Valor Econômico
Reforma tributária é chance de corrigir distorções na intermediação financeira
A tributação da intermediação financeira no
Brasil é um Frankenstein que destrói valor. É resultado de uma série de medidas
circunstanciais adotadas a cada aperto fiscal que apareceu. O motivo é que são
poucas empresas, totalmente formais, sem capacidade de sonegação e com
facilidades de arrecadação e fiscalização.
De remendo em remendo o resultado ficou pior a cada aperto. A complexidade é bizantina. São cinco fatos geradores: principal, prazo, juros, serviços e lucros com alíquotas que variam dependendo do prazo, do dia do calendário, da destinação e do instrumento. A regulamentação da reforma tributária é uma oportunidade singular de corrigir essas distorções.
O IOF é um exemplo. Ilustrando, numa operação
de um dia, em que uma empresa entra no cheque especial, além do pagamento ao
banco de uma taxa média de 351,6% ao ano tem que pagar uma taxa anualizada de
220,6% de IOF. É um caso de extrativismo fiscal. A tributação que deve promover
o bem estar, neste exemplo destrói.
Outra distorção é a cobrança do PIS e Cofins
sobre os juros. Cobrar sobre juros de crédito é um absurdo, cobrar
proporcionalmente mais dos menores é um absurdo maior ainda. Como as operações
menores têm, na média, taxas mais altas, pagam proporcionalmente mais. O outro
lado da moeda é que os juros recebidos de alguns tipos de aplicações não pagam
impostos. É um sistema Robin Hood ao contrário. Se tira dos pobres para dar aos
ricos.
O ponto é que a atual tributação da
intermediação gera ineficiências e iniquidades. É complexa, confusa e
regressiva, eleva o custo do crédito e a alíquota efetiva depende do dia do
calendário para algumas operações. Mas não precisa continuar assim. Um desenho
adequado da tributação pode aumentar a arrecadação, melhorar a eficiência,
diminuir a regressividade, reduzir as margens (spreads) de crédito e
simplificar a tributação, evitando um contencioso maior.
Contribuiria uma intermediação financeira
mais adequada às necessidades do país. O Projeto de Lei Complementar - PLP
68/2024 simplifica um pouco a tributação, mas mantêm algumas distorções graves
e tem um erro conceitual. Note-se que juros não são nem bens nem serviços.
Ou se muda o nome para Imposto sobre Bens e
Serviços e Juros (IBSJ) e Contribuição Social sobre Bens e Serviços e Juros
(CBSJ), ou se muda (o correto) o tratamento dado aos juros. Não é uma questão
de semântica, é uma questão de conceito. Juros não são serviços. Há diferenças
de natureza, os juros são quantitativos, são remunerações por uso de capital
por um período de tempo. Já os serviços são qualitativos, são remunerações
sobre a prestação de trabalhos ou atividades.
Na contabilidade social, os serviços fazem
parte do fluxo real e os juros fazem parte da remuneração de fatores de
produção. Nos balanços de empresas, os juros estão em rubricas diferentes dos
serviços. Tratar os juros como serviços é um mau começo para o que pode ser um
avanço.
A questão é o que fazer. A literatura e a
experiência internacional recomendam que a tributação siga os princípios de
simplicidade, transparência, equidade, neutralidade, simetria, capacidade
contributiva e progressividade. Deveriam ser os princípios a serem seguidos no
PLP 64/2024.
O tratamento a serviços das instituições
financeiras deve ser como o nos demais setores da economia. É um sistema de
valor agregado que funciona bem no mundo inteiro para a tributação de serviços.
Mas não funciona na tributação de juros. Note-se que a incidência é regressiva,
paga imposto quem tem menos, quem deve. Brasil é o único país do mundo que
tributa o crédito. É resíduo da época de inflação alta, que acabou há 30 anos.
Fazia sentido então. Não faz mais agora.
Um dos princípios é a progressividade da
tributação. Portanto, quem recebe juros deve pagar. Ou seja, os rendimentos de
aplicações seriam tributados e os juros de operações de crédito não pagariam
impostos. Uma correção adicional é acabar com as alíquotas diferenciadas para
todos os tipos de aplicações.
Os certificados de recebíveis do imobiliário,
os CRI, e do agro, os CRA, as letras de crédito imobiliário, as LCI, e do agro,
as LCA, pagam zero de imposto de renda. Não é o caso, mas se fosse, faria mais
sentido, certificados de recebíveis e letras de crédito isentos para a
indústria que está mais fragilizada que esses dois setores incentivados.
A proposta deste artigo é acabar com esses
incentivos e uma alíquota única para todo tipo de captação financeira. Com um
rendimento líquido menor, há um incentivo maior à investimentos em ativos
reais: agro, indústrias, construção civil e outros.
Atualmente, dependendo do prazo da aplicação,
as alíquotas do imposto de renda variam de 15% a 22,5%. É um incentivo fraco
para alongar prazos. O efeito se tiver é mínimo e a renúncia fiscal é elevada.
A proposta deste artigo é uma mesma alíquota para todas. Mais simplicidade e
mais equidade. Preferencialmente, 27,5%. Não é justo que a tributação do
rendimento de juros seja inferior à do trabalho.
Além da proposta de isentar o crédito e
uniformizar a alíquota de captações em 27,5%, poder-se-ia estabelecer um
imposto sobre o exigível dos bancos. Teria um efeito prudencial ao induzir a
uma alavancagem menor e não teria um efeito na margem (spread) do crédito.
No desenho da tributação do sistema
financeiro é importante considerar que é um setor intermediário que tem efeitos
econômicos em outros agentes, além dos envolvidos diretamente, que afetam o
crescimento da economia. Deve-se analisar a dinâmica em todos os setores. Um
aperto além do razoável na intermediação tem como consequência uma arrecadação
total menor.
A reforma tributária é um avanço fenomenal. É
algo que se arrastou por décadas e está agora na reta final. É uma oportunidade
singular de melhorar a intermediação financeira. Há mais a fazer na
intermediação, mas o que está sendo proposto neste artigo é razoável,
aumentaria a arrecadação, diminuiria a iniquidade do sistema, reduziria as
margens (spreads) e contribuiria para o crescimento do Brasil. É isso.
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