O Globo
É tipo ameaça: se não aparecer esse dinheiro
novo, cai a desoneração da folha de pagamento
Então ficamos assim: os empresários e o
Congresso que se virem para arrumar R$ 29 bilhões de receita extra para o
governo federal. Esse foi o recado do presidente Lula,
dado na última quinta-feira. É tipo ameaça: se não aparecer esse dinheiro novo,
cai a desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia.
O presidente do Senado e do Congresso, Rodrigo
Pacheco, acolheu. Disse que procurará a receita extra.
Incertezas na praça. Os empresários daqueles 17 setores — que não recolhem 20% da folha de salários para a Previdência — não sabem até quando contarão com o benefício, que reduz o custo de contratação de mão de obra.
No setor produtivo, sobra risco: onde e como
o Congresso pretende recolher aquele dinheiro? Segundo Pacheco, haverá aumento
de arrecadação sem a cobrança de novos impostos. Mesmo assim, serão R$ 29
bilhões que sairão dos negócios das empresas para o caixa do governo federal.
Que gastará tudo. Onde o dinheiro seria mais eficientemente utilizado? Muitas
empresas fazem maus negócios. Mas o setor privado gera, sim, emprego e renda. O
governo é exemplo de mau gastador. Não é possível que a receita aumente tanto sem
o proporcional ganho nos serviços prestados pelo governo federal.
Há aqui duas histórias em paralelo. A
primeira, mais imediata, começa com uma MP do governo, bolada pelo
ministro Fernando
Haddad, que cancelou a desoneração da folha. Por esse sistema, a empresa,
em vez de pagar 20% sobre os salários, recolhia um imposto, menor, sobre o
faturamento. O benefício estava em vigor desde 2011, promoção da dupla Dilma
Rousseff, presidente, e Guido Mantega, então ministro da Fazenda. Eis o PT
de Haddad/Lula desfazendo a lei dos companheiros. O Congresso derrubou a
medida, manteve a desoneração e ainda estendeu o benefício a municípios
menores. Lula vetou. O Congresso derrubou o veto. O caso foi parar no Supremo.
Em vez de decidir, o STF mandou a bola de volta ao governo e ao Congresso: que
encontrassem, em conjunto, um meio de compensar a receita perdida com a
desoneração.
O ministro Haddad propôs — e o presidente
Lula assinou — uma nova MP, sem negociação. Essa medida reduzia ou eliminava a
possibilidade de empresas usarem o crédito obtido com o pagamento de
PIS/Cofins. Atingiu em cheio diversos setores produtivos, que perderiam R$ 29
bilhões, o tanto que Haddad calculava receber. Protestos generalizados, Rodrigo
Pacheco, sensibilizado, digamos assim, devolveu a MP, tornada sem efeito.
Mas para além dessa história inacabada, há
outra, de fundo: o equívoco de origem do arcabouço fiscal. O programa foi
lançado com um objetivo básico: garantir a expansão de despesas do governo
federal. Promessa de Lula: o Estado gastará para fazer a economia andar.
Segundo o presidente, é investimento. Pouco importa, o dinheiro é o mesmo e sai
do mesmo caixa. Ora, onde arranjá-lo? Tomando mais impostos.
No começo, o ministro dizia que se tratava de
cobrar imposto que os ricos não pagavam. O Congresso aprovou algumas medidas,
mas a conta não fechou. Aí começaram a pescar o dinheiro no consumidor —
impostos sobre combustíveis — e nos setores produtivos. Contando dois anos,
seria uma derrama, algo perto de 2% do PIB (R$ 200
bilhões) saindo do setor privado para financiar os gastos do governo.
Passou uma medida, passou outra, mas a coisa
encrencou quando chegou às MPs da desoneração e do PIS/Cofins. Caiu a ficha. O
déficit zero, supostamente objetivo do governo, só se alcança com forte aumento
de carga tributária. Carga já elevada que passa por uma reforma. Não vai dar. O
clima azedou. Dólar para cima, Bolsa para baixo. Não é má vontade do mercado. É
a compreensão de que o país não crescerá assim.
O forte aumento de despesa será pago com
endividamento. Dívida pública elevada puxa juros para cima. Custos mais altos
para empresas batem na inflação. Por isso Haddad e Simone Tebet começaram a
falar em segurar a despesa. Até aqui, sem combinar com Lula, que continua
cobrando os R$ 29 bi.
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