sábado, 21 de setembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Recuo do X dá ao STF oportunidade de arrefecer ânimos

O Globo

Firmeza foi necessária para Musk ceder, mas todos ganhariam se a plataforma voltasse a operar no Brasil

Não são mais que obrigatórios os passos recentes da plataforma digital X, do empresário Elon Musk, para se adequar à legislação e às ordens da Justiça brasileira. A rede retirou do ar contas suspensas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), pagou multas de R$ 18,3 milhões, contratou novos advogados e afirmou trabalhar para que volte o mais breve possível a operar “para o povo brasileiro”. Em sinal de recuo na posição arrogante de confronto assumida por Musk, o X informou que a recente restauração do serviço no país, contrariando ordem do Supremo, foi involuntária — e a plataforma voltou a sair do ar. Os movimentos dão ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, a oportunidade de também contribuir para arrefecer os ânimos, suspendendo as ordens que foram além do razoável.

É certo que a firmeza do Supremo, ao adotar uma medida extrema como suspender a plataforma, se mostrou eficaz. O X não recuou por sensatez, mas porque cedeu à pressão. Mesmo assim, Moraes extrapolou em alguns pontos. Poderia ter transmitido o mesmo recado de firmeza sem recorrer a expedientes de legalidade questionável (como multar outra empresa sem relação com o X, a Starlink, de que Musk é acionista) ou que beiram o ridículo (como multar qualquer brasileiro que use redes virtuais privadas ou outros subterfúgios tecnológicos para acessar a plataforma). Não tem cabimento investigar todos os que tentaram acessar o X no período de suspensão. O que deve ser punido é o uso da plataforma para violar as leis, não o uso em si.

É por vezes necessário ordenar a retirada do ar de postagens que desrespeitem comprovadamente a legislação. Mas é mais difícil justificar a suspensão de perfis, impedindo usuários de se manifestar indefinidamente. Tais casos podem configurar censura prévia, agredindo a liberdade de expressão assegurada pela Constituição. A suspensão só é cabível quando houver uso contumaz para cometer crimes e deve ser adotada com extrema parcimônia.

A retirada da plataforma do ar, embora tenha sido necessária para assegurar a soberania do país, não deve se alongar. Até a porta-voz do governo Joe Biden — de quem Musk é adversário — criticou a medida. No Brasil, a Associação Nacional dos Jornais (ANJ) manifestou-se contra por ver nela cerceamento à informação. É certo que foi necessária ante a postura desafiadora de Musk, que jamais deveria ter a petulância de desobedecer a ordens da Justiça. Também foi referendada por unanimidade quando analisada pela Primeira Turma do STF no início do mês. Mas os indícios de mudança de atitude do X deveriam levar os ministros a reconsiderá-la.

Nenhum excesso de Moraes, porém, justifica a atitude de Musk. Feroz diante do Judiciário de uma democracia, ele fica manso quando na frente de ditadores de verdade, como o turco Recep Tayyip Erdogan ou o chinês Xi Jinping, a cujos desígnios suas empresas têm se dobrado sem reclamar. É desejável que o recuo encetado pelo X seja para valer. Todos ganharão se as decisões judiciais forem respeitadas, e a rede voltar a funcionar no Brasil.

Contrarreforma da Previdência no Supremo põe em risco equilíbrio fiscal

O Globo

Corte julga mais de 15 ações para beneficiar servidores públicos, cujo impacto passa de R$ 200 bilhões

O futuro das contas públicas, já incerto, está prestes a enfrentar uma nova ameaça: o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF), já iniciado, de mais de 15 Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) contestando alterações feitas pela reforma da Previdência aprovada em 2019 nas regras de aposentadoria do regime previdenciário dos servidores públicos federais (RPPS).

Se o governo perdesse todas as ações, o déficit da Previdência cresceria no mínimo R$ 498 bilhões ao longo dos anos, de acordo com os cálculos da Advocacia-Geral da União (AGU) — ou perto de 40% do déficit atuarial total estimado para o RPPS. Embora os ministros já tenham formado maioria para negar boa parte das demandas dos servidores públicos, em três delas o placar é favorável à derrubada de artigos da reforma e em uma está empatado, aguardando devolução do pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. A derrota do governo apenas nesses quatro itens significaria, segundo a AGU, um aumento de R$ 206,4 bilhões no déficit atuarial do RPPS. O problema se agravará considerando o impacto inevitável na Previdência dos servidores estaduais e municipais.

Está em jogo o princípio seguido pela reforma de 2019 de equiparar o RPPS ao Regime Geral da Previdência Social (RGPS), dos trabalhadores formais de empresas privadas que contribuem para o INSS. A reforma teve um sentido de justiça social que poderá ser perdido, a depender das decisões do Supremo.

As ações têm como objetivo restabelecer regras de favorecimento ao funcionalismo. Uma delas pretende elevar o benefício das aposentadas atingidas pela revisão dos conceitos de “integralidade” e “paridade” existentes antes da reforma. Por eles, o servidor se aposentava com benefício igual ao último salário recebido e garantia de ter os mesmos aumentos concedidos ao funcionalismo da ativa, uma regra insustentável.

O retrocesso de maior impacto na contrarreforma em curso no Supremo seria provocado pela ação que pede a volta da contribuição previdenciária de 11% fixos, seja qual for o salário do funcionário. Não faz sentido magistrados, procuradores, fiscais da Receita, entre outras categorias da elite do funcionalismo, serem tratados da mesma forma que os demais servidores. Por isso a reforma criou alíquotas progressivas de 7,5% a 22%, como nas empresas privadas. Só esse retrocesso traria um impacto de R$ 73,8 bilhões. É justamente esse ponto que aguarda o voto de Gilmar.

O cerco jurídico armado por sindicatos e associações de servidores contra a reforma confirma o bordão irônico segundo o qual “no Brasil, até o passado é incerto”. Ao ameaçar o equilíbrio fiscal, a corrida ao Judiciário põe em risco a estabilidade econômica. Déficits públicos geram mais inflação, juros altos, recessão e desemprego. Quem paga a conta dos privilégios do funcionalismo é o resto da população.

Maioria paulistana mostra repelir radicalismo

Folha de S. Paulo

Datafolha aponta que rejeição a Marçal, em vez de cair, é de 47% após cadeirada; Boulos, com 38%, tenta suavizar imagem

Datafolha divulgado nesta quinta (19) mostra um quadro estacionado nas intenções de voto para prefeito de São Paulo. Oscilações mínimas, dentro da margem de erro, indicam que a movimentação apurada na semana passada deu lugar a uma acomodação.

A pesquisa também sugere que a deplorável agressão de José Luiz Datena (PDSB) contra Pablo Marçal (PRTB), no debate de domingo (15) na TV Cultura, não interferiu na preferência do eleitorado.

Note-se, no entanto, que provocador e agressor tiveram seus índices numéricos de rejeição elevados, ainda que sem denotar estatisticamente subida. O alerta parece ter valido para a dupla, que se comportou melhor no encontro desta sexta (20) no SBT.

Selvageria, bravatas e radicalismos de fato não parecem iludir a maioria dos cidadãos que irão às urnas no próximo dia 6. Quatro candidatos dividem 80% das intenções de voto na capital, sendo que nenhum deles atinge 30%.

O prefeito Ricardo Nunes (MDB) não conseguiu elevar o índice de aprovação de seu governo para níveis que poderiam lhe dar conforto na disputa. Apesar de ter contado com rara folga orçamentária para gastos na sua gestão, além de deter o maior arsenal da propaganda legal, quase metade dos paulistanos avalia a administração como regular.

Essa aparente indiferença dos munícipes em relação ao prefeito torna-se um trunfo relativo da candidatura à reeleição quando ela é cotejada com as de seus adversários diretos. Nunes se consolida como o contendor mais forte num eventual segundo turno, seja contra Guilherme Boulos (PSOL), seja contra Marçal.

A rejeição ao histriônico guru da autoajuda não para de subir. Na rodada mais recente, 47% dos eleitores afirmaram que não votariam nele de jeito nenhum.

No caso do candidato do PSOL, a sua elevada rejeição (38%) parece cristalizada, pois não se distancia dessa faixa há semanas —a despeito do esforço para suavizar a imagem de Boulos, que já foi a culto evangélico, deixou de bajular a ditadura venezuelana e até disse que fará reintegração de posse em terreno invadido.

É curioso como Boulos e Marçal refletem situação invertida na demografia da rejeição por gênero. Entre as mulheres, a recusa a votar no ex-coach atinge 53%, enquanto o concorrente do PSOL é repelido por 46% dos homens.

Nunes, que dos três é o que está mais próximo do centro do espectro ideológico, tem também a menor rejeição no público masculino (21%). Ele hoje corre mais riscos de não ir ao segundo turno do que, se lá chegar, de perder.

Movimentações recentes do prefeito na direção de abonar ideias lastimáveis dos radicais do bolsonarismo podem colocar esse equilíbrio a perder.

A maioria do eleitorado paulistano quer distância dos extremos. Para a populosa fatia que decidirá a disputa, a cidade e seus problemas são bem mais importantes do que a verborragia inconsequente dos demagogos.

Populismo mexicano avança sobre o Judiciário

Folha de S. Paulo

Reforma de Obrador que estabelece eleição de juízes não resolve distorções do sistema e mina separação dos Poderes

O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, encerrará seu mandato em 1º de outubro com a entrega de uma reforma do Judiciário carregada pelo populismo que marcou a sua gestão. A partir de junho de 2025, caberá aos eleitores selecionar os juízes de todos os tribunais do país.

Apesar da resistência da oposição e de manifestações contrárias de servidores do Judiciário, acadêmicos e estudantes, a reforma constitucional passou com folga no Congresso da União, dominado pelo Morena, partido de esquerda fundado por AMLO —acrônimo pelo qual o presidente é conhecido.

O texto, aprovado pelo Senado no dia 11, estabelece que os mais de 6.500 juízes, incluindo os ministros da Suprema Corte de Justiça da Nação (SCJN), sejam eleitos por voto popular a partir de listas de candidatos elaboradas pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário —nas Américas, tal sistema só vigora na Bolívia.

No entanto a mudança em nada garante maior credibilidade do Judiciário. O sistema atualmente baseado na formação e no mérito tenderá a sucumbir diante das ferramentas das campanhas eleitorais e da alta popularidade do Morena e de AMLO.

Há ainda outras mudanças controversas. A redução do número de ministros da SCJN, de 11 para 9, da duração de seus mandatos, de 15 para 12 anos, e o fim da exigência da idade mínima de 35 anos para chegar à Suprema Corte carecem de justificativa plausível.

Está prevista ainda a criação de uma instância de auditagem da atuação de juízes e dos cerca de 50 mil servidores do Judiciário, o Tribunal Disciplinatório. Só o tempo dirá se tal dispositivo podará a independência da Justiça mexicana e se a forçará a dobrar-se ao comando do Executivo.

Com a reforma, AMLO busca conter a resistência da Suprema Corte aos projetos de seus sucessores —a começar por Claudia Sheinbaum, do Morena, eleita em junho com a promessa de retomar mudanças nos setores de energia e segurança abortadas pelo tribunal nos últimos anos.

AMLO está impedido de retornar à Presidência pela Constituição, mas não descuida de seu projeto de poder de longo prazo. O Morena detém força nas urnas equivalente à do antigo Partido Revolucionário Institucional (PRI), que dominou a política mexicana por 70 anos.

Ao submeter o Judiciário à sua força eleitoral, o presidente consolida uma nova fase de domínio do populismo de esquerda no México e mina a separação entre os Poderes, um dos pilares das democracias liberais.

Uma Suprema Corte kafkiana

O Estado de S. Paulo

Brasileiros tornaram-se parte nos inquéritos secretos de Moraes e podem ser punidos por ‘leis’ tiradas de sua cabeça. Ainda há Constituição no Brasil. Haverá um tribunal constitucional?

A pedido da Procuradoria-Geral da República, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinou à Polícia Federal que investigue perfis que utilizaram a plataforma X após a sua suspensão no Brasil, através de VPN – um dispositivo que oculta a origem do usuário –, a fim de penalizar os que fizeram “uso extremado”.

Ainda que, tomada isoladamente, a decisão de bloquear o X após reiterados descumprimentos de ordens judiciais possa ser justificada, ela é um dos frutos das árvores envenenadas que são os inquéritos intermináveis, inacessíveis e indefiníveis conduzidos por Moraes. Movido pela tara punitivista e revanchista do ministro, o bloqueio foi acompanhado de diversas providências eivadas de irregularidades, incoerências e amadorismo, a começar pela citação feita pelo perfil do STF no próprio X. Bloqueios de bens e multas vêm sendo aplicados à Starlink, uma empresa distinta, com acionistas distintos. Na petição que determinou o bloqueio, Moraes ainda ordenou a plataformas que inviabilizassem a disponibilidade de VPNs. No mesmo dia, numa confissão tácita de sua ignorância a respeito de um dispositivo perfeitamente legal usado no mundo inteiro para fins os mais diversos, Moraes revogou a própria decisão. Mas a mais teratológica e francamente sinistra das decisões foi a previsão de uma multa de R$ 50 mil a quem acessasse a rede. Todas essas medidas foram referendadas pela 1.ª Turma da Corte.

Mesmo a Ordem dos Advogados do Brasil, que no geral tem sido complacente com o festival de abusos perpetrados nos inquéritos do STF, se viu obrigada a sair de seu torpor e entrar com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental contra as multas. A peça denuncia não uma, mas várias violações a preceitos fundamentais: princípio da legalidade, da reserva legal, da separação dos Poderes, do devido processo legal, do contraditório e da proporcionalidade das sanções.

Nulla poena sine lege é um princípio básico do direito consagrado pela Constituição: “Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (art. 5.º, XXXIX). Mas ao determinar, no âmbito de um inquérito (!), uma punição genérica e abstrata que pode alcançar todos os brasileiros, Moraes, não contente em concentrar as funções de investigador, acusador e juiz, usurpou o papel de legislador. Sanções processuais só podem ser aplicadas às partes diretamente envolvidas no processo. Mas, aberto o precedente, deve-se assumir que juízes podem exarar sanções genéricas em seus processos e aplicá-las a quaisquer terceiros não intimados a tomar parte neles.

Para piorar, o valor da multa é completamente desproporcional. Para piorar ainda mais, a conduta passível de punição é fluida: que diabos é um “uso extremado”? Trata-se de mais um tipo penal fabricado sob medida por Moraes (como “desinformação” ou “discursos de ódio”) para punir quem ele bem entender.

Em seu voluntarismo, o STF ensejou a surreal situação em que não só os 20 milhões de usuários do X, mas qualquer um dos mais de 210 milhões de brasileiros pode ser draconianamente punido no âmbito de inquéritos secretos do qual não fazem parte por condutas indetermináveis, e a constrangedora perspectiva de a Corte (através de seu colegiado) declarar inconstitucional uma decisão da própria Corte (através da 1.ª Turma), ou, o que é pior, não declarar, instaurando de vez um tribunal de exceção.

Seria tentador parafrasear, a propósito de todo cidadão brasileiro agora passível de ser alvejado pelos delírios persecutórios de Moraes, a célebre abertura de O Processo de Franz Kafka: “Alguém deve ter dito mentiras sobre Joseph K., pois sem ter feito nada errado recebeu uma multa de R$ 50 mil numa bela manhã”. Mas há outro trecho que, no caso, se aplica ipsis litteris a Moraes e outros colegas e autoridades – incluindo o procurador-geral da República – intoxicados pela fumaça do mau direito: “Eles estão falando de coisas sobre as quais não têm a menor noção. É só por causa da sua estupidez que podem ser tão seguros de si mesmos”.

O papel do Brasil na Rota da Seda

O Estado de S. Paulo

Eventual adesão pode até parecer bom negócio, mas é preciso ponderar se isso é realmente necessário e se o custo geopolítico de um alinhamento desse tipo com a China não será alto demais

No ano em que a retomada das relações diplomáticas entre Brasil e China completa 50 anos, o gigante asiático vem intensificando sua ofensiva para que o Brasil se associe à Iniciativa Cinturão e Rota, mais conhecida como Nova Rota da Seda. É provável que os esforços chineses atinjam um ápice em novembro, quando o presidente Xi Jinping virá ao País para a reunião de cúpula do G-20, no Rio, e também para uma visita de Estado. O sucesso de uma eventual entrada do Brasil na Rota da Seda será medido muito mais pelo que o País conseguir obter em termos qualitativos que em termos quantitativos, uma vez que a China já investe fortemente no Brasil – US$ 1,73 bilhão em 2023, 33% a mais que em 2022, de acordo com o Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC).

Anunciada em 2013 pelo próprio Xi Jinping, a Rota da Seda é uma iniciativa ampla, que vem se transformando ao longo dos anos, mas que envolve o desenvolvimento e financiamento de obras de infraestrutura em mais de uma centena de países.

Uma “Rota da Seda sul-americana”, que leve em conta os interesses brasileiros, “poderia representar um passo relevante para uma política de integração física que beneficie todos os países da região”, como escreveu em artigo recente no Estadão o ex-embaixador Rubens Barbosa.

Note-se ainda que, em momento de enfraquecimento da liderança brasileira na América do Sul, tanto por conta da visão datada do atual governo em relação a vizinhos como a Venezuela quanto pela emergência de figuras como Javier Milei na Argentina, uma adesão brasileira à Roda da Seda que assegurasse uma melhora da infraestrutura regional revigoraria o papel natural de líder da região que compete ao Brasil.

Enquanto a China se esmera nos esforços para seduzir nosso país – acaba de realizar um fórum de cooperação midiática sobre a Rota da Seda com forte presença de brasileiros –, o Brasil vem tentando convencer os chineses a investir em produtos de maior valor agregado ou em projetos mais estratégicos.

Em junho, o vice-presidente Geraldo Alckmin visitou a China acompanhado de uma grande comitiva de empresários e ministros como Simone Tebet (Planejamento). Ela defendeu as chamadas Rotas de Integração Sul-Americana, um conjunto de obras de infraestrutura que encurtam a distância não só entre o Brasil e países sul-americanos, mas também o percurso entre as exportações brasileiras e o mercado chinês.

Mas até agora o Brasil não só não confirmou sua entrada Rota da Seda, como parece vacilante sobre como negociar uma adesão, aparentemente inevitável, que resulte benéfica para o País. Além da visita de Alckmin, que se seguiu à de Lula da Silva em 2023, representantes do governo deixam escapar, aqui e ali, que gostariam que os chineses investissem em projetos mais relevantes para o Brasil. Empresários também se queixam dos chineses por não ampliarem as compras de produtos brasileiros de maior valor agregado.

Da posição privilegiada de quem detém bilhões de dólares para dispor como quiser, a China vem alterando os destinos de seus investimentos, de modo não só a garantir recursos estratégicos, como a expandir seu poder geopolítico.

De acordo com o CEBC, os principais receptores de investimentos chineses no ano passado foram Indonésia, Hungria, Congo e Peru – o Brasil ficou em nono lugar, à frente da Bolívia.

Ao longo dos anos, a estratégia de investimentos da China vem se adaptando. Em um primeiro momento, o foco foram países desenvolvidos como os EUA e o Reino Unido. Esta mudança na preferência por destinos também representa um desafio para o Brasil, pois limita nosso papel em regiões de afinidade como a própria América Latina e a África.

À medida que a China diversifica sua presença no mundo, uma adesão à Rota da Seda que assegure algum protagonismo brasileiro na integração sul-americana pode até parecer um bom caminho para que o Brasil receba mais investimentos chineses, mas é preciso ponderar se isso é realmente necessário e se o custo geopolítico de um alinhamento desse tipo à China não será alto demais.

A relevância do sapo-cururu

O Estado de S. Paulo

À míngua, Comissões de Meio Ambiente no Congresso discutem de tudo, menos o que importa

Mais preocupados com campanhas eleitorais pelo País e empenhados em distribuir para seus redutos parte dos bilhões em emendas parlamentares, deputados e senadores parecem pouco ou nada se importar com a grave crise ambiental do País. Somente a indiferença por esse tema tão vital para o Brasil e todo o mundo pode explicar o esvaziamento das Comissões de Meio Ambiente da Câmara e do Senado.

O desinteresse com biomas que ardem é tanto que a presidente da comissão do Senado, Leila Barros (PDT-DF), disse, em tom de desabafo, que está perdendo o sono. É para tanto. A poucos quilômetros da Praça dos Três Poderes, o Parque Nacional de Brasília está ardendo, e a população da capital federal sofre há dias com um ar irrespirável.

Nos sonhos intranquilos da senadora, certamente está a penúria da comissão, que recebeu míseros R$ 100 mil na partilha das emendas parlamentares. Já a Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo, que potencialmente irriga obras Brasil afora, abocanhou nada menos do que R$ 2,5 bilhões, ou 25 mil vezes mais do que o valor destinado ao colegiado responsável por cuidar da pauta ambiental.

Talvez das salas climatizadas da Casa do Salão Azul os senadores não consigam ver nem sentir os efeitos do fogo que destrói, principalmente, a Amazônia e o Pantanal. E, para piorar, vale ainda lembrar que as emendas de comissão, que ultrapassaram R$ 11 bilhões neste ano, avançaram sobre o espaço anteriormente ocupado pelo inconstitucional orçamento secreto, revelado por este jornal.

E não menos insensíveis estão os colegas deputados que circulam pelo Salão Verde, que fica ao lado. Na Câmara, enquanto as chamas avançam pelo território nacional há meses e a fumaça levada pelos ventos esconde o céu em diversas regiões do Brasil, na zona rural e nas pequenas e grandes cidades, deputados discutem, e aprovam, na Comissão de Meio Ambiente, projetos para homenagear o sapo-cururu e para instituir a guarda compartilhada de animais de estimação, se houver dissolução de casamento ou união estável.

Como mostrou o Estadão, de 2019 até este ano, apenas 0,02% do total de R$ 194 bilhões capturados do Orçamento pelo Congresso foi destinado para o combate a incêndios. Isso significa pouco mais de R$ 50 milhões. Mais do que má vontade, essa irresponsabilidade agora cobra um preço muito mais alto.

A irrelevância das Comissões de Meio Ambiente, e que faz a senadora Leila Barros perder o sono, lamentavelmente também atinge os demais colegiados temáticos. Não é de hoje que essas comissões deixaram de ter protagonismo no debate de grandes temas nacionais, haja vista que assuntos delicados, não raro, são levados diretamente a plenário. Agora, com as vultosas cifras herdadas do orçamento secreto, esses órgãos mais parecem balcões de negócios. E, neles, o ambiente não tem nenhum valor.

Depois de Gaza, Israel pode invadir o Líbano

Correio Braziliense

Israel tem uma rara oportunidade de atacar o Hezbollah e seus estoques de mísseis guiados de precisão porque os sistemas de comunicação da milícia apoiada pelo Irã estão em colapso

Ondas de fumaça saem do local de um ataque aéreo israelense na vila de Khiam, no sul do Líbano, perto da fronteira com Israel, em 9 de fevereiro de 2024, em meio a tensões transfronteiriças em curso, enquanto os combates continuam entre Israel e militantes do Hamas na Faixa de Gaza. - (crédito: Rabih DAHER/AFP)

A explosão simultânea de milhares de pagers no Líbano, na última terça-feira, surpreendeu o mundo. No dia seguinte, mais detonações foram registradas em walkie-talkie em novos ataques direcionados contra membros do Hezbollah não só no sul do Líbano, mas também em Beirute. Os dois episódios resultaram em 37 mortes e quase 3 mil feridos e acentuaram o clima de tensão do Oriente Médio.

 Logo após os ataques, o ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, anunciou uma nova fase na guerra, que teve início ontem. Um bombardeio em um subúrbio de Beirute matou o comandante de operações militares do Hezbollah, Ibrahim Aqil. O pânico se estabeleceu entre os libaneses, que estão com medo de usar os celulares depois do ataque com características terroristas que o governo de Israel não assume.

Líbano não deseja a guerra, mas isso de nada adianta. Israel tem uma rara oportunidade de atacar o Hezbollah e seus estoques de mísseis guiados de precisão porque os sistemas de comunicação da milícia apoiada pelo Irã estão em colapso. Muitos comandantes do grupo foram feridos ou mortos nas explosões dos pagers e walkie-talkies.

O líder do Hezbollah, xeque Hassan Nasrallah, disse, na quinta-feira, que Israel havia excedido "todos os limites, regras e linhas vermelhas". Afirmou ainda que os ataques transfronteiriços, como os 150 mísseis lançados contra o norte do território de Israel, continuarão enquanto não houver um cessar-fogo em Gaza. O Hezbollah está no seu pior momento desde a segunda guerra do Líbano, em 2006. Por essa razão, pode ser iminente uma nova invasão de Israel ao Líbano.

Os ataques aos sistemas de comunicação do Hezbollah foram planejados para fazer parte de uma operação maior e não apenas como recado de que a milícia é mais vulnerável do que se imaginava. Entretanto, o grupo tem aliados, como o Irã, paramilitares xiitas e os houthis do Iêmen. Uma guerra total no Líbano escalaria inevitavelmente o conflito no Oriente Médio.

Uma nova frente no Líbano interessaria principalmente ao primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, para prolongar ainda mais o estado de guerra que vigora em seu país e impedir a realização de eleições, como deseja a maioria dos israelenses. Dois indícios de que uma invasão pode ser efetivada são o Departamento de Estado norte-americano pedir que seus cidadãos deixem o Líbano e Benjamin Netanyahu ter decidido, ontem, adiar uma viagem que faria aos Estados Unidos.

Com Gaza destruída, as operações militares de Israel contra o Hamas têm muitos efeitos colaterais, como a morte de crianças, mulheres e idosos inocentes, e a baixa resolutividade quanto ao resgate dos israelenses sequestrados no ataque de 7 de outubro. O desejo de retaliação deixou de ser uma unanimidade devido à implacável retaliação feita em Gaza, mas o resgate dos reféns é a grande prioridade da opinião pública israelense.

 Na verdade, é preciso retomar as negociações de paz com resolutividade, por mais difíceis que sejam. A crise humanitária em Gaza é grave, e a crise política em Israel somente se aprofunda. Nada disso, porém, demove o primeiro-ministro israelense, que corre risco de ser preso, se deixar o governo, por causa das denúncias de corrupção. Netanyahu, porém, é um político experiente, que soube unir a direita israelense, e não pretende interromper a guerra, porque seria o fim do seu mandato.

A grande incógnita, agora, é o nível de intervenção do Irã, que financia o Hezbollah e o Hamas e prometeu atacar Israel depois que Ismail Haniyeh, líder máximo do Hamas, foi morto por uma bomba plantada pelo Mossad em Teerã. Os líderes xiitas iranianos anunciaram uma retaliação que, até agora, não houve. O risco de uma invasão do Líbano é a guerra entre o Irã e Israel.

 

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