, devolução de trechos da MP que limitava o uso de créditos de PIS e Cofins pelas empresas foi uma dura derrota para Haddad e sua agenda econômica

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), devolveu ao Executivo trechos da medida provisória (MP) que limitava o uso de créditos de PIS e Cofins pelas empresas. O ato, grave, costuma ser adotado com muita parcimônia pelos presidentes do Congresso, pois sempre é visto como uma atitude simbólica a expressar bem mais que uma mera discordância sobre o tema da MP em si.

A MP – que, recorde-se, tem força de lei – foi a forma que o governo havia encontrado para compensar a renúncia associada à desoneração da folha de pagamento de 17 setores econômicos e dos municípios. Poucas vezes se viu o setor privado tão contrariado com um governo – o atual ou qualquer outro. Foram muitas as entidades representativas do agronegócio, indústria, comércio e serviços, além de 27 frentes parlamentares, que se uniram para cobrar do Congresso que rejeitasse a MP 1.227/2024 sem analisá-la.

O senador mineiro já havia resistido à pressão de deputados, senadores, prefeitos e empresas para devolver a MP da reoneração da folha, publicada em pleno recesso parlamentar no dia 28 de dezembro. Não se pode, portanto, acusar Pacheco de intransigência nem de agir de maneira intempestiva. Um dia antes, ele chegou a sinalizar ao presidente Lula da Silva que devolveria parte da MP caso o governo não indicasse uma alternativa.

A forma como o anúncio foi feito expôs o ministro Fernando Haddad a uma fritura sem precedentes. Ao lado de Pacheco, sentado à mesa da presidência, o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), poderia ter assentido em silêncio, mas agradeceu a Pacheco, disse que seu ato interrompia o que seria “uma tragédia sem fim” e foi além. Afirmou que a medida tinha “o aplauso” do presidente Lula.

Jaques Wagner, por óbvio, não falava apenas por si mesmo. Como mostrou o Estadão, o governo, quando se deu conta do tamanho do problema gerado pela MP, optou por recuar e deixar o ministro Haddad e sua equipe na chuva. A empresários, o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, disse desconhecer o impacto da proposta sobre o setor produtivo. Já os ministros do Planejamento, Simone Tebet, e do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, o vice-presidente Geraldo Alckmin, indicaram não terem sido consultados sobre o teor do texto.

Mais do que uma afronta ao governo, portanto, a impugnação de trechos da MP foi a imposição de uma derrota acachapante a Haddad e sua agenda econômica. Por meio dela, os parlamentares deixaram claro que a estratégia de recuperação de receitas e recomposição da arrecadação defendida pelo ministro, apoiada e aprovada muitas vezes ao longo do ano passado, atingiu o limite.

A ausência do ministro, que estava no Vaticano para encontrar o papa Francisco, não ajudou. Se Haddad tivesse explicado e negociado o teor da MP com as lideranças da Câmara e do Senado antes de encaminhá-la, talvez tivesse alguma chance. Mas o fato de ter apelado ao Supremo Tribunal Federal (STF) para garantir a compensação financeira pela desoneração da folha levou a disputa a um outro patamar.

Haddad disse que a Fazenda não tem plano B para a proposta impugnada e jogou a responsabilidade por encontrar uma solução para a perda de arrecadação ao Senado. Não será fácil encontrar maneiras de arrecadar R$ 26,3 bilhões no espaço de pouco mais de 30 dias, e as possibilidades aventadas pelos parlamentares, como a repatriação de recursos no exterior e o uso de dinheiro esquecido em contas judiciais, não parecem promissoras nem suficientes.

Haddad tem do seu lado o STF, que endossou a liminar concedida pelo ministro Cristiano Zanin. Pelo entendimento da Corte, se não houver medida compensatória, a reoneração volta a valer imediatamente.

No fundo, está claro que era isso o que Haddad queria desde o início do debate, razão pela qual pode reivindicar o título de “campeão moral” da discussão. Mas o fato é que o ministro foi abandonado pelo presidente Lula em um dos momentos mais críticos de sua gestão.

Há que reconhecer que foi o próprio ministro quem não soube medir as consequências de seus atos. Apostando na discórdia, tentou jogar os setores uns contra os outros, mas obteve o oposto do que desejava e aglutinou todos contra si mesmo.

Campos Neto e os freios republicanos

O Estado de S. Paulo

O presidente do BC vem transitando com desenvoltura por meios políticos, o que ajuda a aumentar a desconfiança de que a instituição esteja contaminada pela rinha que mobiliza o País

O princípio da impessoalidade é um dos mais relevantes da administração pública, conforme estatuído explicitamente na Constituição, em seu artigo 37. As razões são óbvias: um funcionário público não pode atuar conforme suas predileções pessoais ou suas convicções político-partidárias, porque o Estado, por definição, deve tratamento igual a todos os cidadãos, indistintamente. Esse valor é particularmente relevante em instituições responsáveis por decisões bastante sensíveis para o conjunto da sociedade – e aqui podemos destacar, como exemplos, o Supremo Tribunal Federal (aquele cuja prerrogativa é “errar por último”, como disse Rui Barbosa) e o Banco Central – BC (aquele que deve ter autonomia justamente para ser protegido das naturais pressões políticas e, assim, poder tomar medidas impopulares se for o caso).

Do Supremo já se falou bastante: é hoje uma instituição sobre cujas sentenças infelizmente não raro recai todo tipo de suspeita e descrédito, exatamente porque alguns de seus ministros perderam a noção do caráter absolutamente impessoal de seu trabalho. Agora, é hora de falar do Banco Central.

Nos últimos tempos, circulam notícias segundo as quais o presidente do BC, Roberto Campos Neto, vem se permitindo frequentar ambientes e eventos eminentemente políticos. O caso mais recente foi a homenagem que Campos Neto acabou de receber da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), seguida de um jantar alegadamente “íntimo” – repleto de banqueiros, políticos e empresários – oferecido pelo governador do Estado, Tarcísio de Freitas (Republicanos), no Palácio dos Bandeirantes. Por iniciativa do deputado Tomé Abduch (Republicanos), a Alesp concedeu ao presidente do BC a medalha de Honra ao Mérito Legislativo do Estado de São Paulo.

O que vai na consciência de Campos Neto quando aceita um convite desses é problema exclusivamente dele, mas o presidente do BC muito provavelmente sabe que sua imagem está diretamente vinculada à instituição que dirige – e não se pode condenar quem veja naquele convescote bolsonarista na Alesp a prova que faltava de que o BC sob Campos Neto está contaminado pela rinha que mobiliza o País.

Até recentemente, nada sugeria que as eventuais preferências políticas de Campos Neto estivessem orientando suas decisões à frente do BC, a despeito de seus descuidos – como quando foi votar na eleição de 2022 vestido com a camisa da seleção brasileira, que era então o fardamento do bolsonarismo. Recorde-se, por exemplo, que o BC de Campos Neto aumentou os juros básicos da economia justamente naquele ano eleitoral, sem considerar o impacto que poderia ter sobre a candidatura do presidente Jair Bolsonaro – que o nomeara para o cargo. De um modo geral, economistas de diversas tendências consideram que Campos Neto fez até aqui um trabalho competente e responsável – e a melhor prova disso talvez sejam as críticas apopléticas que ele recebe sistematicamente da presidente do PT, Gleisi Hoffmann.

Mas essa percepção pode mudar, o que dificultaria o trabalho do Banco Central na administração das expectativas do mercado, já bastante nervoso com a incapacidade do governo petista de desviar do abismo. A reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) de maio passado, que claramente opôs os diretores nomeados por Bolsonaro àqueles indicados pelo presidente Lula da Silva na definição dos juros, pode sugerir alguma forma de cisão política dentro do BC. É possível que tenha sido apenas uma coincidência, mas a desenvoltura de Campos Neto entre os bolsonaristas não ajuda a dissipar as dúvidas e desconfianças. Ao contrário, as acentua.

Campos Neto poderia facilmente estar empregado no setor privado, seja no Brasil, seja no exterior. Ao aceitar presidir o BC, contudo, o executivo fez uma opção livre e consciente por abraçar o serviço público durante um período da vida. E junto com a função pública vêm grandes responsabilidades e restrições nada triviais. Assim, roga-se a Campos Neto o mesmo que se espera de todo servidor público: prudência, discrição e impessoalidade.

STF não é bedel da política

O Estado de S. Paulo

Presidente da Corte palpita sobre câmeras da Polícia Militar em vez de se limitar ao edital questionado

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, avalizou o pregão para a compra de câmeras corporais para a Polícia Militar (PM) de São Paulo. O magistrado, porém, não se limitou a dizer o direito no recurso apresentado à Corte pela Defensoria Pública paulista. Barroso achou que era o caso de se imiscuir na própria formulação da política pública, como se fosse bedel do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).

De acordo com a Defensoria Pública, a possibilidade de policiais ou centros operacionais iniciarem e finalizarem as gravações, entre outras medidas, representa possível retrocesso. Barroso, contudo, considerou que o governo estadual esclareceu todos os “pontos controvertidos” do novo edital. O ministro recebeu Tarcísio e a procuradora-geral do Estado de São Paulo, Inês Maria dos Santos Coimbra, em Brasília, para que sanassem suas dúvidas. Satisfeito, por ora, o magistrado manteve o pregão, mas não sem antes discorrer sobre segurança pública e emitir seus habituais palpites sobre temas alheios à judicatura.

Em despacho, Barroso afirmou que considera “essencial reforçar a importância e a relevância da continuidade da política pública do uso de câmeras corporais por policiais militares”. Ora, em que pese a pertinência de seu juízo, de resto coincidente com o deste jornal, essa é uma prerrogativa do chefe de governo eleito, que deve arcar com os ônus políticos dos erros que eventualmente cometer.

Feita a peroração e à guisa de iluminar sua trilha decisória, Barroso usou os parâmetros da recente portaria editada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública como baliza de avaliação da nova política de câmeras corporais em São Paulo. “Apesar de a norma estabelecer preferência pela gravação ininterrupta, não há vedação ao uso de modalidade diversa”, escreveu, relatando o óbvio.

Confortou-se, então, ao saber que a licitação de Tarcísio prevê três modelos de gravação, que aparentemente se alinham às diretrizes federais. O presidente do STF, porém, alertou que seguirá vigilante.

Malgrado admitir que ainda não é possível aferir o funcionamento do novo modelo de câmeras adotado, isso não o impedirá de agir. Mencionando o princípio da economicidade, Barroso sublinhou que, apesar de ser legítima a argumentação sobre os custos envolvidos no novo modelo, a análise da efetividade do uso das câmeras não pode ser esquecida. O busílis é que essa avaliação, por óbvio, cabe ao Executivo, não ao Judiciário.

Seis meses após o início do contrato, o governo Tarcísio de Freitas terá de apresentar um relatório a Barroso como uma espécie de prestação de contas. “Em caso de desempenho insatisfatório”, advertiu o ministro, “esta Presidência voltará a atuar.”

A população de São Paulo é plenamente capaz de avaliar os governadores que elege e as instituições paulistas são suficientemente fortes para exercer os devidos freios e contrapesos. Aos juízes, cabe atuar apenas nos limites de suas atribuições.

Cartão vermelho para os brigões

Correio Braziliense

A nova medida busca conter os ânimos de parlamentares que, sem capacidade de diálogo e argumentos convincentes, apelam à violência a fim de fazer prevalecer seus pontos de vista

 O plenário da Câmara aprovou, no fim da tarde de ontem, o Projeto de Resolução (PRE) 32/24, que permite a Mesa Diretora propor ao Conselho de Ética “afastamento cautelar”, por até seis meses, do mandato de deputado federal acusado de quebra de decoro parlamentar. Embora a medida estivesse prevista desde 1995, ontem deixou de ser uma decisão exclusiva da Mesa Diretora e do presidente da Câmara. Agora, a punição será decidida, em última instância, pelo plenário. A nova medida busca conter os ânimos de parlamentares que, sem capacidade de diálogo e argumentos convincentes, apelam à violência a fim de fazer prevalecer seus pontos de vista. 

A providência chega atrasada, uma vez que os entreveros entre deputados têm sido constantes e alimentados pelos extremismo ideológico que divide a sociedade brasileira há anos. São cotidianas as  agressões verbais e até físicas entre deputados nos embates tanto no plenário quanto nas comissões temáticas. Os protagonistas recorrem a expressões chulas, descabidas, que afrontam os cidadãos e o Legislativo, tornando insalubre o espaço em que a ética, a boa educação e o respeito deveriam prevalecer.

Deixando a civilidade de lado e com seus inseparáveis celulares, parlamentares gravam as desavenças e as exibem ao eleitorado por meio das plataformas digitais — até mesmo em tempo real. Dependendo do número de acessos, pouco importa se os comentários são positivos ou negativos, o deputado ainda lucra com a monetização da sua página virtual. “Falem bem ou mal, mas falem de mim” é jargão que se transformou em lema entre muitos que buscam visibilidade a qualquer custo, parecendo deixar de lado a função a que lhes é de obrigação: legislar.

Na defesa de interesses inconfessáveis, deputados, de modo geral, aproveitam da imunidade parlamentar para se agredirem e também violentarem a Carta Cidadã e o povo brasileiro. A homofobia, a transfobia, a misoginia, o racismo, a aporofobia e tantos outros preconceitos fazem parte dos discursos conservadores que atacam eleitores impropriamente considerados diferentes e párias da sociedade.

 Tais episódios também merecem atenção dos dirigentes da Câmara e do Senado. A representatividade dos líderes desses segmentos minoritários dentro do parlamento se tornou imprescindível para conter retrocessos, bem próprios dos que apostam na violência para virar a chave. Também é essencial que as novas regras para conter os ânimos dos parlamentares brigões sejam de fato cumpridas, não caindo no limbo das jogadas populistas.

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