Propor nova eleição na Venezuela não tem nexo
O Globo
Ideia foi aventada por Lula, Gustavo Petro e
Celso Amorim. Mas já houve pleito em julho — e Maduro perdeu
Na segunda reunião ministerial deste ano, o
presidente Luiz Inácio Lula da
Silva disse aos presentes que o venezuelano Nicolás
Maduro deveria tomar a iniciativa de convocar uma nova eleição.
Uma semana depois, falou publicamente sobre o assunto. “Se Maduro tiver bom
senso, podia tentar fazer uma conclamação ao povo da Venezuela, quem sabe até
convocar novas eleições”, disse. Horas depois, o presidente colombiano, Gustavo Petro,
defendeu a mesma ideia. Em seguida, o assessor para Assuntos Internacionais do
Palácio do Planalto, Celso Amorim,
negou ter formulado a alternativa, mas voltou a tratar o tema como uma
possibilidade. A ideia é um absurdo sem nenhum nexo.
Já houve eleição na Venezuela. Ela ocorreu em 28 de julho — e Maduro perdeu, apesar de o Conselho Nacional Eleitoral, dominado por chavistas, tê-lo declarado vencedor quando a contagem de votos não terminara, e era impossível chegar a tal conclusão. Em desafio ao clamor dentro e fora do país, os boletins com resultado individual de cada urna — conhecidos como “atas” — nunca foram apresentados pelas autoridades. O embaraço do governo com a situação inusitada só não é maior que a fraude. Maduro queria uma eleição apenas para passar um verniz de legitimidade em seu regime ditatorial. Desta vez, o oposicionista Edmundo González ganhou por margem tão eloquente — confirmada por apurações independentes com base nas atas que vieram a público, pela Organização dos Estados Americanos e pelo insuspeito Carter Center — que ficou simplesmente impossível justificar o roubo.
Indagada sobre a proposta descabida de Brasil
e Colômbia, María Corina Machado, principal voz da oposição venezuelana, que,
mesmo impedida de concorrer, transferiu votos a González, respondeu com um
questionamento lógico: “Vamos para uma segunda eleição e, se não gostarem do
resultado, iremos para uma terceira? Quarta? Quinta? Até que o presidente
Nicolás Maduro goste dos resultados? Vocês aceitariam isso em seu país? Se o
resultado não for satisfatório, repete-se a eleição?”. É tão ridículo que chega
a ser chocante que Lula, Amorim e Petro tenham sequer aventado a hipótese.
Em nota, ex-líderes de países como Espanha,
Costa Rica e Paraguai, reunidos no Grupo Idea, criticaram a proposta como
“escandalosa”: “Tal ação se tornaria um atentado ao direito democrático
interamericano, pois anularia a vontade popular já expressa de forma inequívoca
nas urnas de 28 de julho e ignoraria a inquestionável derrota da ditadura de
Maduro”. Até chavistas rechaçaram a ideia, e o presidente do partido governista
na Venezuela, Diosdado Cabello, classificou a iniciativa atribuída a Amorim
como “estupidez” e “sem pé nem cabeça”.
Os esforços da diplomacia brasileira por uma
solução para o impasse com diálogo e participação de outros países da região
são bem-vindos. Brasil e Venezuela dividem fronteira, história e têm
responsabilidades na conservação da maior floresta tropical do mundo. A crise
humanitária e o êxodo venezuelano assumiram proporções sem precedente. Mas o
governo brasileiro não deveria apoiar propostas esdrúxulas. Lula voltou a
afirmar na sexta-feira não ver a Venezuela como ditadura, apenas como “regime
desagradável” com “viés autoritário”. Se chamasse as coisas pelo devido nome, a
imagem do Brasil não seria ainda mais arranhada pela vista grossa aos desmandos
de Maduro.
Autoridades devem adotar medidas mais
eficazes contra furtos de celular
O Globo
Apesar de iniciativas bem-sucedidas no
combate, a cada minuto 28 celulares são levados por criminosos
Nas ruas, cidadãos têm a sensação de que a
qualquer momento seu celular pode ser furtado, tamanha a insegurança nas
cidades brasileiras. Uma pesquisa Datafolha mostra que esse sentimento se
justifica. Um em cada dez brasileiros afirma que, nos 12 meses entre julho do
ano passado e junho deste ano, seu aparelho foi roubado ou furtado. Estima-se,
com base em projeções, que 1.680 celulares sejam levados por criminosos a cada
hora, ou 28 a cada minuto.
O número supera em mais de 15 vezes os furtos
e roubos de celulares registrados oficialmente por ano. Não chega a
surpreender, uma vez que a subnotificação nesse tipo de crime é alta. Em geral,
apenas aqueles que têm seguro procuram a delegacia. Na pesquisa, 9,2% dos
entrevistados disseram ter sido roubados ou furtados. O problema é mais comum
nas cidades que no interior (15% ante 6%). Em municípios com mais de 500 mil
habitantes, são 14%.
Mesmo os números oficiais já são alarmantes.
De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 937.294 celulares
foram furtados ou roubados em 2023 — 107 por hora, ou quase dois por minuto.
Ainda que tenha havido queda em relação a 2022, a situação não é menos
preocupante. Roubos são mais frequentes nos dias úteis e os furtos nos fins de
semana.
O problema ganha dimensão ainda maior quando
se sabe que o furto de celular é porta de entrada para outros tipos de crimes,
como o estelionato. Bandidos procuram surrupiar o aparelho desbloqueado, quando
alguém está falando ou teclando, para obter acesso a contas bancárias e a
outros dados pessoais das vítimas. Além de perderem o telefone, elas ainda
podem sofrer prejuízos astronômicos com os crimes digitais. Não surpreende que
hoje haja mais furtos que roubos de celular.
Tudo isso expõe a ineficiência das políticas
públicas para garantir a segurança dos cidadãos. Existem, é verdade, programas
bem-sucedidos para coibir roubos e furtos de celular e minimizar os danos às
vítimas. O Piauí criou um banco de dados com a identidade digital dos
aparelhos, aprofundou investigações, fez parcerias com operadoras e passou a
reprimir a revenda. O sistema dispara intimações para aqueles cujo celular foi
furtado e reduziu os crimes em 44%. O sucesso do projeto levou o governo
federal a incorporá-lo ao sistema Celular Seguro, que permite o bloqueio rápido
do chip e dos aplicativos de aparelhos furtados. Criado no ano passado, o
programa já tem mais de 2 milhões de cadastrados e deverá ganhar em breve novos
recursos.
Apesar dessas iniciativas, a sensação da
população é que furtos e roubos de celular se tornaram tão comuns que exigem
uma estratégia para evitá-los. O manual de sobrevivência recomenda não falar ao
telefone em locais públicos, deixá-lo bem guardado, de preferência escondido
dentro da roupa, ou até separar um aparelho velho para sair à rua, o “celular
do ladrão”. Os governos deveriam se preocupar com isso e buscar inspiração nas
iniciativas bem-sucedidas de combate às quadrilhas. Até porque o medo da população
costuma se refletir nas urnas.
Programas sociais têm a ganhar em eficiência
Folha de S. Paulo
Governo acerta ao rever dados para evitar
fraude e conter gasto; é preciso eliminar desembolsos sem foco nos mais pobres
O governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
ainda resiste a adotar medidas estruturais para reduzir o ritmo insustentável
de crescimento dos gastos federais, mas ao menos já reconhece que há um
problema. Daí a promessa de revisão de programas com o objetivo de economizar
R$ 25,9 bilhões em 2025.
A trajetória atual de gastos (alta de 15%
acima da inflação nos últimos 12 meses) está muito acima do padrão já temerário
observado a partir do Plano Real, de 1994.
Até o impeachment da petista Dilma
Rousseff, a despesa federal não financeira cresceu cerca de 6% ao
ano, em média, e foi contida apenas com o teto constitucional que vigorou entre
2017 e 2022.
O lento ajuste começou a ser desmontado na
gestão de Jair
Bolsonaro (PL), em especial com a
chamada PEC Kamikaze, que tinha por objetivo sua reeleição.
A medida perdulária e em parte ilegal, por
decisão recente do Supremo Tribunal Federal, foi sucedida por outra emenda,
patrocinada por Lula, que adicionou R$ 150 bilhões ao Orçamento.
Depois, em substituição ao teto, adotou-se o
novo marco fiscal, que vem se mostrando ineficaz para conter a escalada da
dívida pública.
A permissibilidade petista ainda impera, mas
o ensaio de maior racionalidade é bem-vindo e abre um necessário debate sobre
reformas nos programas sociais.
Um exemplo é o pente-fino no Benefício de
Prestação Continuada (BPC), que paga um salário mínimo a 6 milhões de pessoas
—1 milhão delas foram incluídas nos últimos dois anos.
Segundo o governo, os
cortes poderão suspender 11 de cada 100 pagamentos e economizar
R$ 6,6 bilhões, uma evidência da má qualidade da base de dados e das fraudes
que permeiam vários programas. Cerca de 1,7 milhão de beneficiários estão com
informações desatualizadas há mais de 24 meses.
Outra medida
é a revisão do cadastro único que serve de base para o Bolsa Família e
outras ações, a primeira em 14 anos. Abarcando 94 milhões de pessoas, quase a
metade da população do país, o instrumento baliza desembolsos de R$ 280 bilhões
ao ano.
Um exemplo da fragilidade nos critérios de
concessão de benefícios é o crescimento anômalo do número de famílias
uniparentais, que amplia a clientela e os gastos.
Cumpre aperfeiçoar as bases de dados, inclusive
para viabilizar o cashback, mecanismo criado na reforma tributária
para a devolução de parte dos impostos para a população de baixa renda.
Há mais a fazer, como a eliminação de
programas ineficientes e mal focalizados, para que o portentoso aparato
brasileiro de seguridade seja mais eficiente no combate à pobreza e à
desigualdade.
Além do desmate
Folha de S. Paulo
Governo precisa combater a degradação
florestal, que transcende o corte raso
Poucas coisas superam as evidências
científicas no ajuste de políticas públicas. Após o negacionismo de Jair
Bolsonaro (PL), Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
precisa aperfeiçoar sua sensata política ambiental com dados objetivos.
O uso do solo e suas mudanças, como a
conversão de florestas em pastagens e lavouras, responde por três quartos das
emissões brasileiras de carbono. O desmate na amazônia turbina
o aquecimento global, que, por sua vez, deixa as áreas verdes mais vulneráveis.
Na primeira etapa desse ciclo vicioso, a
biomassa desmatada se converte em CO2 e engrossa a capa que retém calor na
atmosfera. Na segunda, a alta temperatura impacta o regime de chuvas e resseca
o bioma, que pode entrar numa
espiral de estiagem, fogo e morte.
Até o momento, o governo federal dá
prioridade ao desmatamento —como
deve ser. Estudos vêm indicando, no entanto, que uma destruição mais insidiosa,
a chamada degradação florestal, pode minar parte desse esforço.
Pesquisa da Universidade Wake Forest,
publicada na revista da academia de ciências dos EUA no começo deste mês, destaca
esse terceiro elo da cadeia devastadora. O artigo aponta que a
extração de madeira, queimadas e outras atividades estariam lançando mais
carbono na atmosfera que o próprio desmatamento por corte raso.
O clima sofre
um duplo golpe da sociedade brasileira na sua gestão da maior floresta tropical
do planeta. Golpe que ricocheteia na própria amazônia, fustigada pela atmosfera
aquecida, e no Brasil quase todo, sob a ameaça de colapso pelos "rios
voadores" que ela origina e que levam chuvas para as regiões Sudeste e o
Sul.
Cabe ao Ministério do Meio Ambiente ampliar
as medidas de prevenção e combate ao desmatamento para conter também as
atividades degradadoras que não utilizem o corte raso. E não só na amazônia.
O cerrado —bioma mais ameaçado do Brasil—
contribui para a emissão de CO2 e tem papel fundamental na regularização
de recursos hídricos para a agropecuária. A multiplicação de
impactos sobre o ambiente e o clima exige uma política igualmente
multifatorial.
Torneirinha de asneiras
O Estado de S. Paulo
Sem saber o que dizer, Lula fala em nova
eleição ou governo de coalizão na Venezuela. Mas não parou aí: para ele, a
Venezuela de Maduro ‘não é uma ditadura’, é só um ‘regime desagradável’
Quando falava sem pensar, abrindo sua famosa
“torneirinha de asneiras”, Emília ainda tinha a desculpa de ser só uma boneca
de pano. Diferentemente da personagem de Monteiro Lobato, no entanto, o petista
Lula da Silva precisa medir as palavras, porque é presidente da República, e
tudo que um presidente diz afetará a vida muito além do Sítio do Pica-Pau
Amarelo. Mas Lula, sem saber o que dizer ou como se comportar diante da crise
deflagrada pelo seu companheiro Nicolás Maduro, ditador da Venezuela que, ora
vejam, age como ditador, resolveu rivalizar com Emília na capacidade de
proferir asneiras.
Para Lula, o governo de Maduro “não é uma
ditadura”, e sim “um regime muito desagradável”. De fato, é bastante
“desagradável” para quem ousa discordar de Maduro. Os muitos presos políticos,
os jornalistas perseguidos e os milhões de exilados também acham tudo muito
“desagradável” na Venezuela de Maduro. Se Lula procurar bem, encontrará
ditaduras muito menos “desagradáveis” do que o regime chavista da Venezuela.
Lula, recorde-se, é aquele que havia dito que
nada de “grave” ou “anormal” se passou nas eleições venezuelanas,
escandalosamente roubadas pelo ditador companheiro. Agora, o petista flerta com
ideias estapafúrdias como a realização de “novas eleições” ou então um “governo
de coalizão”.
Ora, uma coisa é empreender esforços
diplomáticos para evitar um banho de sangue na Venezuela, e outra, muito
diferente, é ofender a inteligência alheia e a oposição venezuelana – que
venceu democraticamente a eleição a despeito de toda a truculência chavista.
Como comentou um site humorístico venezuelano, El Chigüire Bipolar, “o Brasil
propõe repetir as eleições até que Maduro vença”.
Além de até hoje não ter divulgado as atas
eleitorais que provariam que Maduro realmente prevaleceu nas urnas, o regime
venezuelano segue escalando ações contra a oposição, encarcerando milhares de
pessoas, ou contra quem apresente evidências de que o processo eleitoral foi
fraudado. Em resposta a um relatório da ONU que conclui que a Venezuela não
cumpriu requisitos básicos de “transparência e integridade”, o presidente da
Assembleia venezuelana, Jorge Rodríguez, do mesmo partido de Maduro,
classificou o documento de “lixo” e ameaçou proibir a presença de observadores
estrangeiros em futuras eleições.
Tal reação já demonstra o quanto a ideia de
uma nova eleição, soprada no ouvido de Lula pelo assessor especial da
Presidência, Celso Amorim, é, digamos, exótica. Ora, nenhuma eleição sob o
regime delinquente de Maduro jamais será limpa e justa. As realizadas até aqui,
comumente festejadas pelos petistas como prova do vigor da “democracia” na
Venezuela chavista, tampouco foram limpas e justas, mas nunca foi necessário
roubar no resultado, porque de fato a oposição perdeu na contagem de votos.
Agora que a oposição obviamente ganhou, Maduro se viu obrigado a roubar a
eleição. E o fará quantas vezes forem necessárias para permanecer no poder,
como já devia estar claro para todos.
O fato é que o governo lulopetista foi pego
de surpresa com o desfecho da eleição. Assim como o regime de Maduro esperava
ganhar o pleito com facilidade, como aconteceu no passado, graças ao controle
total sobre o processo eleitoral, à censura generalizada e à violência política
contra a oposição, Lula provavelmente também contava com a vitória do
companheiro. Não havia plano alternativo para o caso de Maduro fraudar a
eleição tão descaradamente.
É por isso que Lula anda balbuciando frases
desconexas ao abordar a crise. “Tem várias saídas”, disse o presidente,
ignorando o fato de que “saída”, mesmo, só tem uma: Maduro reconhecer que
perdeu a eleição. Mas a natureza de Lula sempre fala mais alto: para o petista,
basta que Maduro faça um “governo de coalizão” ou “uma composição”. Afinal,
“muita gente não votou em mim e eu trouxe todo mundo para o governo”. Ora, se
Maduro perdeu a eleição, não é ele quem tem de fazer um “governo de coalizão”,
e sim o vencedor da eleição, que é da oposição.
É o caso de perguntar a Lula se ele aceitaria
participar de uma nova eleição ou de um “governo de coalizão” com Jair
Bolsonaro, caso este fraudasse a eleição de 2022 e permanecesse à força na
Presidência. Obviamente sabemos a resposta.
A rusga entre governo e agências
O Estado de S. Paulo
Disputas político-partidárias por controle de
agências reguladoras prejudicam a fiscalização de empresas privadas prestadoras
de serviços públicos e desvirtuam papel das autarquias
A relação entre o governo federal e as
agências reguladoras hoje é de guerra declarada, e o motivo é a mistura
indesejável de interesses políticos com a efetiva atuação fiscalizadora dos
prestadores de serviços públicos. O ministro de Minas e Energia, Alexandre
Silveira, reclamou do que classificou de “boicote ao governo” o fato de que a
maioria dos diretores das agências foi “escolhida pelo governo anterior”. De
outro lado, as 11 reguladoras firmaram nota conjunta denunciando “a situação
crítica orçamentária e de pessoal” que estão enfrentando.
Em audiência pública na Câmara dos Deputados,
Silveira afirmou que há uma distorção “gravíssima” entre “quem ganha as
eleições e as agências reguladoras”. Ora, quem ganha as eleições, embora
queira, não pode tudo. Por exemplo, não pode querer que as agências reguladoras
se submetam à agenda do governo. O espírito das agências não é esse: elas são
parte do Estado, que por definição é apartidário.
O que tem sido observado ao longo do tempo,
contudo, é o flagrante desvio do objetivo original para fazer com que as
agências se tornem meros apêndices do organismo estatal na divisão de cargos
que costuma acompanhar a barganha por apoio político, além de instrumentos para
acatar – de preferência sem contestação – propostas regulatórias do interesse
do governo. Ora, a ideia que permitiu a criação dessas autarquias especiais vai
na direção oposta.
Concebidas a partir da década de 1990 para
regular um mercado de infraestrutura que se abria à iniciativa privada por meio
do leilão de empresas estatais, as agências idealmente teriam autonomia de
gestão, decisória e financeira. Esta última é alvo de intensos debates desde o
início de sua atuação. Além de terem direito a recursos do Tesouro, as
agências, em sua maior parte, têm arrecadação própria, com taxas setoriais
pagas por empresas e consumidores, em montante suficiente para bancar com folga
suas operações. Mas todos os recursos vão para o caixa único do orçamento e só
uma fração retorna às autarquias.
Daí a grita das instituições que motivou o
comunicado conjunto divulgado há cerca de dois meses. No documento, as agências
expuseram que, juntas, arrecadam mais de R$ 130 bilhões por ano, enquanto o
orçamento para 2024 ficou em torno de R$ 5 bilhões, “o que por si já demonstra
a vantagem econômica desse modelo regulador”. Ao serem surpreendidas pelo corte
orçamentário de 20%, decidiram lançar a nota pública que alerta sobre a
inviabilidade de manter os serviços de fiscalização e controle.
Apesar de terem autonomia de gestão, as
agências, como autarquias, são submetidas ao governo, inclusive na indicação de
seus dirigentes, que devem ter também o aval do Poder Legislativo, nas
sabatinas de praxe. Os muitos interesses em jogo fazem com que cargos fiquem
vagos por períodos absurdamente longos. Recentemente, a Coluna do Estadão lembrou
que a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) está sem presidente há mais de
um ano, desde abril do ano passado.
O motivo, destaca a nota, é a falta de
entendimento político entre o governo Lula da Silva e o Centrão. Em março de
2023, Lula chegou a publicar no Diário Oficial a efetivação do
diretor Tiago Sousa Pereira, que ocupa o cargo como interino, mas o despacho
nunca foi encaminhado para chancela do Senado. Parlamentares do Centrão
avisaram ao governo que querem fazer a indicação, mas o corpo da Anac pressiona
para que um técnico ocupe o posto.
É inadmissível que organismos voltados a
manter a confiabilidade de um mercado que atende basicamente aos interesses da
população sejam disputados por conveniências político-partidárias. São
instituições que regulam setores de energia elétrica, telecomunicações, aviação
civil, transportes terrestres, saúde complementar, vigilância sanitária, entre
outros, com o objetivo principal de garantir o bom funcionamento dos serviços.
Com a avidez política, perde a população e perde o País.
GCM maior e menos eficiente
O Estado de S. Paulo
SP tem mais guardas-civis, mas ações caem,
num claro sinal de trabalho mal realizado
O contingente de guardas-civis municipais
cresceu nos últimos anos na cidade de São Paulo, mas as ações executadas pela
corporação diminuíram. É difícil entender esse fenômeno, no qual mais agentes
entregaram menos serviços essenciais à população paulistana, mas é exatamente
isso o que os números sobre a Guarda Civil Metropolitana (GCM) revelam em
relação ao seu trabalho entre 2020 e 2023.
Justamente nesse período, em que a quantidade
de agentes saltou de 5.955 para 7.106, os indicadores sobre a GCM da maior
metrópole do País só registraram queda. Foram realizadas menos, e não mais,
ações de apoio à fiscalização em área municipal, combate ao comércio irregular,
patrulha em unidades escolares, proteção ambiental e apoio à Operação Redenção
– iniciativa voltada à Cracolândia. O volume de multas aplicadas caiu.
Os dados obtidos por meio da Lei de Acesso à
Informação (LAI) pelo colunista do Estadão Marcelo Godoy mostram que
o paulistano está diante de um cenário, no mínimo, de incompetência ou
ineficiência. Há algo de muito errado no atendimento das demandas da população,
e os números da própria Prefeitura não foram capazes de levar a uma revisão da
aplicação da força de trabalho da GCM. Ao contrário.
Essa “tropa” que só cresce parece ter se
distanciado de suas responsabilidades constitucionais – tais como proteção de
bens, serviços e instalações do Município. Talvez isso ajude a explicar o
abandono da capital nos últimos anos.
Ademais, desde 2021, os guardas-civis
passaram a portar fuzis, como se policiais militares fossem. Enquanto não
prestam seus serviços de caráter preventivo a contento e invadem esferas do
policiamento ostensivo, agentes da GCM – da banda podre, importante destacar –
já se viram enredados em uma série de condutas condenáveis. São relatos de
truculência contra a população em situação de rua e, no mais recente escândalo,
suspeita de envolvimento em uma milícia que extorquia comerciantes na
Cracolândia.
Nada disso, ao que tudo indica, freou o
populismo em tempos de embate eleitoral, independentemente da coloração
ideológica daqueles que se apresentam para comandar a cidade pelos próximos
quatro anos. Recentemente, o prefeito Ricardo Nunes (MDB), que tentará a
reeleição e passou a adotar um discurso duro na área de segurança pública para
se alinhar ao bolsonarismo, autorizou a nomeação de mais 500 agentes. Guilherme
Boulos (PSOL), por sua vez, prometeu dobrar o contingente de guardas-civis.
Definitivamente, a falta de agentes municipais não parece ser o problema de São
Paulo.
O próximo prefeito poderá ajudar muito na
área de segurança pública, a começar por colocar os guardas-civis para
trabalhar bem, em ações de prevenção e na proteção do patrimônio municipal, por
exemplo. Promessas de fortalecimento da GCM para combater o crime, como as de
muitos candidatos, a depender do seu histórico no cumprimento das obrigações
mais elementares, são inócuas. Se falha no básico, nada garante que terá êxito
nessa missão, que, vale sempre lembrar, compete às polícias.
Nova era no funcionalismo
Correio Braziliense
O CNPU pode inaugurar novo patamar para a
formação dos quadros da administração federal. O modelo centralizado, além de
representar uma economia, tende a agilizar nomeações e padronizar o serviço
público
Mais de 2 milhões de brasileiros disputam,
neste domingo, uma oportunidade de emprego no serviço público federal. Sob
qualquer perspectiva, o Concurso Público Nacional Unificado (CNPU) reúne
números impressionantes. O certame será realizado de forma simultânea em 228
cidades, exige um esforço de logística poucas vezes visto no país e demanda um
amplo e sofisticado esquema de segurança e antifraude. Um total de 6.640 vagas
são ofertadas para 21 órgãos da administração pública. Não se tem registro de
um concurso público dessa magnitude.
A seleção conduzida pelo Ministério da Gestão
e Inovação, se bem-sucedida, pode inaugurar um novo patamar para a formação dos
quadros da administração federal. Em primeiro lugar, porque busca realizar uma
única seleção para atender diversos órgãos, de modo a reduzir custos com
elaboração de provas, logística, segurança e outros itens. Esse modelo
centralizado, além de representar uma economia, tende a agilizar a nomeação de
novos servidores.
A ideia de realizar uma prova unificada
obedece a um princípio oportuno: padronizar o serviço público. O "Enem dos
concursos" tem como objetivo formar um corpo de funcionários com
habilidades e conhecimentos comuns, que possam ser aplicados em qualquer órgão
da administração federal. Naturalmente, em outras etapas do concurso serão
consideradas as aptidões específicas do candidato, mas busca-se em primeiro
lugar uma base de servidores que poderia exercer funções necessárias em
qualquer uma das instituições que aderiram ao CNPU. Trata-se de uma lógica para
estimular competências transversais na máquina pública.
Estima-se que a administração federal conta
atualmente com 45 planos de carreira distintos. Trata-se de um cipoal de cargos
e funções semelhantes, mas com discrepâncias de toda ordem, principalmente
salariais. Uma das consequências mais danosas desse descompasso se verifica nas
negociações entre as diversas categorias do serviço público e o governo
federal. Apenas para citar um exemplo, os diplomatas aprovaram, na semana
passada, um inédito indicativo de greve. Entre outras demandas, reivindicam uma
reposição salarial equivalente à concedida a outras carreiras de Estado do
mesmo nível, como advogados da União.
A padronização do serviço público, premissa
do Concurso Nacional Unificado, representa uma iniciativa pertinente para uma
discussão relevante: a eficiência do Estado. Comparativamente com outros
países, o Brasil tem um baixo número de servidores por habitante. É preciso,
sim, reforçar e qualificar a administração pública. Essa situação se torna mais
dramática na medida em que o país ainda enfrenta enormes carências, que exigem
uma presença firme e constante do poder público. Não há como combater a miséria,
melhorar a educação, atender ao cidadão, reduzir o desmatamento e enfrentar o
crime organizado sem um quadro robusto de servidores qualificados.
Cumpre ressaltar, no entanto, que o reforço
de pessoal da administração pública precisa andar conjugado com outro princípio
basilar: o zelo com o erário. A padronização das categorias do funcionalismo
facilita o planejamento orçamentário, corrige distorções salariais e permite
uma negociação mais equilibrada para eventuais reajustes. Mas também serve de
critério para verificar se o dinheiro do contribuinte utilizado para manutenção
da máquina pública oferece o melhor resultado possível para o cidadão.
Espera-se, portanto, que os futuros aprovados
no Concurso Nacional Unificado façam parte de uma geração de servidores
públicos que busque a excelência para a sociedade, que contribui muito com
impostos e, frequentemente, recebe em troca serviços públicos de má qualidade.
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