O Globo
Precisamos escapar do partidarismo
imediatista e discutir as propostas pelo mérito
A Câmara
dos Deputados aprovou um pedido de urgência para o Projeto de Lei que
impede presos de fazer acordos de delação premiada. O projeto, proposto em 2016
pelo deputado do PT Wadih
Damous, visava a impedir abusos nas colaborações premiadas da Operação
Lava-Jato e foi desengavetado por Arthur Lira como
aceno aos bolsonaristas que veem abusos nas delações das investigações do 8 de
Janeiro e dos atos antidemocráticos.
Na justificativa para a proposição, Damous argumenta que a medida preserva a voluntariedade da delação premiada, evitando que a prisão cautelar seja usada como instrumento de pressão psicológica sobre o acusado. A medida também evitaria prisões processuais sem fundamentação idônea, decretadas apenas para pressionar o preso a aceitar um acordo de delação.
O argumento foi abraçado pelos petistas
durante os anos de vigor da Lava-Jato e agora pelos bolsonaristas. Estes
esperam que o projeto possa provocar uma decisão do Supremo anulando a delação
de Mauro Cid. Embora a medida não tenha efeito retroativo, anulando acordos já
homologados, sua aprovação poderia autorizar o argumento de que delações
anteriores foram viciadas.
Sem surpresa, boa parte do debate sobre a
medida está marcada por oportunismo: a ação beneficia a quem? Precisamos
escapar, porém, do partidarismo imediatista e discutir as propostas pelo
mérito, e não pelos efeitos sobre certos grupos.
Tomemos o caso de Filipe
Martins, o assessor de Bolsonaro preso por Alexandre
de Moraes na Operação Tempus Veritatis. Martins não é exatamente um
ator político que desperta minha simpatia. Defende posições que considero
antidemocráticas e foi flagrado fazendo um gesto racista (ele nega). Além
disso, parece haver boas evidências de que participou na elaboração da “minuta
do golpe”. Se for provado que é culpado, torço por uma condenação dura.
Minha simpatia ou a falta dela, porém, não
deveriam importar. Sua prisão preventiva se baseou em incertezas sobre sua
localização e em indícios de que poderia estar fora do país para evitar
responsabilização penal. Segundo Cid, Martins estava na lista de passageiros
que viajaram no avião presidencial para Orlando em 30 de dezembro de 2022. O
site Metrópoles publicou reportagem afirmando que o nome de Filipe constava no
portal I-94, produzido pelo Departamento de Alfândega e Proteção de Fronteiras
dos Estados
Unidos. A Polícia Federal encontrou Martins na casa dos sogros em Ponta Grossa
(PR) e alegou que a falta de registro de entrada no país indicava
intenção de burlar o controle migratório.
Desde então, a defesa de Martins ofereceu
provas de que ele esteve sempre no Brasil. Documentos de autoridades americanas
e brasileiras mostraram que não desembarcou nos Estados Unidos nem embarcou no
avião presidencial. A defesa apresentou passagens aéreas no Brasil,
fotografias, pedidos no iFood e outras evidências de que ele não viajou para os
Estados Unidos. Mesmo assim, Martins permanece preso.
Bolsonaristas alegam que a prisão visa a
forçá-lo a aceitar uma delação premiada. Não temos como saber se é verdade.
Porém o simples fato de presos poderem fazer delação e de a prisão poder ser
usada como elemento coercivo lança suspeitas sobre sua manutenção.
O fim da colaboração premiada de presos é
razoável, independentemente de beneficiar bolsonaristas acusados de golpe ou
petistas acusados de corrupção. Precisamos separar nossas aspirações políticas
dos meios de chegar a elas. A História nos mostra que descuidos e excessos na
Lava-Jato, que em algum momento pareceram ajudá-la, são hoje os fundamentos
para que possa ser paulatinamente desmontada. Não podemos deixar que o mesmo
aconteça com as investigações do 8 de Janeiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário