As principais questões preocupantes em relação à educação hoje no Brasil – como controlar a violência escolar, melhorar o desempenho acadêmico, alcançar maior equidade e garantir uma melhor coexistência – estão efetivamente ligadas ao propósito educativo das sociedades contemporâneas. Qual é esse propósito? Em suma: qualificar as pessoas com as competências e conhecimentos necessários para uma vida produtiva, integrá-las no mundo das normas e valores típicos da coexistência em sociedades diversas e em mudança, e dotá-las de capacidades para agir de forma responsável. Historicamente, a educação aparece – juntamente com a lei, entre outras expressões da civilização – como um meio poderoso para debelar a agressividade social e socializar os indivíduos nos valores comunitários. Ensina, portanto, como conviver, como autorregular os impulsos destrutivos e como reconhecer a diversidade. Implica aprender que qualquer ordem baseada na liberdade das pessoas significa também submeter-se às regras, às disciplinas e às disposições das autoridades democraticamente legítimas em todas as dimensões da vida individual e coletiva.
É fato, porém, que esta finalidade educativa
está hoje comprometida e a sua materialização é dificultada por fatores de
natureza muito díspares.
No que diz respeito ao contexto social
externo, a educação – institucional e não só formal – desenvolve-se em
condições adversas. Os níveis de agressividade social aumentam, o crime se
espalha e se torna mais organizado, são inúmeras as tecnologias que facilitam
as ações criminosas. Pelo contrário, as comunidades sofrem erosão na sua
coesão, os laços sociais são enfraquecidos, as âncoras tradicionais de
existência desaparecem e os Estados enfrentam dificuldades crescentes em manter
e exercer uma vida cidadã.
Por sua vez, no contexto interno e
intersubjetivo das pessoas, onde a finalidade educacional busca refletir
objetivos e valores culturais que fazem parte do autocontrole e autogoverno das
pessoas, sua disposição de viver uma vida com sentido, tal propósito esbarra na
perda de sentido dos valores (niilismo), na incapacidade de lidar com os
desejos e impulsos e na ausência de normas sociais ou na sua degradação
(anomia).
A crise da autoridade da docência desempenha
um papel fundamental neste contexto, uma vez que dela depende a realização de
qualquer propósito educacional. No entanto, hoje esta autoridade está
localizada no ponto preciso onde se juntam um contexto social externo
deteriorado e um contexto intersubjetivo interno danificado.
A chamada crise de
autoridade da docência não é, portanto, um problema técnico, ou de mera
disfuncionalidade ou perda de eficácia. Pelo contrário, é reflexo de uma
profunda alteração cultural, relacionada com a secularização radical da vida.
Desde Durkheim, esta circunstância – o colapso do sentido de autoridade
legítima – tem sido diagnosticada como um mal-estar cultural.
Estas são, então, as razões fundamentais por
detrás das atuais preocupações sobre a mitigação e a tão desejada erradicação
da violência e a necessidade de melhorar a coexistência escolar.
Poder-se-ia pensar que as outras duas
preocupações – desempenho acadêmico e equidade – são mais conhecidas e,
portanto, também seriam mais fáceis de processar; isto é, ser diretamente
atendido por políticas públicas apropriadas.
Bem, as políticas testadas em ambas as áreas
– desempenho e equidade – produzem apenas um progresso limitado e têm uma
maturação lenta. O que provoca frustração, desilusão e exasperação crescente
com tais políticas, qualquer que seja a sua orientação.
Superficialmente, aparecem invariavelmente
como dois lados da mesma moeda: melhorar a aprendizagem e distribuí-la de forma
mais equitativa. Em essência, eles apontam, de fato, para uma causalidade
idêntica. O desempenho acadêmico é desigual porque as trajetórias dos corpos
discentes são desiguais. Essa trajetória desde tenra idade impacta em grande
medida os desenlaces das pessoas.
Intersubjetivamente, esta percepção social
afeta, sobretudo, moças e rapazes e jovens de lares com dotações desiguais de
capital econômico, social e cultural. Desde cedo, eles vivenciam as diferenças
de classe como uma ferida oculta como mostrou Richard Senett; uma desvantagem
avilta, uma exclusão injustificada que afeta as motivações, a autoconfiança, as
expectativas e os projetos de vida. Se tais sintomas não forem abordados
precocemente, atenuados e enfrentados, o sistema escolar acaba por reproduzi-los,
instalando uma espiral de desvantagens, que não são resolvidos com um pé de
meia furada.
Em tais circunstâncias, a própria noção de
aptidão e os seus pressupostos comportamentais – esforço pessoal e perseverança
– dissipam-se no ar. Os fundamentos da coexistência civilizada enfraquecem e/ou
desaparecem; não só na escola. Isto é especialmente verdade no quadro de uma
hipermodernidade como ilustra Marco Aurélio Nogueira em A democracia
desafiada: recompor a política para um futuro incerto (Rio de Janeiro:
Ateliê de Humanidades, 2023) que promete e eleva, como horizonte cultural, a
igualdade de direitos e dignidade das pessoas, a distribuição merecida de
oportunidades e o reconhecimento do esforço pessoal como única fonte de
diferenciação legítima das trajetórias de vida.
Todo o quadro das sociedades democráticas hipermodernas é, portanto, apoiado por um propósito educativo que está em constante tensão com contextos de condições objetivas e subjetivas que dificultam a sua realização. Se estes condicionantes não forem erradicados, o objetivo educativo – promover a paz e a justiça social numa coexistência civilizada – não poderá ser alcançado.
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