Folha de S. Paulo
Emergência impõe mudança de comportamento,
tanto do poder público quanto do setor privado
A Justiça Federal do
Amazonas proferiu na última semana duas importantes decisões no
contexto de emergência climática em que estamos vivendo. Na primeira delas, um
fazendeiro foi condenado pela derrubada ilegal e queima de mais de 5.600
hectares de floresta
amazônica.
No segundo caso, a Justiça Federal suspendeu liminarmente a licença prévia concedida durante o governo Jair Bolsonaro (PL) para asfaltamento da BR-319, que liga Manaus a Porto Velho, por não ter levado em consideração dados técnicos sobre o impacto ambiental da obra sobre um território amazônico da dimensão do estado de São Paulo.
Nesse quadro de litígio climático, também
deve se destacar decisão do Tribunal de Justiça de Rondônia, que suspendeu a
extinção de 11 Unidades de Conservação, autorizada pela Assembleia Legislativa
daquele estado, sob pressão dos latifundiários.
De acordo com o relatório do Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o aquecimento de 1,1°C,
induzido por atividades humanas, vem desencadeando transformações dramáticas
no clima de
todo o planeta. No último domingo, 21 de julho, o planeta viveu o dia
mais quente registrado na história, conforme dados do observatório
climático europeu Copernicus.
Fenômenos climáticos extremos, como as inundações
no Rio Grande do Sul, que deixou centenas de milhares de pessoas
desabrigadas, têm se tornado cada vez mais recorrentes, com forte impacto sobre
a população, especialmente sobre aquelas que vivem em áreas mais vulneráveis e
dispõem de menos recursos para se adaptar aos efeitos do aquecimento global.
Nesse sentido, não estamos vivendo mais um
período de mudança, transição ou risco climático, mas de emergência climática.
Isso impõe uma profunda mudança de comportamento, tanto do poder público quanto
do setor privado, se quisermos evitar ou mitigar mais e maiores desastres.
A responsabilidade pela geração de gases
de efeito estufa, que promovem o aquecimento global, recai
predominantemente sobre os países do Hemisfério Norte e sobre a China, que
empregaram e ainda empregam intensamente combustíveis fósseis na base de seu
processo produtivo.
A parte que cabe ao Brasil no agravamento da
emergência climática está associada ao desmatamento. A derrubada da floresta
não apenas suprime a vegetação que remove carbono da atmosfera, como também
promove a emissão bruta de gás carbônico decorrente das queimadas. O desmatamento altera
ainda o regime de chuvas e a umidade do ar, com forte impacto sobre a
agricultura e a vida nos grandes centros urbanos.
Daí a importância das referidas decisões
judiciais, neste momento. Além de punir aqueles que ilegalmente derrubam as
florestas, dissuadindo o comportamento predatório, também visam barrar
iniciativas públicas que flexibilizam a legislação ambiental, legalizam
atividades de desflorestamento ou retiram a proteção de áreas ambientais ou
terras indígenas, que constituem os principais mecanismos de preservação das
florestas no Brasil.
Na contramão desse movimento por justiça
climática, temos testemunhado preocupantes iniciativas no âmbito do STF, ao promover
processos de conciliação de conflitos fundiários envolvendo terras indígenas.
Essas iniciativas apontam para o risco de
flexibilização de "direitos originários", "inalienáveis",
"indisponíveis" e "imprescritíveis" dos povos indígenas
sobre suas terras (artigo 231 CF), o que é constitucionalmente inaceitável;
estão sendo usadas como pretexto para novas invasões de terras indígenas; e,
por fim, ampliam as ameaças ao nosso patrimônio ambiental. Daí porque, em
tempos de emergência climática, essas conciliações deveriam ser suspensas.
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