O Globo
Em artigo, presidente de honra da Abrapel
destaca efeitos positivos e negativos da divulgação dos levantamentos
No mundo, a resposta prevalecente é
afirmativa na maioria dos países. Predomina o entendimento de que sua
publicação pode prejudicar de alguma forma a higidez das disputas, ao menos na
fase final, nos dias que antecedem as votações. Dois terços das nações que
fazem eleições regulares em cinco continentes determinam algum período de
blackout, de vedação da divulgação de pesquisas antes das eleições. Enquanto
nos EUA, sob o manto da 1ª Emenda, não há qualquer proibição a respeito, na
Europa, dos 41 países com processos eleitorais frequentes apenas 11 não têm
interdições, as quais costumam variar entre um e seis dias. No Brasil, a
resposta também vai na mesma direção, porque é expressamente proibido divulgar
pesquisas no dia do pleito até o fechamento das urnas, conforme a Lei 9504/1997
que visa evitar influências de última hora no comportamento dos eleitores.
Mas, afora o exame do tema através desse enquadramento legal, essa pergunta pode ser respondida a partir de três perspectivas.
O primeiro enfoque é acadêmico. Poucas áreas
da ciência política são tão estudadas quanto a de eleições. No meu caso, há
décadas me debruço sobre ela. Foi minha principal área de estudos no mestrado
em sociologia e no doutoramento em ciência política. A maioria dos livros que
escrevi versa sobre eleições.
E o que tenho constatado? Uma porção
significativa da literatura destaca os efeitos positivos da divulgação das
pesquisas ao promover a transparência da informação, e ao estimular a
participação cidadã, aumentando o grau de interesse dos indivíduos e o sentimento
de envolvimento com a marcha das eleições.
Ao mesmo tempo, as ciências sociais
catalogaram cinco diferentes tipos de impacto direto, alguns deles
potencialmente “negativos”, decorrentes da publicação das pesquisas. Porém,
como se verá, todos estão associados a diferentes perfis psicológicos dos cidadãos.
1. Efeito bandwagon. Efeito manada. A
tendência de um segmento do público a seguir o líder, a apoiar o vencedor.
2. Efeito underdog. A solidariedade ao
azarão, combinada com um certo voto de protesto, um sucedâneo do voto em branco
ou nulo. Foi isso que provavelmente impulsionou, em 2018, o Cabo Daciolo,
permitindo-lhe ultrapassar Marina Silva e Henrique Meirelles.
3. Estímulo ao absenteísmo. Por parte de
alguns que ao verem seus candidatos ou sem chances ou já sabidamente vitoriosos
por largas margens, e sentindo que o resultado já está definido resolvem não ir
votar. Sobre isso, um texto clássico de Seymour Sudman (1986) concluiu que
havia um declínio entre um e cinco pontos percentuais do voto total em
distritos da Costa Oeste norte americana onde as urnas fechavam muito tarde e
os eleitores tomavam conhecimento das pesquisas de boca de urna do resto do
país. Naqueles casos em que se antevia vitórias claras, quando as estimativas
anteriores eram de empate ou muito próximas disso. Polêmicas sobre as projeções
nos anos 80 e na eleição de 2000 levaram os principais veículos e os
pesquisadores a aderirem desde então a um embargo voluntário da boca de urna
até que todas as seções tenham seus trabalhos concluídos.
4. Voto estratégico. A informação
qualificada proveniente das pesquisas ajuda um contingente de pessoas a
redirecionar seu voto para tentar derrotar o candidato pelo qual têm maior
rejeição. Exemplo: para um eleitor paulistano “estratégico” de direita a
pergunta inescapável é: quem tem mais condições de derrotar Boulos? Conforme já
escrevi a respeito (Lavareda,2023), o voto estratégico é próprio de contextos
pluripartidários. Atingiu em diferentes momentos 5% dos votantes no Reino
Unido, 6% dos canadenses, 9% dos alemães, 7% dos portugueses, e pelo menos 4%
dos votantes brasileiros. O que pode fazer uma grande diferença em contextos de
competição acirrada.
5. Voto randômico. Por fim, o voto
errático. No Brasil, 10% dos eleitores já confessaram que mudaram em algum
momento suas preferências por motivos os mais aleatórios. As pesquisas podendo
ser um desses fatores.
Como vimos, não há uma resposta conclusiva
das ciências sociais, um saldo líquido dos prós e contras do papel desempenhado
pelas pesquisas. Se jogam um papel mais positivo ou mais negativo no processo
de tomada de decisão dos eleitores.
O segundo enfoque é o dos seus efeitos sobre
as campanhas. Qual o impacto que as pesquisas divulgadas têm sob a ótica dos
que estão no bunker, no QG do marketing dos candidatos?
David Shaw, um veterano pollster e
estrategista, é autor da famosa síntese dos 3Ms para descrever os efeitos das
pesquisas sobre as campanhas. Mídia, moral e money. As campanhas veem o seu
espaço na imprensa florescer ou murchar ao ritmo dos levantamentos. O ânimo, a
moral da equipe, ser jogada para o alto ou para baixo em função dos números
divulgados, não importando que seus trackings apresentem resultados diferentes.
E as doações, ou mesmo o dinheiro do Fundo Eleitoral, irá fluir ou deixar de
fluir ao sabor dos percentuais publicados, que sugerem maiores ou menores
chances do candidato ou da candidata. Ou seja, os resultados divulgados
produzem o céu e o inferno no interior das campanhas.
Eu vivi isso de muito perto, e por muitos
anos, em 91 campanhas majoritárias dentro e fora do país, atuando como
estrategista, coordenador das pesquisas, ou coordenador de todo o marketing dos
candidatos. A ansiedade despertada pela proximidade dos números é imensa. E a
divulgação tem efeitos psicológicos profundos.
Hoje, a maior quantidade de institutos ajuda
a diluir um pouco seu impacto. Mas ainda assim é possível supor que seja
bastante grande. E não adianta falar em “movimentos nas margens de erro”. O
cérebro das pessoas computa o valor nominal, o desempenho na questão
estimulada. Pelo que, o eventual desencontro das medições, em razão de suas
metodologias, sempre gera perplexidade e insatisfação.
Imaginemos a montanha russa emocional na
semana passada em São Paulo. O QG de Marçal foi tomado de euforia na
quarta-feira, quando souberam pela Quaest que
estavam no segundo lugar, subindo quatro pontos (de 19% para 23%), praticamente
empatados com Nunes (que tinha 24%). Euforia que no dia seguinte seria
substituída pela depressão, ao saberem pelo Datafolha que continuavam em
segundo lugar, porém caindo (de 22% para 19%). E aparecendo distantes oito
pontos, portanto fora da margem de erro, de Ricardo Nunes,
que surgiu com 27% — o incumbente com o qual Marçal disputa o que tenho chamado
“a primária da Direita”.
Emoções também tiveram lugar no QG de Boulos.
Na quarta, provavelmente tensos, porque haviam oscilado negativamente na Quaest
(de 22% para 21%), e na quinta respirando aliviados com o Datafolha onde o
candidato tinha crescido de 23% para 25%.
E quanto mais disputadas as eleições, mais
episódios assim se sucederão. É inevitável. O terceiro e último ângulo é o da
mídia, da grande imprensa, onde o noticiário das pesquisas termina assumindo a
condição de eixo central da cobertura das campanhas. Acompanho de perto há 12
anos. Quando me afastei do dia a dia profissional nas campanhas, tornei-me
comentarista regular de eleições. Tendo colunas ou participando de quadros na
rádio e na TV.
Nessa dimensão, o que se constata? A
imprensa, de uma forma geral, embora não aprofunde essa discussão, procura
enfatizar o papel democrático da divulgação dos levantamentos eleitorais. De
fato, ela permite o acesso dos cidadãos a informações que sem isso estariam
restritas ao grupo de candidatos, chefes partidários e dos seus marqueteiros,
consumidores intensivos desses dados.
Nesse sentido, a resposta da mídia tem
valência inequívocamente positiva. As pesquisas — ou sua publicização —
contribuem no processo informativo das campanhas, não apenas alimentando o
discernimento dos analistas, porém, e mais importante, servindo como duplo
espelho dos eleitores, que nelas conseguem cotejar, comparar suas inclinações
individuais com as opiniões, atitudes e preferências coletivas.
É lógico que juntamente com esse papel de
excepcional importância, venha uma grande responsabilidade. Sempre haverá muito
por fazer, e creio que a maioria dos grandes veículos tem consciência disso.
Alguns criaram editorias específicas ou mantêm um time de jornalistas
especializados em pesquisas de opinião. Conscientes de que a pesquisas tem,
sim, impacto nas campanhas eleitorais. Conscientes de que elas afetam a
competitividade dos concorrentes, subsidiam o processo decisório de muitos
eleitores, e influenciam a cobertura dos próprios veículos.
Portanto, todo esforço dos jornalistas e dos
institutos de pesquisa será de fundamental importância. É crucial destacar seu
caráter momentâneo. Contextualizar os números obtidos. Lembrar das margens de
erro. Enfatizar que mudanças sempre poderão ocorrer até a última hora. Porque
esses levantamentos medem atitudes, e sempre haverá - como de resto em relação
a qualquer objeto — alguma diferença no traslado de atitudes para
comportamentos. Ou seja, imprensa e pesquisadores de forma incessante precisam
ajudar o público a interpretar corretamente as pesquisas como o que de fato
são: ferramentas de análise do cenário eleitoral. Que devem identificar
tendências, mas não podem ser encaradas como Oráculos. Não devem ser tomadas
como previsões infalíveis do que terá lugar nas urnas.
* Antonio Lavareda é cientista político e sociólogo. É presidente de honra da Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais (Abrapel). Baseado em palestra no Seminário “Pesquisa” do Lide (20/09).
Um comentário:
Magnífico, excepcional! Leitura imperdível! O autor consegue sintetizar décadas de trabalhos e experiências com eleições num texto muito informativo e cristalino, objetivo e isento. Parabéns ao autor, e ao blog por divulgar trabalho de tanta qualidade!
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