terça-feira, 11 de junho de 2024

Roberto Troster - Uma oportunidade singular

Valor Econômico

Reforma tributária é chance de corrigir distorções na intermediação financeira

A tributação da intermediação financeira no Brasil é um Frankenstein que destrói valor. É resultado de uma série de medidas circunstanciais adotadas a cada aperto fiscal que apareceu. O motivo é que são poucas empresas, totalmente formais, sem capacidade de sonegação e com facilidades de arrecadação e fiscalização.

De remendo em remendo o resultado ficou pior a cada aperto. A complexidade é bizantina. São cinco fatos geradores: principal, prazo, juros, serviços e lucros com alíquotas que variam dependendo do prazo, do dia do calendário, da destinação e do instrumento. A regulamentação da reforma tributária é uma oportunidade singular de corrigir essas distorções.

O IOF é um exemplo. Ilustrando, numa operação de um dia, em que uma empresa entra no cheque especial, além do pagamento ao banco de uma taxa média de 351,6% ao ano tem que pagar uma taxa anualizada de 220,6% de IOF. É um caso de extrativismo fiscal. A tributação que deve promover o bem estar, neste exemplo destrói.

Outra distorção é a cobrança do PIS e Cofins sobre os juros. Cobrar sobre juros de crédito é um absurdo, cobrar proporcionalmente mais dos menores é um absurdo maior ainda. Como as operações menores têm, na média, taxas mais altas, pagam proporcionalmente mais. O outro lado da moeda é que os juros recebidos de alguns tipos de aplicações não pagam impostos. É um sistema Robin Hood ao contrário. Se tira dos pobres para dar aos ricos.

O ponto é que a atual tributação da intermediação gera ineficiências e iniquidades. É complexa, confusa e regressiva, eleva o custo do crédito e a alíquota efetiva depende do dia do calendário para algumas operações. Mas não precisa continuar assim. Um desenho adequado da tributação pode aumentar a arrecadação, melhorar a eficiência, diminuir a regressividade, reduzir as margens (spreads) de crédito e simplificar a tributação, evitando um contencioso maior.

Contribuiria uma intermediação financeira mais adequada às necessidades do país. O Projeto de Lei Complementar - PLP 68/2024 simplifica um pouco a tributação, mas mantêm algumas distorções graves e tem um erro conceitual. Note-se que juros não são nem bens nem serviços.

Ou se muda o nome para Imposto sobre Bens e Serviços e Juros (IBSJ) e Contribuição Social sobre Bens e Serviços e Juros (CBSJ), ou se muda (o correto) o tratamento dado aos juros. Não é uma questão de semântica, é uma questão de conceito. Juros não são serviços. Há diferenças de natureza, os juros são quantitativos, são remunerações por uso de capital por um período de tempo. Já os serviços são qualitativos, são remunerações sobre a prestação de trabalhos ou atividades.

Na contabilidade social, os serviços fazem parte do fluxo real e os juros fazem parte da remuneração de fatores de produção. Nos balanços de empresas, os juros estão em rubricas diferentes dos serviços. Tratar os juros como serviços é um mau começo para o que pode ser um avanço.

A questão é o que fazer. A literatura e a experiência internacional recomendam que a tributação siga os princípios de simplicidade, transparência, equidade, neutralidade, simetria, capacidade contributiva e progressividade. Deveriam ser os princípios a serem seguidos no PLP 64/2024.

O tratamento a serviços das instituições financeiras deve ser como o nos demais setores da economia. É um sistema de valor agregado que funciona bem no mundo inteiro para a tributação de serviços. Mas não funciona na tributação de juros. Note-se que a incidência é regressiva, paga imposto quem tem menos, quem deve. Brasil é o único país do mundo que tributa o crédito. É resíduo da época de inflação alta, que acabou há 30 anos. Fazia sentido então. Não faz mais agora.

Um dos princípios é a progressividade da tributação. Portanto, quem recebe juros deve pagar. Ou seja, os rendimentos de aplicações seriam tributados e os juros de operações de crédito não pagariam impostos. Uma correção adicional é acabar com as alíquotas diferenciadas para todos os tipos de aplicações.

Os certificados de recebíveis do imobiliário, os CRI, e do agro, os CRA, as letras de crédito imobiliário, as LCI, e do agro, as LCA, pagam zero de imposto de renda. Não é o caso, mas se fosse, faria mais sentido, certificados de recebíveis e letras de crédito isentos para a indústria que está mais fragilizada que esses dois setores incentivados.

A proposta deste artigo é acabar com esses incentivos e uma alíquota única para todo tipo de captação financeira. Com um rendimento líquido menor, há um incentivo maior à investimentos em ativos reais: agro, indústrias, construção civil e outros.

Atualmente, dependendo do prazo da aplicação, as alíquotas do imposto de renda variam de 15% a 22,5%. É um incentivo fraco para alongar prazos. O efeito se tiver é mínimo e a renúncia fiscal é elevada. A proposta deste artigo é uma mesma alíquota para todas. Mais simplicidade e mais equidade. Preferencialmente, 27,5%. Não é justo que a tributação do rendimento de juros seja inferior à do trabalho.

Além da proposta de isentar o crédito e uniformizar a alíquota de captações em 27,5%, poder-se-ia estabelecer um imposto sobre o exigível dos bancos. Teria um efeito prudencial ao induzir a uma alavancagem menor e não teria um efeito na margem (spread) do crédito.

No desenho da tributação do sistema financeiro é importante considerar que é um setor intermediário que tem efeitos econômicos em outros agentes, além dos envolvidos diretamente, que afetam o crescimento da economia. Deve-se analisar a dinâmica em todos os setores. Um aperto além do razoável na intermediação tem como consequência uma arrecadação total menor.

A reforma tributária é um avanço fenomenal. É algo que se arrastou por décadas e está agora na reta final. É uma oportunidade singular de melhorar a intermediação financeira. Há mais a fazer na intermediação, mas o que está sendo proposto neste artigo é razoável, aumentaria a arrecadação, diminuiria a iniquidade do sistema, reduziria as margens (spreads) e contribuiria para o crescimento do Brasil. É isso.

 

 

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