Ação da PF expõe vulnerabilidade do fundo eleitoral
O Globo
Esquema desbaratado no PROS mostra que
exagero na verba para campanhas é incentivo a desvios
A
operação deflagrada pela Polícia Federal (PF) para investigar desvios nos
fundos eleitoral e partidário nas eleições de 2022 tem efeito
pedagógico ao escancarar a incúria cometida com dinheiro público diante do
controle tíbio. Agentes cumpriram sete mandados de prisão preventiva e 45 de
busca e apreensão em quatro unidades da Federação — São Paulo, Paraná, Goiás e
Distrito Federal. O principal alvo foi Eurípedes Gomes Júnior, ex-presidente
do PROS,
partido incorporado no ano passado ao Solidariedade.
Entre os presos, estão um candidato a deputado federal pelo PROS e uma
tesoureira do Solidariedade. Eurípedes Júnior estava foragido.
Em Goiânia, os policiais apreenderam um helicóptero avaliado em R$ 2,4 milhões, comprado, segundo as investigações, com recursos dos fundos e destinado ao uso particular de Eurípedes Júnior. Também em Goiás foram apreendidos R$ 26 mil em espécie. A operação tenta bloquear na Justiça R$ 36 milhões e 33 imóveis atribuídos aos acusados. As investigações mostram que o grupo se esbaldou com dinheiro destinado às campanhas. Suspeita-se que Eurípedes Júnior, familiares e amigos tenham usado recursos dos fundos para custear viagens a Dubai, Punta Cana, Miami e Orlando. Para despistar, o grupo usava candidaturas laranjas e superfaturava serviços junto a consultorias. Empresas de fachada eram usadas para lavar o dinheiro. A PF disse ter identificado, por meio de relatórios de inteligência financeira e prestação de contas, indícios de uma organização criminosa criada com o intuito de se apropriar dos valores dos fundos.
A investigação teve origem na denúncia de um
ex-presidente do PROS e acrescenta mais um capítulo vergonhoso à já extensa
coleção de episódios de malversação dos recursos eleitorais. Exemplos não
faltam. Prestações de contas entregues ao Tribunal Superior Eleitoral mostram
que partidos já usaram o dinheiro para comprar carros de luxo, contratar frotas
por valores exorbitantes e beneficiar empresas ligadas às legendas. O próprio
PROS já foi condenado a devolver R$ 134 mil usados na compra de 3,7 toneladas
de carne para churrasco, o suficiente para alimentar quase 20 mil pessoas.
Nas eleições municipais deste ano, candidatos
e partidos têm à disposição R$ 4,9 bilhões para gastar nas campanhas,
praticamente o dobro da verba de 2020 (R$ 2,5 bilhões) e muito acima do que foi
alocado pelo governo na Lei de Diretrizes Orçamentárias (R$ 940 milhões). As
justificativas para esse salto — alegar que o Brasil é um país continental e
que as despesas aumentaram — jamais pararam de pé. O tamanho do país é o mesmo,
e as despesas não dobraram. O valor exagerado é um incentivo a desvios de toda
sorte. Para piorar o descontrole, os parlamentares ainda querem afrouxar a
fiscalização sobre esses gastos. Tramita no Congresso a descabida PEC da
Anistia, que propõe anular multas por irregularidades diversas cometidas pelos
partidos. Mais um incentivo à corrupção.
Se infelizmente já é fato consumado o fundão
de quase R$ 5 bilhões neste ano, que pelo menos candidatos e partidos usem os
recursos de modo correto e parcimonioso. Será uma lástima se o eleitor
descobrir que eles financiaram churrascadas, piscinas, utensílios domésticos,
viagens internacionais ou aeronaves para os caciques dos partidos. Trata-se,
afinal, de dinheiro público, oriundo dos impostos pagos por todos nós,
contribuintes.
Eleição europeia agrava risco de
protecionismo contra o Brasil
O Globo
Lei ambiental já afetará 32% das exportações
a partir de 2025. Avanço nacionalista prenuncia novas medidas
O avanço do nacionalismo nas últimas eleições
europeias traz o risco de maior protecionismo nas relações comerciais do
continente. Sob pretexto de contribuir para a redução das emissões de carbono,
o Parlamento Europeu já aprovara uma lei contra o desflorestamento, que entrará
em vigor em 1º de janeiro de 2025 barrando a importação de produtos oriundos de
áreas desmatadas desde 2020.
A nova lei foi redigida unilateralmente, sem
consulta aos parceiros comerciais. No entender de Camila Dias de Sá,
pesquisadora do Centro do Agronegócio Global do Insper, a Europa deseja impor
ao mundo sua visão do que é sustentabilidade. Ela lembra que o Brasil tem um
excedente de reserva legal de 80 milhões a 110 milhões de hectares. Como a
legislação visa a apenas punir, isso não será levado em conta. Por não ter
havido diálogo prévio em fóruns multilaterais, a lei europeia atropela
legislações nacionais sem diferenciar o desmatamento legal do ilegal. O
objetivo implícito é nitidamente protecionista.
Estão na mira da legislação gado bovino,
café, cacau e derivados, produtos florestais como papel, celulose e madeira,
soja, óleo de palma e borracha. Pelas estimativas, 31,8% dos US$ 46,3 bilhões
vendidos pelo Brasil à UE no ano passado — ou US$ 14,7 bilhões — estarão em
risco. Isso é o equivalente ao que o país exportou em 2023 para todo o Oriente
Médio. Antes de fazer qualquer reclamação formal à Organização Mundial do
Comércio (OMC), o Brasil mantém contato com autoridades da União
Europeia (UE), para tirar dúvidas e defender a posição do país.
Sem deixar de atuar junto às autoridades
europeias, o Brasil precisa também precaver-se e aplicar para valer o Código
Florestal, que prevê as áreas de cultivo e conservação devidamente cadastradas.
O atual governo tem conseguido reduzir o desmatamento na Amazônia. No período
de agosto de 2022 a julho de 2023, houve queda de 21,8%, pelos dados do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Foram desmatados 9.064
quilômetros quadrados, a menor área desde 2019.
Mas o Cerrado merece atenção. É preciso
combater o desmatamento desordenado no bioma. De agosto de 2022 a julho do ano
passado, ele cresceu 3%. Os alertas de queimadas dispararam. De agosto do ano
passado a abril, a área devastada pelo fogo aumentou 27%, atingindo uma
extensão de 4.869 quilômetros quadrados. A gravidade da destruição do Cerrado
se deve também à importância da região para diversos rios e o regime de águas
do Brasil.
O combate ao desmatamento também contribui
para o corte de emissões de carbono com que o país se comprometeu para combater
o aquecimento global. A questão não se resume a evitar pretextos para que o
forte viés protecionista europeu cause prejuízos. Dono de grande biodiversidade
e de reservas florestais ainda imensas, o Brasil tem de protegê-las para seu
próprio bem.
É preciso barrar retrocessos
Folha de S. Paulo
Avançam no Congresso textos obscurantistas
sobre aborto e drogas; Folha defende legalização sob a ótica da liberdade
individual e da saúde pública
Se uma mulher violentada sexualmente praticar
o aborto após
a 22ª semana de gestação, estará sujeita a uma pena maior do que a de seu
estuprador —é o que prevê, na contramão do caminho tomado por países
democráticos e civilizados, o projeto de lei 1.904/24, que agora
tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados.
Em uma espécie de ofensiva reacionária, a
Comissão de Constituição e
Justiça (CCJ) da Casa aprovou, na quarta (12), proposta para inserir
na Constituição as normas de criminalização de porte e posse de drogas que
hoje fazem a lei brasileira anacrônica e ineficaz.
As duas pautas decerto envolvem questões
morais e de segurança que preocupam grande parte da sociedade. Elas avançam no
Parlamento, porém, sem discussão sólida de mérito de política pública, à base
apenas de ideologia e oportunismo político —e omissão pusilânime das forças em
tese contrárias.
Atropela-se, de saída, a mais básica lógica
legislativa. Não há nenhum sentido, como sustentou na quinta (13) o presidente
do Senado, Rodrigo
Pacheco (PSD-MG), em
atribuir urgência ao texto sobre aborto, que demanda reflexão e terá
consequências de longo prazo. Tampouco tem cabimento cimentar no texto
constitucional um tema de lei ordinária.
No entender desta Folha, porém, o erro
fundamental está em tratar aborto e drogas sob o prisma da criminalização, não
da saúde pública
—no sentido contrário ao indicado por estudos e evidências no Brasil e no
mundo.
No caso da interrupção da gravidez, o efeito
prático e cruel do texto será marginalizar quem procura pelo procedimento
tardiamente, particularmente crianças.
Segundo dados de 2022, meninas de até 13 anos
são vítimas em 61,4% dos casos de estupro notificados
no país —e em quase dois terços elas são violentadas por familiares, o que
dificulta diagnosticar a gestação antes da 22ª semana.
O texto impensado ainda pode afetar
procedimentos realizados por risco à vida da mulher ou anencefalia do feto,
hipóteses também permitidas atualmente.
Quanto às drogas, as regras em vigor desde
2006 —que parlamentares à direita querem pôr na Carta— mostraram-se
desastrosas, sem fixar distinção clara entre traficantes e usuários. A
consequência foi escalada do encarceramento que, em vez de reduzir a circulação
de entorpecentes, forneceu mão de obra para facções criminosas.
Este jornal
defende a legalização do aborto, de drogas leves e da eutanásia, com
base no princípio da autonomia individual, cujos limites devem ser os direitos
dos demais. Avanços nessa direção certamente serão graduais —o que não se deve
admitir são retrocessos.
Crença punitivista
Folha de S. Paulo
Elevar penas para crimes em escolas é medida
populista que não enfrenta problema
O projeto de lei 3.613, de 2023, aprovado pela
Câmara dos Deputados na quarta (12), é mais um exemplo da crença
pouco sensata de que a criação de leis severas e o aumento de penas são capazes
de solucionar problemas complexos.
De autoria do Executivo, o texto transforma
homicídio, lesão corporal seguida de morte e lesão corporal gravíssima, quando
perpetrados em instituições de ensino, em crimes hediondos.
A proposta foi enviada ao Congresso após uma
série de ataques em escolas que gerou comoção geral —entre agosto de 2022 e
março de 2023, ocorreram
nove atentados e sete mortes, segundo levantamento da Unesp e
da Unicamp.
Trata-se de mera medida populista de cunho
punitivista que não enfrenta as dimensões do problema, a começar pela faixa
etária dos autores dos atentados.
Outro estudo da Unesp e da Unicamp, que
analisou ataques planejados cometidos por alunos e ex-alunos, registrou 36
casos com 35 mortes entre 2001 e 2023.
Dos 38 autores, 30 tinham menos de 18 anos de
idade; ou seja, não seriam punidos pelos dispositivos do Código Penal alterados
pelo projeto de lei ora aprovado na Câmara, mas por legislação especial.
Pesquisas indicam que eventos do tipo estão
ligados à radicalização da violência online,
com estímulo a machismo e
preconceito, culto a armas e cyberbullying. Os jovens que virão a cometer
ataques no geral são isolados, enfrentam problemas psiquiátricos ou convivem
com violência doméstica.
São necessárias, portanto, ações que
integrem saúde e educação,
como capacitar professores e funcionários para identificar alterações de
comportamento e projetos de ensino que abordem saúde mental, agressividade e
preconceito.
Ademais, é importante uma educação midiática
que permita a crianças e adolescentes aprenderem a se proteger na internet,
reconhecer ameaças e denunciar abusos.
A escalada de violência nas escolas brasileiras ainda demanda mais estudo, até para avaliar a extensão do fenômeno. Legislações concebidas no calor dos acontecimentos e movidas a discursos emocionais raramente serão eficazes.
Falta só combinar com Lula
O Estado de S. Paulo
O anúncio de Haddad e Tebet em defesa da
revisão de gastos é positivo num cenário de tantas incertezas, mas não vale
nada sem o aval de Lula, que a cada dia se parece mais com Dilma
Depois de uma semana muito ruim para o
governo, o Executivo decidiu mostrar alguma unidade em defesa de uma política
fiscal mais austera e da necessidade de conter gastos públicos. Lado a lado, os
ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento, Simone Tebet,
pregaram celeridade no trabalho para revisão de despesas para que as propostas
possam nortear a elaboração do Orçamento de 2025, a ser enviado ao Legislativo
até o fim de agosto.
A operação conteve parte dos danos no mercado
financeiro. Depois de superar a marca de R$ 5,40, o dólar caiu um pouco e os
juros futuros recuaram, mas o Ibovespa ainda fechou em queda. Pudera. O anúncio
conjunto de Haddad e Tebet, embora evidentemente positivo em um cenário de
tantas incertezas, não passa de uma intenção que ainda precisa ser avalizada
pelo presidente Lula da Silva, que já demonstrou inúmeras vezes não ter a
intenção de colocá-la em prática.
Contra promessas, há fatos concretos e
consequências palpáveis. A devolução, pelo Congresso, dos principais trechos da
medida provisória (MP) que restringia os créditos de PIS/Cofins às empresas
simbolizou o esgotamento da estratégia de recuperação de receitas e um duro
golpe contra Haddad. Medida rara e só adotada em momentos de muita insatisfação
do Legislativo, a devolução foi anunciada na terça pelo presidente do Senado,
Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Ao lado de Pacheco, sentado à mesa da
presidência do Senado, o líder do governo na Casa, Jaques Wagner (PT-BA),
declarou que a solução encontrada pelo senador mineiro tinha o apoio de Lula da
Silva e interrompia uma “tragédia sem fim” – como se a MP devolvida não tivesse
a assinatura do presidente da República. Para piorar, no dia seguinte, Lula da
Silva ignorou o contexto político e econômico mais adverso desde sua posse.
Cada vez mais parecido com Dilma Rousseff, Lula insultou a inteligência alheia
ao afirmar que o governo está “arrumando a casa” e colocando as contas em
ordem.
“O aumento da arrecadação e a queda da taxa
de juros permitirão a redução do déficit sem comprometer a capacidade de
investimento público”, afirmou, sem cogitar qualquer medida de corte de gastos
e como se tivesse algum poder sobre as decisões do Comitê de Política Monetária
(Copom) do Banco Central (BC).
Feito o estrago, que não foi pequeno, só
então Lula da Silva abandonou o morde para adotar o assopra. Na quinta, disse
que Haddad era um ministro “extraordinário” e que, com a edição da MP do
PIS/Cofins, havia tentado ajudar a encontrar uma solução para compensar a
renúncia associada à desoneração da folha de pagamento de 17 setores e dos
municípios – uma responsabilidade que, agora, passa às mãos dos empresários e
dos senadores, segundo Lula da Silva.
Fortalecer o ministro dependerá de atos, e
não somente de palavras. De um lado, todas as propostas apresentadas por Tebet
até agora foram rejeitadas pelas principais lideranças do PT e do governo. Por
outro, o Congresso deu um sonoro basta às medidas de Haddad para aumentar a
arrecadação.
Cumprir a meta fiscal passa a ser ainda mais
desafiador, e é Lula da Silva quem precisa ser convencido da relevância desse
objetivo para o futuro de seu próprio governo. Não se trata de um capricho de
economistas, mas de uma necessidade para conter o avanço das despesas
obrigatórias e a compressão do espaço dos investimentos no Orçamento.
Depois do tiroteio, o mercado também fez sua
parte e manifestou apoio público ao ministro. Na quinta, o presidente da
Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney, disse que Haddad era o
“fiador da economia” e que era hora de estender a mão ao ministro. “A agenda
econômica vem perdendo tração e o fiscal não pode mais derreter.”
Na sexta, após uma reunião de mais de duas
horas com Haddad, os bancos privados reafirmaram ter confiança no ministro e
pediram “apoio firme” do governo, do Congresso e do empresariado à sua figura.
É sintomático que tenha cabido à Febraban o papel de pedir ao setor produtivo e
ao Legislativo que dê trégua a Haddad, e a Lula que dê suporte a seu próprio
ministro. Em outras palavras, ruim com Haddad, pior sem ele.
O vexaminoso leilão de arroz
O Estado de S. Paulo
Verba reservada para comprar o produto seria
mais bem utilizada se Lula estivesse realmente preocupado com a reconstrução do
RS, e não só com sua própria popularidade
Pau que nasce torto morre torto, e assim foi
com o malfadado leilão do governo para a compra de arroz importado. Para dar
conta de um problema inexistente, nada melhor que um pregão improvisado, do
qual participaram poucas empresas, todas com históricos mais que suspeitos.
Entre as vencedoras do leilão da Companhia
Nacional de Abastecimento (Conab), havia somente uma empresa atuante do ramo.
Além dela, uma fabricante de sorvetes, uma mercearia de bairro especializada em
queijos e uma locadora de veículos receberiam nada menos que R$ 1,31 bilhão
para importar 263,37 mil toneladas de arroz.
Com a crise armada, o circo foi montado no
Palácio do Planalto. Após uma reunião com Lula da Silva, o presidente da Conab,
Edegar Pretto, e os ministros da Agricultura, Carlos Fávaro, e do
Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, anunciaram o cancelamento do certame e
a demissão de Neri Geller, secretário de Política Agrícola.
Para justificar o fiasco, nada melhor que
encontrar um bode expiatório. Sobrou para Neri Geller, que, para dizer o
mínimo, não foi nada cauteloso no episódio que envolveu dois de seus
ex-assessores parlamentares, um deles sócio de seu filho em outras empresas.
Geller não saiu calado. Negou ter havido
má-fé de sua parte e confirmou o que todos já imaginavam antes mesmo da
realização do certame. “As posições técnicas não foram seguidas. Elas foram
açodadas para fazer com que o arroz chegasse nas periferias dos grandes
centros”, afirmou, em entrevista à BandNews. “Não sou culpado por isso. Não
posso ser penalizado por um erro político cometido na condução desse leilão.”
Em que pese a tentativa de se defender,
Geller tem razão. O leilão foi, sim, uma lambança – não apenas política, mas
também econômica. O certame foi pautado por uma premissa falsa: a de que
faltaria arroz no mercado interno em razão das cheias no Rio Grande do Sul,
risco descartado pelos sindicatos locais, uma vez que 84% da safra já havia
sido colhida e armazenada antes das chuvas.
A Confederação da Agricultura e Pecuária do
Brasil (CNA) chegou a apelar ao Supremo Tribunal Federal (STF) para impedir a
disputa, algo que ao menos teria livrado o governo do vexame. O pedido, no
entanto, não foi aceito pela Corte. O Executivo não desistiu e prometeu
realizar um novo leilão em breve.
Tanta perseverança nos faz pensar que o
governo só pode estar com dinheiro sobrando no caixa. Do contrário, não
cogitaria torrar mais de R$ 7 bilhões para inundar o País com uma oferta
desnecessária de arroz, derrubar o preço do cereal, ampliar as perdas dos
produtores gaúchos, desestimular a próxima safra e abalar ainda mais a economia
do Estado.
Como não é o caso, a razão por trás de tanta
teimosia só pode mesmo ser política. Há muitas outras maneiras de fazer um bom
uso desses recursos, mas o governo Lula da Silva parece mais interessado em
fazer da crise uma oportunidade para resgatar sua popularidade e minar o
governador. A escolha do secretário de Comunicação Social, Paulo Pimenta, para
o recém-criado cargo de ministro extraordinário de Reconstrução do Rio Grande
do Sul evidenciou essa estratégia.
Por semanas, o governo ignorou o pedido de
Eduardo Leite para retomar o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da
Renda (BEm), adotado na pandemia de covid-19. Mas no dia seguinte à
peregrinação do governador a Brasília, Lula anunciou outro plano, sem a
presença de Leite.
Mais recentemente, o presidente criticou a
decisão do governador de construir 500 casas provisórias aos desabrigados. “É
melhor dizer a verdade para o povo, é melhor dizer que destruir é muito rápido,
construir é muito demorado”, afirmou Lula da Silva, sem pensar no destino dos
milhares de pessoas que ainda estão em escolas e ginásios.
Se o presidente foi mesmo mal orientado ao
decidir realizar o leilão, como sugeriu Neri Geller, Lula tem em suas mãos a
chance de cancelar a iniciativa e destinar a verba ao financiamento de moradias
definitivas aos gaúchos que perderam tudo que tinham. Eis um ato de grandeza
para ajudar o Estado no pior momento de sua história.
A pedagogia da gestão
O Estado de S. Paulo
Ao privatizar serviços não pedagógicos, SP
libera escolas para se dedicar à aprendizagem
O governador de São Paulo, Tarcísio de
Freitas, autorizou a Secretaria da Educação a abrir editais de licitação que
permitirão transferir para a iniciativa privada serviços “não pedagógicos” de
33 novas escolas do ensino médio e do ensino fundamental II, a serem
construídas no modelo de parceria público-privada (PPP). Num terreno em que há
muita paixão e pouca razão, tradicionais inimigos da privatização não tardaram
a bradar contra a iniciativa, denunciando o que supostamente seria uma
“privatização das escolas públicas” paulistas. Um evidente exagero. A
considerar o que foi exposto no Diário Oficial, trata-se de uma bem-vinda
medida que tem tudo para reduzir a burocracia, otimizar custos, redirecionar o
esforço dos diretores das escolas e, sobretudo, liberar a escola para cumprir
sua função primordial: dedicar-se à aprendizagem dos alunos.
Antes que as gralhas gritem, convém reafirmar
que a licitação se resumirá aos serviços relacionados à administração e à
infraestrutura. A parte pedagógica, como a definição do material didático e o
planejamento escolar, continuará sob responsabilidade da Secretaria da
Educação. Muitos dos serviços previstos, como limpeza, manutenção, vigilância e
alimentação, já são executados por empresas privadas em muitas escolas públicas
do Brasil. “Hoje um diretor de escola ocupa muito do seu tempo com burocracias e
gestão e sobra pouco para garantir que as crianças e os jovens aprendam”,
resumiu a insuspeita Claudia Costin. Ela e outros especialistas conhecem bem a
realidade: a cada serviço terceirizado, um ou mais contratos, formando uma
extensa lista de contratos que gestores e diretores precisam gerenciar, atestar
e cobrar na ponta. Com a contratação única, evita-se a dispersão.
Ademais, o governo paulista demonstrou
cautela na implementação das PPPs. Escolheu inicialmente apenas 33 escolas a
serem construídas e geridas segundo esse modelo e anunciou que as dividirá em
pelo menos dois lotes, com serviços prestados sob regulação da Agência
Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo, a Arsesp. O fato de a
rede estadual ter atualmente mais de 5 mil escolas demonstra o tamanho do
universo que será testado no novo modelo. É uma forma adequada de
posteriormente avaliar a relação entre custo e efetividade, aperfeiçoar a
regulação e corrigir eventuais problemas de fiscalização e controle.
Acerto e cautela que não dispensarão o devido rigor no acompanhamento das iniciativas pela sociedade. Não faz muito tempo, afinal, a Secretaria da Educação envolveu-se em polêmicas desnecessárias, ao propor ideias de qualidade duvidosa, como o empenho do secretário Renato Feder de abolir os livros didáticos tradicionais e pregar sua substituição por slides em PowerPoint – ou ainda a decisão de instituir escolas cívico-militares na rede estadual como marca da gestão. Essas polêmicas e os resultados ruins na aprendizagem no primeiro ano de mandato de Tarcísio ajudam a pavimentar suspeitas e alimentam o apetite de quem não deseja mudança na gestão escolar. Ante cada problema, contudo, a reação adequada: mais do que nunca, é importante separar estultices das boas ideias.
Mais pressão sobre o governo Lula
Correio Braziliense
Com sérios desafios fiscais e fragilizado no
Parlamento, onde acumula sucessivas derrotas, o governo Lula ganha um problema
adicional com o indiciamento do ministro das Comunicações, Juscelino Filho
O indiciamento do ministro das Comunicações,
Juscelino Filho, pela Polícia Federal (PF), por supostos desvios de emendas
parlamentares para beneficiar áreas onde tem propriedades no Maranhão, coloca o
governo Lula em uma situação embaraçosa. O fato se junta à sequência de
episódios que põem sob suspeita o comportamento ético de Juscelino desde que
assumiu o cargo na Esplanada. Assim como a mulher de César, não basta ser
honesto. O ministro precisa parecer honesto, sob pena de causar considerável
desgaste à imagem do governo Lula.
Ocupar um cargo no primeiro escalão do
governo federal é uma responsabilidade pública que exige reputação ilibada,
além de competência técnica e representatividade. No caso de Juscelino Filho, o
mandato de deputado federal não basta para isso, ainda mais quando seu
exercício é o objeto das investigações que o levaram ao indiciamento. Os
desvios, segundo a PF, teriam sido feitos por meio da Companhia de
Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf),
responsável pela execução de emendas parlamentares ao Orçamento da União da
lavra de Juscelino Filho.
É incompatível com os preceitos republicanos
um ministro ser suspeito de crimes como corrupção passiva, lavagem de dinheiro
e organização criminosa e permanecer incólume no cargo. Assim como não é
trivial a utilização de R$ 10 milhões em emendas para beneficiar a própria
fazenda por meio de recuperação e a pavimentação de estradas no município de
Vitorino Freire (MA), reduto político da família do ministro, cuja prefeita é
Luanna Rezende, sua irmã.
Os indícios são graves. Com base em mensagens
trocadas entre um empresário e o ministro entre 2017 e 2020, a PF concluiu que
houve favorecimento da empresa que executou a obra e acusa Juscelino Filho de
supostamente integrar uma "organização criminosa". No ano passado, o
mesmo empresário foi preso acusado de pagar propinas a funcionários federais
para obter contratos em obras do município.
Juscelino reagiu ao indiciamento de forma
temerária. Acusa a Polícia Federal de "criar uma narrativa de
culpabilidade perante a opinião pública, com vazamentos seletivos, sem
considerar os fatos objetivos". Alega que a apuração distorceu premissas e
ignorou fatos, sem ouvir sua defesa adequadamente. Em depoimento à PF, em maio,
defendeu a regularidade da destinação de emendas, além de criticar a condução
do depoimento por um delegado da corporação. O ministro comparou o método de
investigação ao da Operação Lava-Jato, que, segundo ele, resultou em
"danos irreparáveis a pessoas inocentes". Ora, é sabido que o atual
governo, bem como a cúpula da PF, tem notórias ressalvas aos métodos
lava-jatistas. Não haveria sentido, portanto, aplicar desvios investigativos já
repudiados em público.
Adotar essa linha de defesa é um direito do
ministro, mas insuficiente para mantê-lo no cargo. O correto seria pedir o
afastamento para se defender das acusações, com todas as suas prerrogativas de
parlamentar eleito. Como está, Juscelino cria um constrangimento para o
presidente Lula, que foi generoso com seu ministro: "Eu acho que o fato de
o cara ser indiciado não significa que o cara cometeu um erro. Significa que
alguém está acusando, e que a acusação foi aceita. Agora, eu preciso que as
pessoas provem que são inocentes, e ele tem o direito de provar que é
inocente", disse Lula, na quinta-feira, ao desembarcar em Genebra, na
Suíça.
Com sérios desafios fiscais e fragilizado no parlamento, onde acumula sucessivas derrotas, o governo Lula ganha um problema adicional com o caso Juscelino. Não se trata de coisa corriqueira. Na atual conjuntura, o que o Planalto menos precisa é ganhar a pecha de tolerante com corrupção.
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