CartaCapital
Contra a crise cambial, as drogas de sempre da farmácia de manipulação fiscal
Informa a edição do jornal O Globo, de
20 de julho de 2024:
“O presidente da Argentina, Javier Milei,
denunciou tentativas de ‘corridas cambiais’ contra seu governo nesta semana e
voltou a criticar o diretor do Departamento do Hemisfério Ocidental do Fundo
Monetário Internacional (FMI), Rodrigo Valdés, acusando-o de beneficiar a
gestão anterior e de ter ‘más intenções’ com o país.
– Ele tem más intenções em relação à Argentina. Ele não quer o bem para o país. Ele foi contemplativo com o governo anterior e não conosco, que somos exemplo de esforço fiscal. Ele tem outra agenda – disse Milei em conversa com um canal de streaming, referindo-se a Valdés.”
O esforço fiscal é a Pedra Filosofal da
sabedoria econômica liberal-conservadora. Buscadas com pertinácia e afinco, as
virtudes da austeridade sempre culminam em desgraças: queda brutal no
nível de atividade, no desemprego e aumento da pobreza.
Matéria estampada no periódico Pagina 12
oferece pistas para o desvendamento dos segredos recônditos nas bazófias
liberaloides. O industrial têxtil Teddy Karagozian, um dos cinco maiores
empresários da Argentina, foi demitido esta semana da equipe de assessores
econômicos de Javier Milei. Karagozian disse, em público e sem medo, que as
mesmas inconveniências já ocorreram no governo de Mauricio Macri.
O CEO da indústria têxtil criticou
impiedosamente: há uma crise, um atraso cambial. Segundo ele, o plano
econômico de Milei-Caputo – mesmo coincidindo com suas preferências – apresenta
sérios problemas.
As preferências de Karagozian foram colhidas
no mesmo baú de banalidades político-econômicas que sustentam as empreitadas
desastrosas de Javier Milei. O Indec – Instituto Nacional de Estadística y
Censos de la República – informa que, em junho, as vendas de automóveis caíram
21,8% em relação ao mesmo mês de 2023. O acumulado janeiro-junho de 2024
apresenta queda de 20% em relação ao mesmo acumulado do ano anterior.
Da mesma forma, as vendas de Máquinas
Agrícolas tiveram, em junho, queda de 35,9% em relação ao mesmo mês de 2023. O
acumulado janeiro-junho de 2024 apresentou queda de 37,5% em relação ao mesmo
acumulado do ano anterior.
O vade-mécum de banalidades circula em outras
plagas: no Brasil varonil, a atoarda fiscalista bate seus bumbos dia e noite,
noite e dia, sempre disparando os acordes corta, corta, valendo-se do linguajar
dos comentaristas econômicos que frequentam a mídia nativa.
O desespero de Javier Milei e a “traição” das
lideranças empresariais desesperançadas desvelam o fenômeno do “me engana que
eu gosto”. Talvez fosse mais conveniente definir as preferências e escolhas do
conservadorismo econômico como “eu gosto que me enganem”.
O refinado humor de meu amigo e companheiro
Manfred Back apresentou o receituário da turma que proclama “eu gosto que me
enganem”.
– DROGALIMERS, farmácia de manipulação!
“Os economistas tendem a ser ouriços, sempre
na busca de uma única e unificadora explicação de fenômenos complexos. Eles
adoram olhar para uma enorme e complicada massa de comportamento humano e
reduzi-la a uma equação: as curvas de oferta e demanda; a curva de Phillips,
que liga desemprego e inflação; ou mb = mc, que liga um benefício marginal a um
custo marginal – o que significa que a quarta fatia de pizza vale menos para
você do que a primeira. Estas são ferramentas poderosas, que podem ser levadas longe
demais.” (John Lanchester, “How to speak money”, The New Yorker)
Alvíssaras na economia, duas vezes,
alvíssaras! Depois da Inteligência Artificial, um novo ramo da antiquada
ciência moral surge para acabar com a incerteza, alguns gurus estão decretando
a morte da econometria, trata-se da farmacoeconomia!
Desenvolvido num centro de diagnóstico da
Universidade de Chicago e patrocínio da farmacêutica Lucas & Sargent, essa
nova área econômica atende desde indivíduos (microeconomia) até casos gerais
(macroeconomia), com precisão de até quatro casas decimais! Enfim, o sonho
realizado, economia virou química!
Em junho, as vendas de automóveis caíram
21,8% e as de máquinas agrícolas recuaram 35,9%
O produto a ser lançado será uma droga que
combate a ansiedade fiscal: com várias dosagens, esse remédio promete curar
desde uma pequena falta de receita até calote de dívida pública!
A Fiscalina é a droga preferida de Javier
Milei.
A fórmula está livre de patentes, afinal, o
que manda é o mercado, o melhor vence, sempre!
Bula da Fiscalina:
APRESENTAÇÃO: Frasco conta-gotas de juros (75
mg/mL) com 15 mL.
USO: Infantil e Adulto.
Cada 25 points de juros de FISCALINA
(equivalente a 1 ponto de taxa neutra) contém 75 de SELIC. Ingredientes
inativos: presidente do Banco Central, outros instrumentos de política
monetária, economistas em geral, taxa de desemprego natural, hiato de produto.
Contraindicações: Recessão econômica, crise
bancária, descasamento de balanço patrimonial, desigualdade de renda.
Você, empresa e governo, é só se dirigir ao
centro de diagnóstico e a dosagem certa do Fiscalina sai em minutos!
Vejam a maravilha da farmacoeconomia,
exportadores e importadores, preocupados com as oscilações da taxa de câmbio,
foram procurar um de nossos farmacoeconomistas! De pronto, o sábio imprimiu o
exame:
“A decomposição sugere que o primeiro
movimento, de 4,9 reais para 5,2 reais, foi em 2/3 causado por fatores
externos… Já o segundo movimento, de 5,2 reais para 5,7 reais, entre meados de
maio até o final de junho, foi integralmente doméstico. Como obtivemos esse
resultado por resíduo, é difícil saber o que o motivou. Cada analista conta a
sua história. Nos últimos dias, houve um recuo na cotação da moeda – como
vimos, fechou quarta-feira passada a 5,4 reais, um recuo de 4,6% frente aos 5,7
de 2 de julho. Segundo as nossas contas, 1/4 desse movimento deveu-se a uma
descompressão do risco doméstico” (artigo de um farmacoeconomista na Folha de
S.Paulo).
Alguma dúvida? Sim, respondeu o exportador! O
que é descompressão? Algo a ver com cabines de avião? Nosso fármaco logo
respondeu: tirar a pressão do câmbio, parecido como tirar ar de um pneu! Com a
dose certa, ele se estabiliza! Três doses de Fiscalina por dia, até o próximo
governo! Pois, o vírus fiscal continua se alastrando! Nosso cientista alertou,
só vendemos com prescrição médica e com a nossa farmácia de manipulação.
Com Fiscalina não tem governo que gasta mais
do que arrecada!
Publicado na edição n° 1321 de CartaCapital,
em 31 de julho de 2024.
Um comentário:
Pois é.
Postar um comentário