Programa Voa Brasil é populismo sem sentido
O Globo
Não é papel do Estado criar plataforma para
vender passagens aéreas mais baratas
Em março de 2023, quando o Ministério de Portos e Aeroportos anunciou a intenção de criar um programa de passagens de avião por até R$ 200, o plano parecia sem sentido. Depois de um ano e quatro meses, o Voa Brasil foi lançado na quarta-feira e, apesar do tempo investido em estudos e negociações, não mudou em nada a primeira impressão. Não é papel do Ministério de Portos e Aeroportos intermediar a venda de passagens de companhias aéreas privadas, assim como seria inaceitável que o Ministério dos Transportes atuasse em feirões de automóveis ou o de Desenvolvimento em liquidações de refrigeradores e batedeiras. Preocupado em agradar à classe média descontente com a alta dos bilhetes de avião, mais uma vez o governo apelou ao populismo.
Na primeira fase do programa, os 23 milhões
de aposentados do INSS que não tenham viajado de avião nos últimos 12 meses
poderão comprar dois bilhetes por ano. Uma segunda etapa deverá ser lançada no
primeiro semestre de 2025, para estudantes de instituições de ensino público.
Num país com tantas carências, o governo decidiu dedicar tempo e esforços a um
objetivo duvidoso:“fomentar a inclusão social da aviação civil”. O ministério
fala em atingir 1,5 milhão de brasileiros que nunca andaram de avião, mas as chances
de sucesso são ínfimas. Dado que não há limite de renda para participar, o mais
provável é as camadas mais abastadas entre os aposentados serem as principais
beneficiadas.
À primeira vista, a argumentação do governo é
sedutora. A ociosidade das aeronaves no Brasil foi de 20% entre janeiro e
junho, prejudicando as companhias aéreas. Do outro lado, há consumidores ávidos
por viajar de avião, sem condições de pagar passagem. Na prévia da inflação de
julho, o destaque negativo foi justamente o setor de transportes, com alta de
19,21% nos bilhetes aéreos. Então, supôs o governo, por que não promover o
casamento entre oferta e demanda, criando um portal estatal para vender passagens
baratas?
A ciência econômica documenta bem as falhas
de mercado, situações em que a atuação de empresas privadas é incapaz de
resolver certos problemas, e se faz necessária a intervenção estatal. É o caso
da regulação de indústrias para evitar danos ambientais ou das regras para
lançar novos medicamentos. Mas criar uma plataforma para vender passagens
aéreas não se enquadra nos critérios que definem o papel do Estado. Por um
motivo simples. As companhias já dispõem de um instrumento poderoso para
equilibrar oferta e demanda: o preço. Com promoções, conseguem gerenciar a
ociosidade. Há diversos portais vendendo passagens baratas na internet. O
controle de preços pelo governo significa apenas impor prejuízos às aéreas e
deteriorar ainda mais um negócio que já não anda bem.
O Ministério de Portos e Aeroportos faz
questão de ressaltar que o Voa Brasil não envolve subsídio do governo. Ainda
bem. Seria mais um escândalo em tempos de crise fiscal aguda e necessidade de
cortes de gastos. Afirma ainda que a adesão das companhias é voluntária, sem
meta na oferta de passagens. Esse último ponto consta na minuta que regulamenta
o Voa Brasil, mas deve ser lido com cautela. Quando um ministério lança um
programa caro ao presidente da República, a pressão para que as empresas do
setor participem é considerável. Ainda mais às vésperas do anúncio de um pacote
de ajuda do governo às companhias aéreas.
É inexplicável relutância do PT em reforçar
combate ao desmatamento
O Globo
Com apenas 1.700 fiscais para cuidar de 1,7
milhão de km2 de florestas, será impossível deter devastação
Há no Ibama e
no ICMBio 1.698
fiscais responsáveis por inspecionar indústrias, cargas em portos e aeroportos,
combater crimes em todos os biomas e cuidar de uma área de 1,7 milhão de
quilômetros quadrados de florestas protegidas. A deficiência de pessoal é
considerável. Somente no ICMBio há cerca de mil vagas abertas. Esse é o número
mínimo para repor a capacidade operacional. O órgão, porém, tem permissão para
preencher menos de 200.
Ao saber da determinação do governo do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva de combater o desmatamento, as duas
instituições priorizaram ações de repressão e punição em 2023. No primeiro ano
do governo Bolsonaro, apenas 7% da área desmatada foi alvo de fiscalização. No
ano passado, o percentual pulou para 42%. A iniciativa surtiu resultado.
Divulgado em maio pelo MapBiomas, o Relatório Anual do Desmatamento no Brasil
mostra um avanço considerável no combate à ação de criminosos. Houve queda de
11,6% na destruição de vegetação nativa em relação a 2022. A área destruída na
Amazônia caiu 62% e na Mata Atlântica 60%. Em todo o país, 96,7 mil hectares
foram devastados dentro de unidades de conservação, retração de 53%. Em terras
indígenas, as perdas de 2023 foram 27% inferiores às de 2022.
Se tudo parece andar bem, por que a urgência
na contratação de mais funcionários? Quem acompanha o desempenho na linha de
frente sustenta que, com mais gente, mais poderá ser feito. “Os servidores
federais e também em parte dos estados têm trabalhado de forma incansável, mas
estão próximos do esgotamento”, diz Tasso Azevedo, coordenador-geral do
MapBiomas. Algumas regiões do país seguem com desmatamento em alta. É o caso de
Cerrado e Pantanal. É verdade que drones e satélites aumentaram a
produtividade. Hoje é possível embargar uma área sem enviar um fiscal ao local.
Mas manter e usar a tecnologia também exige mais gente qualificada.
Em fóruns internacionais, o governo
brasileiro tem defendido doações de nações ricas para conservar florestas.
Embora esses recursos ainda somem parcela pequena do orçamento de Ibama e
ICMBio, deverá aumentar nos próximos anos. “O Brasil precisa ter uma estrutura
de pessoal preparada para dar conta dos projetos no futuro”, afirma o
ambientalista Fábio Feldmann, ex-deputado federal.
Em muitas oportunidades, lideranças do PT
fazem questão de ressaltar o papel relevante da ação do Estado. Por isso causa
estranheza a relutância em reforçar Ibama e ICMBio. A conservação dos biomas
brasileiros e as atividades necessárias para isso são atribuições
intransferíveis do aparato estatal. A pressão fiscal impõe a tarefa inevitável
de escolher onde gastar. Mas a preservação do meio ambiente deve estar no alto
da lista de prioridades. “É uma área em que o Brasil precisa continuar
avançando, pois sinaliza governança e credibilidade”, diz Azevedo. “O sucesso
na derrubada do desmatamento deve ser motivo de fortalecimento do Ibama e do
ICMBio, não dá para achar que tudo está bem assim.”
Fiscalizar mais para conter trânsito letal
Folha de S. Paulo
Cresce o número de mortes em acidentes São
Paulo e em sua capital; mais agentes e uso de tecnologias são necessários
Com a maior frota de veículos do país, São Paulo enfrenta
dificuldades para conter as mortes causadas por acidentes no trânsito.
Na unidade federativa, foram 2.999 óbitos entre janeiro e junho de 2024, ante
2.436 no mesmo período de 2023, o que
representa aumento de 23,1%. Na capital, a alta foi de 31,6%,
passando de 395 para 520.
A seguir esse padrão na cidade, é possível
que em 2024 seja superado o número de todo o ano passado, quando atingiu-se 987
mortes —7,6% a mais do que em 2022 (917) e recorde desde 2015 (1.129).
Os dados do Infosiga, sistema de
monitoramento de letalidade no trânsito do governo paulista, mostram
crescimento em todos os tipos de veículos, mas motocicletas ainda são os mais
letais. Na capital, durante o mesmo período, elas foram responsáveis por 45,3%
do total, com 236 casos; no estado, por 41,6%, com 1.248.
Campanhas educativas para que motoristas
respeitem os limites de velocidade e não dirijam sob efeito de bebida alcoólica
são importantes, mas a impunidade pode ser a principal causa do fenômeno.
Em outubro de 2020, uma alteração no Código
Brasileiro de Trânsito proposta pelo governo Jair
Bolsonaro (PL) e aprovada no
Congresso aumentou o limite de pontos para que o motorista perca a carteira de
habilitação, de 20 para 40.
Com uma infração gravíssima, o limite cai
para 30 pontos e, com duas, para 20. Mas ultrapassar o máximo permitido só é
considerada infração desta natureza quando a velocidade do veículo é superior à
máxima em mais de 50%.
Em agosto de 2019, despacho presidencial
suspendeu o uso de radares móveis nas rodovias federais.
Mesmo que a Justiça tenha ordenado a volta dos aparelhos em dezembro,
reportagem da Folha de 2021 mostrou que a
fiscalização com essa tecnologia nas rodovias federais caiu cerca de 75% em
2020, na comparação com a média dos dois anos anteriores.
Segundo especialistas, essas duas medidas sob
Bolsonaro contribuíram para diminuir a fiscalização e a punição de infratores.
No caso da cidade de São Paulo, entre 2014 e
2023, houve ainda queda de cerca de 20% no número de agentes de trânsito. Mas a
frota aumentou 30%. Assim, a quantidade de veículos sob responsabilidade de
cada funcionário saltou quase 70% em uma década.
Além das vidas perdidas, os acidentes
de trânsito pressionam o sistema público de saúde, já bastante
precário no país. Por óbvio, motoristas deveriam agir com bom senso ao volante,
independentemente do risco de punição.
Entretanto, como mostram os dados
inquietantes, o poder público precisa intensificar a fiscalização, por agentes
e tecnologias.
Jogos para todo mundo
Folha de S. Paulo
Abertura das Olimpíadas dá recado ao exaltar
vantagens de uma sociedade diversa
Uma cerimônia repleta de ineditismos marcou a
abertura dos Jogos Olímpicos de Paris. Realizada pela primeira vez fora de um
estádio, a 33ª edição da competição reuniu mais de 300 mil pessoas às margens
do rio Sena e de outros icônicos pontos da capital francesa
Espetáculos artísticos variados tomaram por
palco os símbolos históricos da cidade-luz e se intercalaram com o tradicional
desfile das delegações —que, desta vez, ocorreu não a pé, mas num inovador
passeio de barco.
Ao longo de quatro horas e em cada um de seus
detalhes, o evento ressaltou valores olímpicos como amizade, excelência e
respeito, sintetizados nas reiteradas e explícitas referências à diversidade.
Exaltaram-se não só os benefícios de um país
multicultural mas também as vantagens de uma sociedade que se propõe a abraçar
todas as diferenças e incluir os desiguais —o que não é pouca coisa em
uma Europa que
assiste ao avanço do discurso anti-imigração.
Primeira cidade a sediar os Jogos pela
terceira vez, Paris soube explorar seus cartões-postais para garantir a beleza
única da abertura e, não contente, valeu-se de recursos televisivos voltados ao
entretenimento dos milhões de espectadores ao redor do planeta inteiro.
Foi, de fato, uma lufada de encantamento que
deixou em último lugar as preocupações e notícias que costumam permear os
grandes eventos esportivos. Receios quanto ao terrorismo acompanharam
os preparativos, enquanto a sabotagem
do sistema ferroviário lembrou que a operação logística
transcorre sobre gelo fino.
Nada disso, felizmente, turvou a beleza das
atrações ou amainou os ideais de congraçamento e espírito esportivo. Com os
desafios superados, Paris atingiu o objetivo comum a todo anfitrião olímpico:
projetar a própria imagem para o mundo, num jogo que extrapola os limites das
arenas esportivas.
A cerimônia de abertura, com toda sua
ousadia, mostrou o potencial das Olimpíadas. A delegação
brasileira precisa mostrar o seu. A despeito de polêmicas laterais
como a dos uniformes, nossos atletas têm condições de brigar por medalhas em
várias modalidades.
SP precisa de prefeito, não de xerife
O Estado de S. Paulo
Segurança pública, que não é atribuição do
prefeito, vira tema central da campanha à Prefeitura. Já o trânsito, que é
organizado pelo município, mata bem mais e não tem a mesma atenção
A pré-campanha eleitoral para a Prefeitura de
São Paulo começou mal. Pouco se ouve dos principais candidatos quais os seus
planos para resolver os problemas da capital paulista que estarão sob sua
responsabilidade, como a brutal violência no trânsito. O tema que tem sido
considerado prioritário pelos principais candidatos é a segurança pública, uma
atribuição do governo do Estado.
Quem acompanha o debate público nestes dias
que antecedem a campanha oficial é induzido a acreditar que São Paulo é uma
cidade do Velho Oeste em busca de um xerife. Nessa onda, os dois principais
candidatos, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (PSOL), incluíram
em suas candidaturas ex-comandantes da Rota, a temida tropa de choque da
Polícia Militar de São Paulo.
Nunes, por exemplo, escolheu como vice em sua
chapa o coronel Ricardo de Mello Araújo. Em favor do prefeito, ressalte-se que
a escolha não foi voluntária, e sim uma imposição do ex-presidente Jair
Bolsonaro em troca de apoio. A ideia parece ser a de qualificar a chapa do
prefeito como linha-dura contra o crime, bem ao gosto do bolsonarismo.
Já Boulos, o principal desafiante de Nunes,
aparentemente preocupado em não perder ainda mais terreno num tema com o qual
nem ele nem seu partido têm a menor afinidade, mas que pressente que pode ser
decisivo, trouxe para sua campanha o ex-comandante da Rota Alexandre Gasparian.
Oficialmente encarregado de elaborar propostas para a segurança pública, o
coronel da reserva serve, na verdade, como antídoto à costumeira acusação de
leniência com criminosos feita contra os partidos e candidatos de esquerda.
Tudo isso é um desserviço aos paulistanos.
Contamina a campanha municipal com uma agenda que não só não diz respeito às
atribuições de um prefeito, como só atende aos interesses políticos de grupos
que querem fazer da eleição daqui um laboratório de suas disputas nacionais.
Basta olhar com objetividade para os
indicadores de criminalidade em São Paulo, compilados por órgãos governamentais
e organizações da sociedade civil altamente confiáveis, para perceber que sua
letalidade é muito inferior à verificada, por exemplo, no trânsito – cuja
organização é atribuição precípua da Prefeitura. De acordo com a Secretaria
Estadual da Segurança Pública, em 2023 foram registrados 481 homicídios dolosos
e 42 latrocínios (roubo seguido de morte) na capital paulista. No mesmo
período, segundo o Infosiga, sistema de gerenciamento de acidentes de trânsito
do governo paulista, houve 987 mortes em acidentes de trânsito – o maior número
de óbitos por essa causa desde 2015.
Ou seja, a brutal violência do trânsito
deveria ser a real prioridade de quem disputa a Prefeitura de São Paulo – e
nada indica que neste ano eleitoral a situação vai melhorar. Apenas entre
janeiro e junho, ainda segundo o Infosiga, 522 pessoas morreram nas ruas e
avenidas da cidade de São Paulo vítimas de acidentes de trânsito. Trata-se do
primeiro semestre mais letal nos últimos nove anos. A maioria dos casos fatais
envolve motociclistas (236 óbitos), e não é difícil imaginar por quê.
O trânsito na cidade de São Paulo virou uma
barbárie diária. As leis que regem a mobilidade urbana parecem ter sido
revogadas. As falhas na fiscalização por agentes da Prefeitura são gritantes.
Agentes da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), outrora onipresentes,
hoje, em geral, só são vistos quando há um nó em algum cruzamento importante da
cidade – não raro causado por pane nos semáforos, outro problema crônico e,
aparentemente, insolúvel.
As ciclovias, espaços exclusivos reservados
para a segurança dos ciclistas, foram transformadas, na prática, em vias
expressas para motociclistas que não têm paciência para enfrentar
congestionamentos ou não ligam para faróis vermelhos.
Sem que haja quem os puna, esses imprudentes
violentam o espaço público segundo as suas conveniências, impondo insegurança
para todos – pedestres, ciclistas, motoristas e, também, os próprios
motociclistas. A julgar pela campanha paulistana, eles não têm com o que se
preocupar: se depender da atenção dos principais candidatos a prefeito, poderão
continuar a barbarizar no trânsito com tranquilidade.
Uma legislatura medíocre
O Estado de S. Paulo
Só 44 entre 513 deputados têm desempenho
considerado ótimo por estudo sobre a qualidade da atual legislatura, que parece
mais preocupada com as redes sociais que com o futuro do País
Quase 70% dos deputados federais da atual
legislatura exibiram um desempenho ruim ou razoável nos primeiros 500 dias de
mandato, informou o Estadão a partir de um relatório produzido pela
organização não governamental Legisla Brasil. O levantamento mostra que apenas
44 deputados (ou menos de 9% da Câmara) alcançaram um desempenho classificado
como ótimo. É uma performance avaliada pelos quase 30 especialistas envolvidos
no índice com base em 16 indicadores, agrupados em 4 categorias – produção
legislativa, fiscalização do Executivo, capacidade de mobilização e alinhamento
partidário. Reunidos a partir de dados quantitativos fornecidos pela própria
Câmara dos Deputados, esses indicadores oferecem números que justificam a
habitual desconfiança da população em relação ao Congresso Nacional. E, o mais
grave, atestam o desempenho medíocre da maioria esmagadora dos deputados
federais.
A fiscalização parlamentar sobre as ações do
Executivo – uma das principais atribuições do Legislativo – foi classificada
como o maior gargalo na atual legislatura. Numa escala de zero a 10, deputados
alcançaram uma sofrível média de 1,90 ponto. A nota abrange desde propostas de
fiscalização até a quantidade de emendas ao Orçamento e às medidas provisórias
do Executivo. O alinhamento partidário também se mostra baixo (5,4, para um
máximo de 10), o que demonstra uma significativa divergência entre parlamentares
e seus partidos nas votações. O levantamento também mostra que pelo menos 350
dos 513 deputados não usam as ferramentas disponíveis para garantir um mandato
de qualidade. Seguem, por exemplo, protocolando muitos projetos sem levar em
conta propostas similares já em tramitação. E, para um parlamentar melhorar seu
desempenho, parece não haver diferença se ele integra ou não a base governista
– o resultado é o mesmo, e não é nada positivo.
Os números também reafirmam a dificuldade
histórica dos partidos brasileiros de manter coesão e coerência internas. Nos
últimos anos, felizmente o Brasil viu reduzir o número de legendas com
representação no Congresso, mas as agremiações remanescentes ainda são, em
grande medida, uma soma de federações locais e regionais, com os parlamentares
muito mais movidos por interesses paroquiais localizados e por bancadas
temáticas do que pelos programas partidários bem fundamentados. A falta de
coesão, como sublinhou uma das pesquisadoras ao Estadão, não só prejudica
a atuação estratégica dos parlamentares, como afeta a eficiência na aprovação
de projetos e contribui para o abismo cada vez maior entre a população e os
partidos políticos, dada a ausência de clareza e unidade das agendas que são
defendidas por eles.
Destacar esse tipo de análise ajuda o País a
escapar do vício habitual de observar o desempenho parlamentar segundo a ótica
da mera presença de deputados em votações na Casa, evita o equívoco de
concentrar o olhar para a Câmara apenas em período eleitoral e chama a atenção
para o óbvio: a qualidade de um parlamentar não pode ser atestada segundo
critérios de radicalismo e beligerância que tanto fazem sucesso nas redes
sociais. Não raro o Congresso brasileiro – especialmente a Câmara – substitui
debates, deliberações e convivência civilizada entre diferentes espectros
ideológicos e partidários, base de uma casa democrática, por insultos,
xingamentos, dedos na cara e empurrões, tudo devidamente acompanhado por
celulares para ganhar vida no ambiente digital. Uma tendência coerente com o
fato de que há no Congresso e na sociedade uma geração que cresceu e se formou
politicamente em ambientes digitais, onde a disputa por ideias e projetos se
torna menos relevante do que a caçada por cliques e destruição de reputações.
Costuma-se dizer que a qualidade do Congresso
retrata a qualidade do Brasil a cada época. Se a premissa é verdadeira, a atual
legislatura também não deixa de ser um retrato do País atual: uma esfera
pública modificada e uma sociedade politicamente dividida e fragmentada, em
grande parte com interações baseadas em hostilidades. Esta não pode ser uma
tendência sem volta, e os números
Engana Brasil
O Estado de S. Paulo
Programa para baratear passagem aérea é
irrelevante e pode criar risco de golpe virtual
Depois de um ano e meio propagandeando a
intenção de democratizar o acesso ao transporte aéreo, o governo Lula da Silva
lançou o Voa Brasil com uma configuração franzina e incompleta, voltado apenas
a aposentados, que não costumam viajar de avião, e que não garante sequer a
anunciada passagem a R$ 200 conjuntamente nos trechos de ida e volta. O pior é
que, no afã de apresentar o programa cata-votos, pode estar apenas contribuindo
para alargar um pouco mais as brechas que têm facilitado a disseminação de fraudes
virtuais, especialmente contra idosos.
Como já era esperado, o programa está longe
de representar a “inclusão social da aviação brasileira”, como diz o prospecto
do Ministério de Portos e Aeroportos. A ideia, difundida desde o início de
2023, era dar ares de rodoviária aos saguões dos aeroportos, barateando tarifas
aéreas para a população de mais baixa renda. Mas as condições de oferta, as
dificuldades de aquisição e a restrição de público aproximam muito o Voa Brasil
das alternativas promocionais que já fazem parte do cardápio usado pelas companhias
aéreas para reduzir a ociosidade nos voos.
Para se candidatar à compra, o aposentado –
idoso portanto, na grande maioria dos casos – tem de cumprir requisitos como
não ter viajado de avião por um ano, ter conta prata ou ouro no portal do
governo e seguir procedimentos digitais em três etapas, nenhuma delas com tempo
de duração estimado. Ainda que se possa argumentar que o nível de complexidade
não seja tão alto a ponto de inviabilizar ou restringir o acesso do
público-alvo, há que considerar os riscos transversais que estão sendo criados.
O uso da internet disparou entre os idosos
nos últimos anos, como já revelou a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(Pnad), do IBGE. Saltou de 24,7% (2016) para 62,1% (2022) a proporção de
pessoas com 60 anos ou mais incluídas no universo digital. Mas não se pode
desconsiderar que cresceram também, e muito, as fraudes cibernéticas que têm
neste público um alvo fácil. Em junho do ano passado, o próprio governo, por
meio do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, divulgou que o número de
golpes contra pessoas idosas na internet cresceu mais de 70% no País em relação
ao ano anterior. Se a mesma obstinação demonstrada em lançar o Voa Brasil for
usada para evitar a criação de golpes virtuais contra aposentados, ao menos
terá evitado mais prejuízos a um público que convive cotidianamente com o
“golpe do consignado”, “golpe do INSS”, “golpe da prova de vida” e outros
tantos.
Quando falou pela primeira vez do programa de passagens aéreas baratas, o ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, foi repreendido pelo presidente Lula da Silva, mas ele próprio se mostrou simpático à proposta inúmeras vezes. Ao menos não houve subsídio, como parecia ser a intenção. Sem espaço para custos extras em uma iniciativa irrelevante, restou ao governo tentar criar uma miragem. Que ao menos não vire uma arapuca para os consumidores.
Combater a fome é uma prioridade
Correio Braziliense
Temos expertise para sair do Mapa da Fome até
2026, como pretende o governo, mas precisamos fazer o dever de casa
simultaneamente. Houve um grande retrocesso devido à pandemia e à
desarticulação das políticas públicas de combate à pobreza pelo governo passado
Vinte e um ano depois de lançar o Fome Zero,
em 2003, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva retoma a prioridade de retirar
milhões de brasileiros da situação de insegurança alimentar e fome extrema. Em
todo o Brasil, no passado, 14,7 milhões de pessoas deixaram de passar fome.
Entretanto, 2,5 milhões ainda estão em insegurança alimentar severa. Eram 17,2
milhões de brasileiros.
A insegurança alimentar severa caiu de 8,5%,
no triênio 2020-2022, para 6,6%, no período 2021-2023. Em números absolutos,
isso significa que 4 milhões saíram da insegurança alimentar severa. Esses
resultados fazem parte do Relatório das Nações Unidas sobre o Estado da
Insegurança Alimentar Mundial (Sofi 2024), divulgado na quarta-feira. Na
ocasião, o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate
à Fome do Brasil, Wellington Dias, anunciou que o governo trabalha para que o
Brasil deixe o Mapa da Fome até 2026.
O relatório foi apresentado durante as
reuniões do G20, no lançamento da Aliança Global contra a Fome. Essa é a grande
aposta do Brasil na presidência rotativa do grupo formado pelas 19 maiores
economias do planeta mais União Europeia e União Africana. O objetivo é
promover a cooperação financeira e técnica entre os países para erradicar a
fome no mundo.
Em países de dimensões continentais ou
em situação de risco, devido a guerras ou eventos ambientais extremos, por
exemplo, a questão alimentar é um problema a ser enfrentado permanentemente. O
Brasil havia conseguido deixar o Mapa da Fome em 2014. Porém, a insegurança
alimentar aumentou ao longo dos anos. O bom resultado obtido em 2023 deve-se a
políticas públicas voltadas para o combate à pobreza, como Bolsa Família,
Programa Nacional de Alimentação Escolar e Programa de Aquisição de Alimentos.
Temos expertise para liderar um projeto como
esse — de sair do Mapa da Fome em menos de dois anos —, mas precisamos fazer o
dever de casa simultaneamente. Houve um grande retrocesso durante os últimos
anos devido à pandemia e à desarticulação das políticas públicas de combate à
pobreza pelo governo passado.
A agricultura brasileira, hoje, é uma das
mais produtivas do mundo, somos grande produtor de grãos e proteína animal.
Entretanto, é preciso que o sucesso do nosso agronegócio de exportação tenha
como contrapartida, também, uma agricultura diversificada, voltada para o
abastecimento da população.
Na Câmara Federal, o recente debate sobre a
inclusão ou não da carne na cesta básica — ou seja, a proteína animal — mostrou
que o acesso à alimentação de qualidade não é uma questão apenas de cultura
alimentar, mas também sobre a necessidade de erradicar privilégios e
desconcentrar a renda.
Também não se pode ser indiferente ao que
acontece no mundo. As perspectivas não são boas. Para 2030, estima-se que 582
milhões de pessoas ainda enfrentarão desnutrição severa, mais da metade na
África. Insegurança alimentar e o acesso desigual a recursos para custear as
dietas saudáveis estão entre os principais motivos. Sem fontes privadas para
enfrentar o problema, os recursos públicos são insuficientes.
Há um norteador definido na Cúpula das Nações
Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, em setembro de 2015. Os Objetivos
de Desenvolvimento Sustentável (ODS) são uma agenda mundial para acabar com a
pobreza e as desigualdades, um pacto que envolve os 193 estados-membros da
Organização das Nações Unidas (ONU) e que deve ser cumprido até 2030.
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