O Globo
Governo entrou janeiro prevendo superávit
para as contas deste ano; seis meses depois, a projeção já tinha virado para um
baita déficit
E depois o ministro Haddad reclama quando o
pessoal desconfia do cumprimento das metas do arcabouço fiscal. Reparem: o
governo entrou janeiro prevendo superávit para as contas deste ano; seis meses
depois, a projeção já tinha virado um baita déficit. E isso mesmo com o
ministro cumprindo a tarefa de turbinar as receitas.
Nos meios econômicos, o pessoal acredita em contas. Com os números conhecidos nesta semana, a desconfiança torna-se dominante. No Orçamento para este ano, aprovado no Congresso, previa-se superávit de R$ 9 bilhões para o governo federal, boa folga diante do déficit zero estabelecido no arcabouço. No passar dos meses, os números ganharam tons de vermelho toda vez que se refazia a conta. Concluído o primeiro semestre, a projeção já era de um déficit de R$ 44 bilhões, arredondando.
Vai daí, depois de muita conversa de
persuasão com o presidente Lula,
o ministro Haddad anunciou um corte de R$ 15 bilhões na execução orçamentária.
Isso para deixar a projeção de déficit para este ano em R$ 29 bilhões,
declarando cumprir a meta do arcabouço.
Mas a meta não era zero? — pergunta o
brasileiro comum, que não é obrigado a conhecer as matemáticas oficiais. Ocorre
que a meta tem uma margem de tolerância de R$ 29 bilhões (equivalente a 0,25%
do PIB)
para mais ou para menos. Logo, se a previsão de déficit saltou para aqueles R$
29 bilhões, tudo bem, está dentro da meta, certo?
Mais ou menos.
Margem de tolerância é um esquema de
acomodação. Sabe como é, pode acontecer algum imprevisto, uma receita a menos,
uma despesa a mais, que se acomoda na margem. Não é o que fez o governo. Se o
buraco previsto na última contagem bateu nos R$ 44 bilhões, o corte no
Orçamento deveria ser desses mesmos 44 bilhões para restabelecer a meta de
déficit zero. Como temos um governo que quer gastar, e não equilibrar,
resolveram congelar apenas R$ 15 bilhões.
O que isso significa? Simples: mudaram a meta
de zero para um déficit de R$ 29 bilhões, no limite máximo da margem de
tolerância. Alargaram o alvo. Daí a desconfiança. Se, em seis meses, o governo
já jogou a toalha, num ambiente em que a dinâmica de gastos permanece a mesma,
qual a tendência mais provável? Que a meta seja alterada de novo, com péssimas
repercussões políticas e econômicas. E no dólar mais alto, pressionando a inflação e,
pois, os juros.
Desde o lançamento do arcabouço, sabia-se que
o êxito dependeria de forte ganho de arrecadação. O ministro Haddad foi à luta
e conseguiu. No primeiro semestre deste ano, as receitas do governo federal
cresceram nada menos que 9%, descontada a inflação, em comparação com o mesmo
período de 2023. Sim, o ministro tomou dinheiro dos ricos, taxando os fundos
exclusivos, mas também tomou das classes médias com o PIS/Cofins sobre os
combustíveis. E tomará mais um tanto com os 20% de imposto de importação sobre
as “blusinhas”, que entra em vigor em 1º de agosto.
Em resumo, a arrecadação bate recorde todos
os meses. Significa que, a cada mês, o governo toma uma parte maior da
economia. Só que as despesas crescem ainda mais depressa: alta de 10,5% no
primeiro semestre, já descontada a inflação. Não fecha.
O governo, por determinação de Lula, não
atacará nas principais fontes de despesas crescentes, os gastos previdenciários
e do Benefício de Prestação Continuada (BPC). Pensões e BPC, pela regra, têm
ganho real, acima da inflação. Pode-se defender a prática: o governo promove o
bem-estar social, distribuindo renda para os mais pobres. OK, mas aí seria
preciso reduzir o gasto em outros setores, incluindo funcionalismo, educação e
PAC, para ficar em poucos exemplos. Lula não topa, claro.
E tem mais: o déficit verificado no primeiro
semestre é só de R$ 44 bilhões porque não se contam os gastos com o Rio Grande do
Sul e outros, como pagamentos de precatórios. Está na lei. Esses
gastos não contam para fins de arcabouço fiscal. Mas estão lá. Contando esses,
o déficit real vai a R$ 66 bilhões. Não entra na matemática oficial, mas entra
na dívida pública — e, pois, nos juros, no dólar, na inflação.
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