domingo, 18 de agosto de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Propor nova eleição na Venezuela não tem nexo

O Globo

Ideia foi aventada por Lula, Gustavo Petro e Celso Amorim. Mas já houve pleito em julho — e Maduro perdeu

Na segunda reunião ministerial deste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse aos presentes que o venezuelano Nicolás Maduro deveria tomar a iniciativa de convocar uma nova eleição. Uma semana depois, falou publicamente sobre o assunto. “Se Maduro tiver bom senso, podia tentar fazer uma conclamação ao povo da Venezuela, quem sabe até convocar novas eleições”, disse. Horas depois, o presidente colombiano, Gustavo Petro, defendeu a mesma ideia. Em seguida, o assessor para Assuntos Internacionais do Palácio do Planalto, Celso Amorim, negou ter formulado a alternativa, mas voltou a tratar o tema como uma possibilidade. A ideia é um absurdo sem nenhum nexo.

Já houve eleição na Venezuela. Ela ocorreu em 28 de julho — e Maduro perdeu, apesar de o Conselho Nacional Eleitoral, dominado por chavistas, tê-lo declarado vencedor quando a contagem de votos não terminara, e era impossível chegar a tal conclusão. Em desafio ao clamor dentro e fora do país, os boletins com resultado individual de cada urna — conhecidos como “atas” — nunca foram apresentados pelas autoridades. O embaraço do governo com a situação inusitada só não é maior que a fraude. Maduro queria uma eleição apenas para passar um verniz de legitimidade em seu regime ditatorial. Desta vez, o oposicionista Edmundo González ganhou por margem tão eloquente — confirmada por apurações independentes com base nas atas que vieram a público, pela Organização dos Estados Americanos e pelo insuspeito Carter Center — que ficou simplesmente impossível justificar o roubo.

Indagada sobre a proposta descabida de Brasil e Colômbia, María Corina Machado, principal voz da oposição venezuelana, que, mesmo impedida de concorrer, transferiu votos a González, respondeu com um questionamento lógico: “Vamos para uma segunda eleição e, se não gostarem do resultado, iremos para uma terceira? Quarta? Quinta? Até que o presidente Nicolás Maduro goste dos resultados? Vocês aceitariam isso em seu país? Se o resultado não for satisfatório, repete-se a eleição?”. É tão ridículo que chega a ser chocante que Lula, Amorim e Petro tenham sequer aventado a hipótese.

Em nota, ex-líderes de países como Espanha, Costa Rica e Paraguai, reunidos no Grupo Idea, criticaram a proposta como “escandalosa”: “Tal ação se tornaria um atentado ao direito democrático interamericano, pois anularia a vontade popular já expressa de forma inequívoca nas urnas de 28 de julho e ignoraria a inquestionável derrota da ditadura de Maduro”. Até chavistas rechaçaram a ideia, e o presidente do partido governista na Venezuela, Diosdado Cabello, classificou a iniciativa atribuída a Amorim como “estupidez” e “sem pé nem cabeça”.

Os esforços da diplomacia brasileira por uma solução para o impasse com diálogo e participação de outros países da região são bem-vindos. Brasil e Venezuela dividem fronteira, história e têm responsabilidades na conservação da maior floresta tropical do mundo. A crise humanitária e o êxodo venezuelano assumiram proporções sem precedente. Mas o governo brasileiro não deveria apoiar propostas esdrúxulas. Lula voltou a afirmar na sexta-feira não ver a Venezuela como ditadura, apenas como “regime desagradável” com “viés autoritário”. Se chamasse as coisas pelo devido nome, a imagem do Brasil não seria ainda mais arranhada pela vista grossa aos desmandos de Maduro.

Autoridades devem adotar medidas mais eficazes contra furtos de celular

O Globo

Apesar de iniciativas bem-sucedidas no combate, a cada minuto 28 celulares são levados por criminosos

Nas ruas, cidadãos têm a sensação de que a qualquer momento seu celular pode ser furtado, tamanha a insegurança nas cidades brasileiras. Uma pesquisa Datafolha mostra que esse sentimento se justifica. Um em cada dez brasileiros afirma que, nos 12 meses entre julho do ano passado e junho deste ano, seu aparelho foi roubado ou furtado. Estima-se, com base em projeções, que 1.680 celulares sejam levados por criminosos a cada hora, ou 28 a cada minuto.

O número supera em mais de 15 vezes os furtos e roubos de celulares registrados oficialmente por ano. Não chega a surpreender, uma vez que a subnotificação nesse tipo de crime é alta. Em geral, apenas aqueles que têm seguro procuram a delegacia. Na pesquisa, 9,2% dos entrevistados disseram ter sido roubados ou furtados. O problema é mais comum nas cidades que no interior (15% ante 6%). Em municípios com mais de 500 mil habitantes, são 14%.

Mesmo os números oficiais já são alarmantes. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 937.294 celulares foram furtados ou roubados em 2023 — 107 por hora, ou quase dois por minuto. Ainda que tenha havido queda em relação a 2022, a situação não é menos preocupante. Roubos são mais frequentes nos dias úteis e os furtos nos fins de semana.

O problema ganha dimensão ainda maior quando se sabe que o furto de celular é porta de entrada para outros tipos de crimes, como o estelionato. Bandidos procuram surrupiar o aparelho desbloqueado, quando alguém está falando ou teclando, para obter acesso a contas bancárias e a outros dados pessoais das vítimas. Além de perderem o telefone, elas ainda podem sofrer prejuízos astronômicos com os crimes digitais. Não surpreende que hoje haja mais furtos que roubos de celular.

Tudo isso expõe a ineficiência das políticas públicas para garantir a segurança dos cidadãos. Existem, é verdade, programas bem-sucedidos para coibir roubos e furtos de celular e minimizar os danos às vítimas. O Piauí criou um banco de dados com a identidade digital dos aparelhos, aprofundou investigações, fez parcerias com operadoras e passou a reprimir a revenda. O sistema dispara intimações para aqueles cujo celular foi furtado e reduziu os crimes em 44%. O sucesso do projeto levou o governo federal a incorporá-lo ao sistema Celular Seguro, que permite o bloqueio rápido do chip e dos aplicativos de aparelhos furtados. Criado no ano passado, o programa já tem mais de 2 milhões de cadastrados e deverá ganhar em breve novos recursos.

Apesar dessas iniciativas, a sensação da população é que furtos e roubos de celular se tornaram tão comuns que exigem uma estratégia para evitá-los. O manual de sobrevivência recomenda não falar ao telefone em locais públicos, deixá-lo bem guardado, de preferência escondido dentro da roupa, ou até separar um aparelho velho para sair à rua, o “celular do ladrão”. Os governos deveriam se preocupar com isso e buscar inspiração nas iniciativas bem-sucedidas de combate às quadrilhas. Até porque o medo da população costuma se refletir nas urnas.

Programas sociais têm a ganhar em eficiência

Folha de S. Paulo

Governo acerta ao rever dados para evitar fraude e conter gasto; é preciso eliminar desembolsos sem foco nos mais pobres

O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda resiste a adotar medidas estruturais para reduzir o ritmo insustentável de crescimento dos gastos federais, mas ao menos já reconhece que há um problema. Daí a promessa de revisão de programas com o objetivo de economizar R$ 25,9 bilhões em 2025.

A trajetória atual de gastos (alta de 15% acima da inflação nos últimos 12 meses) está muito acima do padrão já temerário observado a partir do Plano Real, de 1994.

Até o impeachment da petista Dilma Rousseff, a despesa federal não financeira cresceu cerca de 6% ao ano, em média, e foi contida apenas com o teto constitucional que vigorou entre 2017 e 2022.

O lento ajuste começou a ser desmontado na gestão de Jair Bolsonaro (PL), em especial com a chamada PEC Kamikaze, que tinha por objetivo sua reeleição.

A medida perdulária e em parte ilegal, por decisão recente do Supremo Tribunal Federal, foi sucedida por outra emenda, patrocinada por Lula, que adicionou R$ 150 bilhões ao Orçamento.

Depois, em substituição ao teto, adotou-se o novo marco fiscal, que vem se mostrando ineficaz para conter a escalada da dívida pública.

A permissibilidade petista ainda impera, mas o ensaio de maior racionalidade é bem-vindo e abre um necessário debate sobre reformas nos programas sociais.

Um exemplo é o pente-fino no Benefício de Prestação Continuada (BPC), que paga um salário mínimo a 6 milhões de pessoas —1 milhão delas foram incluídas nos últimos dois anos.

Segundo o governo, os cortes poderão suspender 11 de cada 100 pagamentos e economizar R$ 6,6 bilhões, uma evidência da má qualidade da base de dados e das fraudes que permeiam vários programas. Cerca de 1,7 milhão de beneficiários estão com informações desatualizadas há mais de 24 meses.

Outra medida é a revisão do cadastro único que serve de base para o Bolsa Família e outras ações, a primeira em 14 anos. Abarcando 94 milhões de pessoas, quase a metade da população do país, o instrumento baliza desembolsos de R$ 280 bilhões ao ano.

Um exemplo da fragilidade nos critérios de concessão de benefícios é o crescimento anômalo do número de famílias uniparentais, que amplia a clientela e os gastos.

Cumpre aperfeiçoar as bases de dados, inclusive para viabilizar o cashback, mecanismo criado na reforma tributária para a devolução de parte dos impostos para a população de baixa renda.

Há mais a fazer, como a eliminação de programas ineficientes e mal focalizados, para que o portentoso aparato brasileiro de seguridade seja mais eficiente no combate à pobreza e à desigualdade.

Além do desmate

Folha de S. Paulo

Governo precisa combater a degradação florestal, que transcende o corte raso

Poucas coisas superam as evidências científicas no ajuste de políticas públicas. Após o negacionismo de Jair Bolsonaro (PL), Luiz Inácio Lula da Silva (PT) precisa aperfeiçoar sua sensata política ambiental com dados objetivos.

O uso do solo e suas mudanças, como a conversão de florestas em pastagens e lavouras, responde por três quartos das emissões brasileiras de carbono. O desmate na amazônia turbina o aquecimento global, que, por sua vez, deixa as áreas verdes mais vulneráveis.

Na primeira etapa desse ciclo vicioso, a biomassa desmatada se converte em CO2 e engrossa a capa que retém calor na atmosfera. Na segunda, a alta temperatura impacta o regime de chuvas e resseca o bioma, que pode entrar numa espiral de estiagem, fogo e morte.

Até o momento, o governo federal dá prioridade ao desmatamento —como deve ser. Estudos vêm indicando, no entanto, que uma destruição mais insidiosa, a chamada degradação florestal, pode minar parte desse esforço.

Pesquisa da Universidade Wake Forest, publicada na revista da academia de ciências dos EUA no começo deste mês, destaca esse terceiro elo da cadeia devastadora. O artigo aponta que a extração de madeira, queimadas e outras atividades estariam lançando mais carbono na atmosfera que o próprio desmatamento por corte raso.

clima sofre um duplo golpe da sociedade brasileira na sua gestão da maior floresta tropical do planeta. Golpe que ricocheteia na própria amazônia, fustigada pela atmosfera aquecida, e no Brasil quase todo, sob a ameaça de colapso pelos "rios voadores" que ela origina e que levam chuvas para as regiões Sudeste e o Sul.

Cabe ao Ministério do Meio Ambiente ampliar as medidas de prevenção e combate ao desmatamento para conter também as atividades degradadoras que não utilizem o corte raso. E não só na amazônia.

O cerrado —bioma mais ameaçado do Brasil— contribui para a emissão de CO2 e tem papel fundamental na regularização de recursos hídricos para a agropecuária. A multiplicação de impactos sobre o ambiente e o clima exige uma política igualmente multifatorial.

Torneirinha de asneiras

O Estado de S. Paulo

Sem saber o que dizer, Lula fala em nova eleição ou governo de coalizão na Venezuela. Mas não parou aí: para ele, a Venezuela de Maduro ‘não é uma ditadura’, é só um ‘regime desagradável’

Quando falava sem pensar, abrindo sua famosa “torneirinha de asneiras”, Emília ainda tinha a desculpa de ser só uma boneca de pano. Diferentemente da personagem de Monteiro Lobato, no entanto, o petista Lula da Silva precisa medir as palavras, porque é presidente da República, e tudo que um presidente diz afetará a vida muito além do Sítio do Pica-Pau Amarelo. Mas Lula, sem saber o que dizer ou como se comportar diante da crise deflagrada pelo seu companheiro Nicolás Maduro, ditador da Venezuela que, ora vejam, age como ditador, resolveu rivalizar com Emília na capacidade de proferir asneiras.

Para Lula, o governo de Maduro “não é uma ditadura”, e sim “um regime muito desagradável”. De fato, é bastante “desagradável” para quem ousa discordar de Maduro. Os muitos presos políticos, os jornalistas perseguidos e os milhões de exilados também acham tudo muito “desagradável” na Venezuela de Maduro. Se Lula procurar bem, encontrará ditaduras muito menos “desagradáveis” do que o regime chavista da Venezuela.

Lula, recorde-se, é aquele que havia dito que nada de “grave” ou “anormal” se passou nas eleições venezuelanas, escandalosamente roubadas pelo ditador companheiro. Agora, o petista flerta com ideias estapafúrdias como a realização de “novas eleições” ou então um “governo de coalizão”.

Ora, uma coisa é empreender esforços diplomáticos para evitar um banho de sangue na Venezuela, e outra, muito diferente, é ofender a inteligência alheia e a oposição venezuelana – que venceu democraticamente a eleição a despeito de toda a truculência chavista. Como comentou um site humorístico venezuelano, El Chigüire Bipolar, “o Brasil propõe repetir as eleições até que Maduro vença”.

Além de até hoje não ter divulgado as atas eleitorais que provariam que Maduro realmente prevaleceu nas urnas, o regime venezuelano segue escalando ações contra a oposição, encarcerando milhares de pessoas, ou contra quem apresente evidências de que o processo eleitoral foi fraudado. Em resposta a um relatório da ONU que conclui que a Venezuela não cumpriu requisitos básicos de “transparência e integridade”, o presidente da Assembleia venezuelana, Jorge Rodríguez, do mesmo partido de Maduro, classificou o documento de “lixo” e ameaçou proibir a presença de observadores estrangeiros em futuras eleições.

Tal reação já demonstra o quanto a ideia de uma nova eleição, soprada no ouvido de Lula pelo assessor especial da Presidência, Celso Amorim, é, digamos, exótica. Ora, nenhuma eleição sob o regime delinquente de Maduro jamais será limpa e justa. As realizadas até aqui, comumente festejadas pelos petistas como prova do vigor da “democracia” na Venezuela chavista, tampouco foram limpas e justas, mas nunca foi necessário roubar no resultado, porque de fato a oposição perdeu na contagem de votos. Agora que a oposição obviamente ganhou, Maduro se viu obrigado a roubar a eleição. E o fará quantas vezes forem necessárias para permanecer no poder, como já devia estar claro para todos.

O fato é que o governo lulopetista foi pego de surpresa com o desfecho da eleição. Assim como o regime de Maduro esperava ganhar o pleito com facilidade, como aconteceu no passado, graças ao controle total sobre o processo eleitoral, à censura generalizada e à violência política contra a oposição, Lula provavelmente também contava com a vitória do companheiro. Não havia plano alternativo para o caso de Maduro fraudar a eleição tão descaradamente.

É por isso que Lula anda balbuciando frases desconexas ao abordar a crise. “Tem várias saídas”, disse o presidente, ignorando o fato de que “saída”, mesmo, só tem uma: Maduro reconhecer que perdeu a eleição. Mas a natureza de Lula sempre fala mais alto: para o petista, basta que Maduro faça um “governo de coalizão” ou “uma composição”. Afinal, “muita gente não votou em mim e eu trouxe todo mundo para o governo”. Ora, se Maduro perdeu a eleição, não é ele quem tem de fazer um “governo de coalizão”, e sim o vencedor da eleição, que é da oposição.

É o caso de perguntar a Lula se ele aceitaria participar de uma nova eleição ou de um “governo de coalizão” com Jair Bolsonaro, caso este fraudasse a eleição de 2022 e permanecesse à força na Presidência. Obviamente sabemos a resposta.

A rusga entre governo e agências

O Estado de S. Paulo

Disputas político-partidárias por controle de agências reguladoras prejudicam a fiscalização de empresas privadas prestadoras de serviços públicos e desvirtuam papel das autarquias

A relação entre o governo federal e as agências reguladoras hoje é de guerra declarada, e o motivo é a mistura indesejável de interesses políticos com a efetiva atuação fiscalizadora dos prestadores de serviços públicos. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, reclamou do que classificou de “boicote ao governo” o fato de que a maioria dos diretores das agências foi “escolhida pelo governo anterior”. De outro lado, as 11 reguladoras firmaram nota conjunta denunciando “a situação crítica orçamentária e de pessoal” que estão enfrentando.

Em audiência pública na Câmara dos Deputados, Silveira afirmou que há uma distorção “gravíssima” entre “quem ganha as eleições e as agências reguladoras”. Ora, quem ganha as eleições, embora queira, não pode tudo. Por exemplo, não pode querer que as agências reguladoras se submetam à agenda do governo. O espírito das agências não é esse: elas são parte do Estado, que por definição é apartidário.

O que tem sido observado ao longo do tempo, contudo, é o flagrante desvio do objetivo original para fazer com que as agências se tornem meros apêndices do organismo estatal na divisão de cargos que costuma acompanhar a barganha por apoio político, além de instrumentos para acatar – de preferência sem contestação – propostas regulatórias do interesse do governo. Ora, a ideia que permitiu a criação dessas autarquias especiais vai na direção oposta.

Concebidas a partir da década de 1990 para regular um mercado de infraestrutura que se abria à iniciativa privada por meio do leilão de empresas estatais, as agências idealmente teriam autonomia de gestão, decisória e financeira. Esta última é alvo de intensos debates desde o início de sua atuação. Além de terem direito a recursos do Tesouro, as agências, em sua maior parte, têm arrecadação própria, com taxas setoriais pagas por empresas e consumidores, em montante suficiente para bancar com folga suas operações. Mas todos os recursos vão para o caixa único do orçamento e só uma fração retorna às autarquias.

Daí a grita das instituições que motivou o comunicado conjunto divulgado há cerca de dois meses. No documento, as agências expuseram que, juntas, arrecadam mais de R$ 130 bilhões por ano, enquanto o orçamento para 2024 ficou em torno de R$ 5 bilhões, “o que por si já demonstra a vantagem econômica desse modelo regulador”. Ao serem surpreendidas pelo corte orçamentário de 20%, decidiram lançar a nota pública que alerta sobre a inviabilidade de manter os serviços de fiscalização e controle.

Apesar de terem autonomia de gestão, as agências, como autarquias, são submetidas ao governo, inclusive na indicação de seus dirigentes, que devem ter também o aval do Poder Legislativo, nas sabatinas de praxe. Os muitos interesses em jogo fazem com que cargos fiquem vagos por períodos absurdamente longos. Recentemente, a Coluna do Estadão lembrou que a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) está sem presidente há mais de um ano, desde abril do ano passado.

O motivo, destaca a nota, é a falta de entendimento político entre o governo Lula da Silva e o Centrão. Em março de 2023, Lula chegou a publicar no Diário Oficial a efetivação do diretor Tiago Sousa Pereira, que ocupa o cargo como interino, mas o despacho nunca foi encaminhado para chancela do Senado. Parlamentares do Centrão avisaram ao governo que querem fazer a indicação, mas o corpo da Anac pressiona para que um técnico ocupe o posto.

É inadmissível que organismos voltados a manter a confiabilidade de um mercado que atende basicamente aos interesses da população sejam disputados por conveniências político-partidárias. São instituições que regulam setores de energia elétrica, telecomunicações, aviação civil, transportes terrestres, saúde complementar, vigilância sanitária, entre outros, com o objetivo principal de garantir o bom funcionamento dos serviços. Com a avidez política, perde a população e perde o País.

GCM maior e menos eficiente

O Estado de S. Paulo

SP tem mais guardas-civis, mas ações caem, num claro sinal de trabalho mal realizado

O contingente de guardas-civis municipais cresceu nos últimos anos na cidade de São Paulo, mas as ações executadas pela corporação diminuíram. É difícil entender esse fenômeno, no qual mais agentes entregaram menos serviços essenciais à população paulistana, mas é exatamente isso o que os números sobre a Guarda Civil Metropolitana (GCM) revelam em relação ao seu trabalho entre 2020 e 2023.

Justamente nesse período, em que a quantidade de agentes saltou de 5.955 para 7.106, os indicadores sobre a GCM da maior metrópole do País só registraram queda. Foram realizadas menos, e não mais, ações de apoio à fiscalização em área municipal, combate ao comércio irregular, patrulha em unidades escolares, proteção ambiental e apoio à Operação Redenção – iniciativa voltada à Cracolândia. O volume de multas aplicadas caiu.

Os dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) pelo colunista do Estadão Marcelo Godoy mostram que o paulistano está diante de um cenário, no mínimo, de incompetência ou ineficiência. Há algo de muito errado no atendimento das demandas da população, e os números da própria Prefeitura não foram capazes de levar a uma revisão da aplicação da força de trabalho da GCM. Ao contrário.

Essa “tropa” que só cresce parece ter se distanciado de suas responsabilidades constitucionais – tais como proteção de bens, serviços e instalações do Município. Talvez isso ajude a explicar o abandono da capital nos últimos anos.

Ademais, desde 2021, os guardas-civis passaram a portar fuzis, como se policiais militares fossem. Enquanto não prestam seus serviços de caráter preventivo a contento e invadem esferas do policiamento ostensivo, agentes da GCM – da banda podre, importante destacar – já se viram enredados em uma série de condutas condenáveis. São relatos de truculência contra a população em situação de rua e, no mais recente escândalo, suspeita de envolvimento em uma milícia que extorquia comerciantes na Cracolândia.

Nada disso, ao que tudo indica, freou o populismo em tempos de embate eleitoral, independentemente da coloração ideológica daqueles que se apresentam para comandar a cidade pelos próximos quatro anos. Recentemente, o prefeito Ricardo Nunes (MDB), que tentará a reeleição e passou a adotar um discurso duro na área de segurança pública para se alinhar ao bolsonarismo, autorizou a nomeação de mais 500 agentes. Guilherme Boulos (PSOL), por sua vez, prometeu dobrar o contingente de guardas-civis. Definitivamente, a falta de agentes municipais não parece ser o problema de São Paulo.

O próximo prefeito poderá ajudar muito na área de segurança pública, a começar por colocar os guardas-civis para trabalhar bem, em ações de prevenção e na proteção do patrimônio municipal, por exemplo. Promessas de fortalecimento da GCM para combater o crime, como as de muitos candidatos, a depender do seu histórico no cumprimento das obrigações mais elementares, são inócuas. Se falha no básico, nada garante que terá êxito nessa missão, que, vale sempre lembrar, compete às polícias.

Nova era no funcionalismo

Correio Braziliense

O CNPU pode inaugurar novo patamar para a formação dos quadros da administração federal. O modelo centralizado, além de representar uma economia, tende a agilizar nomeações e padronizar o serviço público

Mais de 2 milhões de brasileiros disputam, neste domingo, uma oportunidade de emprego no serviço público federal. Sob qualquer perspectiva, o Concurso Público Nacional Unificado (CNPU) reúne números impressionantes. O certame será realizado de forma simultânea em 228 cidades, exige um esforço de logística poucas vezes visto no país e demanda um amplo e sofisticado esquema de segurança e antifraude. Um total de 6.640 vagas são ofertadas para 21 órgãos da administração pública. Não se tem registro de um concurso público dessa magnitude.

A seleção conduzida pelo Ministério da Gestão e Inovação, se bem-sucedida, pode inaugurar um novo patamar para a formação dos quadros da administração federal. Em primeiro lugar, porque busca realizar uma única seleção para atender diversos órgãos, de modo a reduzir custos com elaboração de provas, logística, segurança e outros itens. Esse modelo centralizado, além de representar uma economia, tende a agilizar a nomeação de novos servidores. 

A ideia de realizar uma prova unificada obedece a um princípio oportuno: padronizar o serviço público. O "Enem dos concursos" tem como objetivo formar um corpo de funcionários com habilidades e conhecimentos comuns, que possam ser aplicados em qualquer órgão da administração federal. Naturalmente, em outras etapas do concurso serão consideradas as aptidões específicas do candidato, mas busca-se em primeiro lugar uma base de servidores que poderia exercer funções necessárias em qualquer uma das instituições que aderiram ao CNPU. Trata-se de uma lógica para estimular competências transversais na máquina pública. 

Estima-se que a administração federal conta atualmente com 45 planos de carreira distintos. Trata-se de um cipoal de cargos e funções semelhantes, mas com discrepâncias de toda ordem, principalmente salariais. Uma das consequências mais danosas desse descompasso se verifica nas negociações entre as diversas categorias do serviço público e o governo federal. Apenas para citar um exemplo, os diplomatas aprovaram, na semana passada, um inédito indicativo de greve. Entre outras demandas, reivindicam uma reposição salarial equivalente à concedida a outras carreiras de Estado do mesmo nível, como advogados da União. 

A padronização do serviço público, premissa do Concurso Nacional Unificado, representa uma iniciativa pertinente para uma discussão relevante: a eficiência do Estado. Comparativamente com outros países, o Brasil tem um baixo número de servidores por habitante. É preciso, sim, reforçar e qualificar a administração pública. Essa situação se torna mais dramática na medida em que o país ainda enfrenta enormes carências, que exigem uma presença firme e constante do poder público. Não há como combater a miséria, melhorar a educação, atender ao cidadão, reduzir o desmatamento e enfrentar o crime organizado sem um quadro robusto de servidores qualificados.

Cumpre ressaltar, no entanto, que o reforço de pessoal da administração pública precisa andar conjugado com outro princípio basilar: o zelo com o erário. A padronização das categorias do funcionalismo facilita o planejamento orçamentário, corrige distorções salariais e permite uma negociação mais equilibrada para eventuais reajustes. Mas também serve de critério para verificar se o dinheiro do contribuinte utilizado para manutenção da máquina pública oferece o melhor resultado possível para o cidadão.

Espera-se, portanto, que os futuros aprovados no Concurso Nacional Unificado façam parte de uma geração de servidores públicos que busque a excelência para a sociedade, que contribui muito com impostos e, frequentemente, recebe em troca serviços públicos de má qualidade.

 

 

 


 

 



 

 

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