quinta-feira, 13 de junho de 2024

Maria Cristina Fernandes - O governo dentro da panela de pressão

Valor Econômico

Lula não menciona ao PT a perspectiva de o seu partido ter que se dobrar a um ajuste

Um presidente pode esfriar crises ao viajar ou levá-las a bordo. Luiz Inácio Lula da Silva decolou rumo a Genebra desincumbido de ambas as tarefas. O impacto de sua ausência, depois da humilhação causada pela devolução de uma medida provisória, é quase nulo.

Lula associou-se ao gesto desde a véspera, quando conversou sobre a MP do PIS/Cofins com o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Prosseguiu na toada ao antecipar a devolução da MP ao presidente da CNI, Ricardo Alban, e ao autorizar seu líder no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), a aplaudir o gesto do presidente da Casa.

Se pretendia deixar claro que a devolução da medida tinha no ministro da Fazenda seu único responsável foi bem sucedido, mas o gesto não aproxima seu governo de uma solução. A MP foi enviada ao Congresso durante viagem de Fernando Haddad ao exterior sem que os ministros dos setores mais atingidos por seus efeitos tivessem tido conhecimento de seu teor.

Foi levada adiante a despeito de resistências de quem tomou conhecimento prévio de seu teor e das evidências de que a corda da recuperação de receitas, mais do que esgarçada, já ameaçava ruir a base de apoio empresarial que a Fazenda conquistara.

Além disso, reafirmou a opção por MP em detrimento de um projeto de lei com urgência. E, por fim, desprezou o risco de uma conjuntura sensível transformar em ruído toda sílaba da principal autoridade econômica do país, como aconteceu no encontro com o presidente do Santander e operadores do banco.

Nada demoveu o ministro do seu afã de convencer a nação de que, além de não ser mais possível conviver com benefícios tributários e creditícios da ordem de 6% do PIB, como apontou o relatório do TCU sobre as contas do governo, sobram fraudes. Preferiu reafirmar a pedagogia do poder que o caracteriza (e irrita seus adversários) a recuar.

O insucesso obrigará a Fazenda a buscar alternativas junto ao Senado e, principalmente, ao STF, para repor a receita. Conhece-se menos dessas alternativas do que das medidas com as quais o ministro pretende sinalizar um ajuste de longo prazo e salvar o arcabouço fiscal, como a submissão da educação, da saúde e dos benefícios sociais e previdenciários aos seus limites.

Por estarem previstas na Constituição, essas despesas só mudam com quórum de 3/5 do Congresso. A maior resistência concentra-se no PT. Por mais convergência ideológica que tenha com medidas do gênero, o Centrão não vai arcar com o desgaste da adesão se o partido do presidente não o fizer.

“Ninguém aqui é irresponsável”, é o que se ouve no entorno do presidente da República sobre a recepção aos estudos da Fazenda sobre o tema. A percepção de que é a sucessão de Roberto Campos Neto no Banco Central que amplifica os ruídos não impedirá Lula de examinar as alternativas.

Para convencer o PT, primeiro Lula terá que ser convencido. Nos contatos que teve com petistas, ao longo da escalada de tensões que precederam a devolução da MP, o presidente não mencionou a perspectiva de o partido ter que se dobrar a um ajuste. Nem mesmo da maneira como aconteceu na votação do arcabouço fiscal, quando 22 deputados do PT votaram a favor com uma declaração crítica.

Um petista que tem sido ouvido pelo presidente não desconhece a pressão fiscal, mas não vê como coadunar as concessões com aquilo que o presidente pretende. Lula pediu, por exemplo, que as filas do INSS fossem zeradas e não há como fazê-lo sem gastar mais.

Vê como factível a mudança dos limites constitucionais de educação e saúde, o que não significa que concorde, mas não acredita que Lula embarque na desvinculação dos benefícios sociais da política de reajuste do mínimo. Diz que o governo teria melhores condições de lidar com o gargalo fiscal se tivesse permitido que a reforma tributária da renda tramitasse paralelamente à do consumo. Acredita que teria sido possível avançar numa fazendo concessões à outra.

Numa conversa recente no Palácio do Planalto, queixou-se da reedição do modo de governar pelo fomento das divergências entre ministros. Um governo com margem de gordura tão estreita como este não poderia se dar ao luxo de colocar apoiadores em conflito. Queixou-se da maneira como uns ocupantes da Esplanada são desautorizados e da tolerância com malfeitos de outros, vide Juscelino Filho (Comunicações), indiciado pela Polícia Federal. Ao revelar descrença no apetite do presidente por um segundo mandato, foi contestado. Taxado por Lula como “pessimista” vê seu gabinete envolto em ufanismo.

Lula, na visão deste petista, estaria menos propenso a entrar em bola dividida e até mesmo naquelas que lhe chegam redondas, como a comissão de mortos e desaparecidos, que já teve aval dos ministérios da Defesa, da Justiça e do comandante do Exército, Tomás Paiva. Só falta o do presidente.

Teme os efeitos de um ajuste na eleição municipal mas teme mais ainda a indisposição dos ministros do governo em defender o governo. Vê o embate do ministro dos Transportes, Renan Filho (MDB), com o governador do Paraná, Ratinho Jr, como uma exceção. E não veria com maus olhos a ida de egressos de outros partidos para o Palácio do Planalto. Contesta a visão de que o governo tem problema de comunicação. O que falta, diz, são diretrizes. E o presidente, como reage? “Ouve, o que não quer dizer que escute”.