Recuo do X dá ao STF oportunidade de arrefecer ânimos
O Globo
Firmeza foi necessária para Musk ceder, mas
todos ganhariam se a plataforma voltasse a operar no Brasil
Não são mais que obrigatórios os passos recentes da plataforma digital X, do empresário Elon Musk, para se adequar à legislação e às ordens da Justiça brasileira. A rede retirou do ar contas suspensas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), pagou multas de R$ 18,3 milhões, contratou novos advogados e afirmou trabalhar para que volte o mais breve possível a operar “para o povo brasileiro”. Em sinal de recuo na posição arrogante de confronto assumida por Musk, o X informou que a recente restauração do serviço no país, contrariando ordem do Supremo, foi involuntária — e a plataforma voltou a sair do ar. Os movimentos dão ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, a oportunidade de também contribuir para arrefecer os ânimos, suspendendo as ordens que foram além do razoável.
É certo que a firmeza do Supremo, ao adotar
uma medida extrema como suspender a plataforma, se mostrou eficaz. O X não
recuou por sensatez, mas porque cedeu à pressão. Mesmo assim, Moraes extrapolou
em alguns pontos. Poderia ter transmitido o mesmo recado de firmeza sem
recorrer a expedientes de legalidade questionável (como multar outra empresa
sem relação com o X, a Starlink, de que Musk é acionista) ou que beiram o
ridículo (como multar qualquer brasileiro que use redes virtuais privadas ou
outros subterfúgios tecnológicos para acessar a plataforma). Não tem cabimento
investigar todos os que tentaram acessar o X no período de suspensão. O que
deve ser punido é o uso da plataforma para violar as leis, não o uso em si.
É por vezes necessário ordenar a retirada do
ar de postagens que desrespeitem comprovadamente a legislação. Mas é mais
difícil justificar a suspensão de perfis, impedindo usuários de se manifestar
indefinidamente. Tais casos podem configurar censura prévia, agredindo a
liberdade de expressão assegurada pela Constituição. A suspensão só é cabível
quando houver uso contumaz para cometer crimes e deve ser adotada com extrema
parcimônia.
A retirada da plataforma do ar, embora tenha
sido necessária para assegurar a soberania do país, não deve se alongar. Até a
porta-voz do governo Joe Biden — de quem Musk é adversário — criticou a medida.
No Brasil, a Associação Nacional dos Jornais (ANJ) manifestou-se contra por ver
nela cerceamento à informação. É certo que foi necessária ante a postura
desafiadora de Musk, que jamais deveria ter a petulância de desobedecer a
ordens da Justiça. Também foi referendada por unanimidade quando analisada pela
Primeira Turma do STF no início do mês. Mas os indícios de mudança de atitude
do X deveriam levar os ministros a reconsiderá-la.
Nenhum excesso de Moraes, porém, justifica a
atitude de Musk. Feroz diante do Judiciário de uma democracia, ele fica manso
quando na frente de ditadores de verdade, como o turco Recep Tayyip Erdogan ou
o chinês Xi Jinping, a cujos desígnios suas empresas têm se dobrado sem
reclamar. É desejável que o recuo encetado pelo X seja para valer. Todos
ganharão se as decisões judiciais forem respeitadas, e a rede voltar a
funcionar no Brasil.
Contrarreforma da Previdência no Supremo põe
em risco equilíbrio fiscal
O Globo
Corte julga mais de 15 ações para beneficiar
servidores públicos, cujo impacto passa de R$ 200 bilhões
O futuro das contas públicas, já incerto,
está prestes a enfrentar uma nova ameaça: o julgamento pelo Supremo Tribunal
Federal (STF),
já iniciado, de mais de 15 Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs)
contestando alterações feitas pela reforma da Previdência aprovada
em 2019 nas regras de aposentadoria do regime previdenciário dos servidores
públicos federais (RPPS).
Se o governo perdesse todas as ações, o
déficit da Previdência cresceria no mínimo R$ 498 bilhões ao longo dos anos, de
acordo com os cálculos da Advocacia-Geral da União (AGU)
— ou perto de 40% do déficit atuarial total estimado para o RPPS. Embora os
ministros já tenham formado maioria para negar boa parte das demandas dos
servidores públicos, em três delas o placar é favorável à derrubada de artigos
da reforma e em uma está empatado, aguardando devolução do pedido de vista do
ministro Gilmar Mendes.
A derrota do governo apenas nesses quatro itens significaria, segundo a AGU, um
aumento de R$ 206,4 bilhões no déficit atuarial do RPPS. O problema se agravará
considerando o impacto inevitável na Previdência dos servidores estaduais e
municipais.
Está em jogo o princípio seguido pela reforma
de 2019 de equiparar o RPPS ao Regime Geral da Previdência Social (RGPS), dos
trabalhadores formais de empresas privadas que contribuem para o INSS.
A reforma teve um sentido de justiça social que poderá ser perdido, a depender
das decisões do Supremo.
As ações têm como objetivo restabelecer
regras de favorecimento ao funcionalismo. Uma delas pretende elevar o benefício
das aposentadas atingidas pela revisão dos conceitos de “integralidade” e
“paridade” existentes antes da reforma. Por eles, o servidor se aposentava com
benefício igual ao último salário recebido e garantia de ter os mesmos aumentos
concedidos ao funcionalismo da ativa, uma regra insustentável.
O retrocesso de maior impacto na
contrarreforma em curso no Supremo seria provocado pela ação que pede a volta
da contribuição previdenciária de 11% fixos, seja qual for o salário do
funcionário. Não faz sentido magistrados, procuradores, fiscais da Receita,
entre outras categorias da elite do funcionalismo, serem tratados da mesma
forma que os demais servidores. Por isso a reforma criou alíquotas progressivas
de 7,5% a 22%, como nas empresas privadas. Só esse retrocesso traria um impacto
de R$ 73,8 bilhões. É justamente esse ponto que aguarda o voto de Gilmar.
O cerco jurídico armado por sindicatos e
associações de servidores contra a reforma confirma o bordão irônico segundo o
qual “no Brasil, até o passado é incerto”. Ao ameaçar o equilíbrio fiscal, a
corrida ao Judiciário põe em risco a estabilidade econômica. Déficits públicos
geram mais inflação, juros altos, recessão e desemprego. Quem paga a conta dos
privilégios do funcionalismo é o resto da população.
Maioria paulistana mostra repelir radicalismo
Folha de S. Paulo
Datafolha aponta que rejeição a Marçal, em
vez de cair, é de 47% após cadeirada; Boulos, com 38%, tenta suavizar imagem
O Datafolha divulgado
nesta quinta (19) mostra um quadro estacionado nas intenções de voto para
prefeito de São Paulo.
Oscilações mínimas, dentro da margem de erro, indicam que a movimentação
apurada na semana passada deu lugar a uma acomodação.
A pesquisa também sugere que a deplorável
agressão de José Luiz Datena (PDSB) contra Pablo Marçal (PRTB),
no debate de domingo (15) na TV Cultura,
não interferiu na preferência do eleitorado.
Note-se, no entanto, que provocador e
agressor tiveram seus índices numéricos de rejeição elevados, ainda que sem
denotar estatisticamente subida. O alerta parece ter valido para a dupla, que
se comportou melhor no encontro desta sexta (20) no SBT.
Selvageria, bravatas e radicalismos de fato
não parecem iludir a maioria dos cidadãos que irão às urnas no próximo dia 6.
Quatro candidatos dividem 80% das intenções de voto na capital, sendo que
nenhum deles atinge 30%.
O prefeito Ricardo Nunes (MDB) não
conseguiu elevar o índice de aprovação de seu governo para níveis que poderiam
lhe dar conforto na disputa. Apesar de ter contado com rara folga orçamentária
para gastos na sua gestão, além de deter o maior arsenal da propaganda legal,
quase metade dos paulistanos avalia a administração como regular.
Essa aparente indiferença dos munícipes em
relação ao prefeito torna-se um trunfo relativo da candidatura à reeleição
quando ela é cotejada com as de seus adversários diretos. Nunes se consolida
como o contendor mais forte num eventual segundo turno, seja contra Guilherme
Boulos (PSOL),
seja contra Marçal.
A rejeição ao histriônico guru da autoajuda
não para de subir. Na rodada mais recente, 47% dos
eleitores afirmaram que não votariam nele de jeito nenhum.
No caso do candidato do PSOL, a sua elevada
rejeição (38%) parece cristalizada, pois não se distancia dessa faixa há
semanas —a despeito do esforço para suavizar a imagem de Boulos, que já foi a
culto evangélico, deixou de bajular a ditadura venezuelana e até disse que fará
reintegração de posse em terreno invadido.
É curioso como Boulos e Marçal refletem situação
invertida na demografia da rejeição por gênero. Entre as mulheres, a
recusa a votar no ex-coach atinge 53%, enquanto o concorrente do PSOL é
repelido por 46% dos homens.
Nunes, que dos três é o que está mais próximo
do centro do espectro ideológico, tem também a menor rejeição no público
masculino (21%). Ele hoje corre mais riscos de não ir ao segundo turno do que,
se lá chegar, de perder.
Movimentações recentes do prefeito na direção
de abonar ideias lastimáveis dos radicais do bolsonarismo podem colocar esse
equilíbrio a perder.
A maioria do eleitorado paulistano quer
distância dos extremos. Para a populosa fatia que decidirá a disputa, a cidade
e seus problemas são bem mais importantes do que a verborragia inconsequente
dos demagogos.
Populismo mexicano avança sobre o Judiciário
Folha de S. Paulo
Reforma de Obrador que estabelece eleição de
juízes não resolve distorções do sistema e mina separação dos Poderes
O presidente do México,
Andrés Manuel López Obrador, encerrará seu mandato em 1º de outubro com a
entrega de uma reforma do Judiciário carregada pelo populismo que
marcou a sua gestão. A partir de junho de 2025, caberá aos eleitores
selecionar os juízes de todos os tribunais do país.
Apesar da resistência da oposição e de
manifestações contrárias de servidores do Judiciário, acadêmicos e estudantes,
a reforma constitucional passou com folga no Congresso da União, dominado pelo
Morena, partido de esquerda fundado por AMLO —acrônimo
pelo qual o presidente é conhecido.
O texto, aprovado pelo
Senado no dia 11, estabelece que os mais de 6.500 juízes, incluindo
os ministros da Suprema Corte de Justiça da Nação (SCJN), sejam eleitos por
voto popular a partir de listas de candidatos elaboradas pelos Poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário —nas Américas, tal sistema só vigora
na Bolívia.
No entanto a mudança em nada garante maior
credibilidade do Judiciário. O sistema atualmente baseado na formação e no
mérito tenderá a sucumbir diante das ferramentas das campanhas eleitorais e da
alta popularidade do Morena e de AMLO.
Há ainda outras mudanças controversas. A
redução do número de ministros da SCJN, de 11 para 9, da duração de seus
mandatos, de 15 para 12 anos, e o fim da exigência da idade mínima de 35 anos
para chegar à Suprema Corte carecem de justificativa plausível.
Está prevista ainda a criação de uma
instância de auditagem da atuação de juízes e dos cerca de 50 mil servidores do
Judiciário, o Tribunal Disciplinatório. Só o tempo dirá se tal dispositivo
podará a independência da Justiça mexicana e se a forçará a dobrar-se ao
comando do Executivo.
Com a reforma, AMLO busca conter a
resistência da Suprema Corte aos projetos de seus sucessores —a começar
por Claudia
Sheinbaum, do Morena, eleita em junho com a promessa de retomar
mudanças nos setores de energia e segurança abortadas pelo tribunal nos últimos
anos.
AMLO está impedido de retornar à Presidência
pela Constituição,
mas não descuida de seu projeto de poder de longo prazo. O Morena detém força
nas urnas equivalente à do antigo Partido Revolucionário Institucional (PRI),
que dominou a política mexicana por 70 anos.
Ao submeter o Judiciário à sua força eleitoral, o presidente consolida uma nova fase de domínio do populismo de esquerda no México e mina a separação entre os Poderes, um dos pilares das democracias liberais.
Uma Suprema Corte kafkiana
O Estado de S. Paulo
Brasileiros tornaram-se parte nos inquéritos
secretos de Moraes e podem ser punidos por ‘leis’ tiradas de sua cabeça. Ainda
há Constituição no Brasil. Haverá um tribunal constitucional?
A pedido da Procuradoria-Geral da República,
o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinou à
Polícia Federal que investigue perfis que utilizaram a plataforma X após a sua
suspensão no Brasil, através de VPN – um dispositivo que oculta a origem do
usuário –, a fim de penalizar os que fizeram “uso extremado”.
Ainda que, tomada isoladamente, a decisão de
bloquear o X após reiterados descumprimentos de ordens judiciais possa ser
justificada, ela é um dos frutos das árvores envenenadas que são os inquéritos
intermináveis, inacessíveis e indefiníveis conduzidos por Moraes. Movido pela
tara punitivista e revanchista do ministro, o bloqueio foi acompanhado de
diversas providências eivadas de irregularidades, incoerências e amadorismo, a
começar pela citação feita pelo perfil do STF no próprio X. Bloqueios de bens e
multas vêm sendo aplicados à Starlink, uma empresa distinta, com acionistas
distintos. Na petição que determinou o bloqueio, Moraes ainda ordenou a
plataformas que inviabilizassem a disponibilidade de VPNs. No mesmo dia, numa
confissão tácita de sua ignorância a respeito de um dispositivo perfeitamente
legal usado no mundo inteiro para fins os mais diversos, Moraes revogou a
própria decisão. Mas a mais teratológica e francamente sinistra das decisões
foi a previsão de uma multa de R$ 50 mil a quem acessasse a rede. Todas essas
medidas foram referendadas pela 1.ª Turma da Corte.
Mesmo a Ordem dos Advogados do Brasil, que no
geral tem sido complacente com o festival de abusos perpetrados nos inquéritos
do STF, se viu obrigada a sair de seu torpor e entrar com uma Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental contra as multas. A peça denuncia não
uma, mas várias violações a preceitos fundamentais: princípio da legalidade, da
reserva legal, da separação dos Poderes, do devido processo legal, do
contraditório e da proporcionalidade das sanções.
Nulla poena sine lege é um princípio
básico do direito consagrado pela Constituição: “Não há crime sem lei anterior
que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (art. 5.º, XXXIX). Mas ao
determinar, no âmbito de um inquérito (!), uma punição genérica e abstrata que
pode alcançar todos os brasileiros, Moraes, não contente em concentrar as
funções de investigador, acusador e juiz, usurpou o papel de legislador.
Sanções processuais só podem ser aplicadas às partes diretamente envolvidas no
processo. Mas, aberto o precedente, deve-se assumir que juízes podem exarar
sanções genéricas em seus processos e aplicá-las a quaisquer terceiros não
intimados a tomar parte neles.
Para piorar, o valor da multa é completamente
desproporcional. Para piorar ainda mais, a conduta passível de punição é
fluida: que diabos é um “uso extremado”? Trata-se de mais um tipo penal
fabricado sob medida por Moraes (como “desinformação” ou “discursos de ódio”)
para punir quem ele bem entender.
Em seu voluntarismo, o STF ensejou a surreal
situação em que não só os 20 milhões de usuários do X, mas qualquer um dos mais
de 210 milhões de brasileiros pode ser draconianamente punido no âmbito de
inquéritos secretos do qual não fazem parte por condutas indetermináveis, e a
constrangedora perspectiva de a Corte (através de seu colegiado) declarar
inconstitucional uma decisão da própria Corte (através da 1.ª Turma), ou, o que
é pior, não declarar, instaurando de vez um tribunal de exceção.
Seria tentador parafrasear, a propósito de
todo cidadão brasileiro agora passível de ser alvejado pelos delírios
persecutórios de Moraes, a célebre abertura de O Processo de Franz
Kafka: “Alguém deve ter dito mentiras sobre Joseph K., pois sem ter feito nada
errado recebeu uma multa de R$ 50 mil numa bela manhã”. Mas há outro trecho
que, no caso, se aplica ipsis litteris a Moraes e outros colegas e
autoridades – incluindo o procurador-geral da República – intoxicados pela
fumaça do mau direito: “Eles estão falando de coisas sobre as quais não têm a
menor noção. É só por causa da sua estupidez que podem ser tão seguros de si
mesmos”.
O papel do Brasil na Rota da Seda
O Estado de S. Paulo
Eventual adesão pode até parecer bom negócio,
mas é preciso ponderar se isso é realmente necessário e se o custo geopolítico
de um alinhamento desse tipo com a China não será alto demais
No ano em que a retomada das relações
diplomáticas entre Brasil e China completa 50 anos, o gigante asiático vem
intensificando sua ofensiva para que o Brasil se associe à Iniciativa Cinturão
e Rota, mais conhecida como Nova Rota da Seda. É provável que os esforços
chineses atinjam um ápice em novembro, quando o presidente Xi Jinping virá ao
País para a reunião de cúpula do G-20, no Rio, e também para uma visita de
Estado. O sucesso de uma eventual entrada do Brasil na Rota da Seda será medido
muito mais pelo que o País conseguir obter em termos qualitativos que em termos
quantitativos, uma vez que a China já investe fortemente no Brasil – US$ 1,73
bilhão em 2023, 33% a mais que em 2022, de acordo com o Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC).
Anunciada em 2013 pelo próprio Xi Jinping, a
Rota da Seda é uma iniciativa ampla, que vem se transformando ao longo dos
anos, mas que envolve o desenvolvimento e financiamento de obras de
infraestrutura em mais de uma centena de países.
Uma “Rota da Seda sul-americana”, que leve em
conta os interesses brasileiros, “poderia representar um passo relevante para
uma política de integração física que beneficie todos os países da região”,
como escreveu em artigo recente no Estadão o ex-embaixador Rubens
Barbosa.
Note-se ainda que, em momento de
enfraquecimento da liderança brasileira na América do Sul, tanto por conta da
visão datada do atual governo em relação a vizinhos como a Venezuela quanto
pela emergência de figuras como Javier Milei na Argentina, uma adesão
brasileira à Roda da Seda que assegurasse uma melhora da infraestrutura
regional revigoraria o papel natural de líder da região que compete ao Brasil.
Enquanto a China se esmera nos esforços para
seduzir nosso país – acaba de realizar um fórum de cooperação midiática sobre a
Rota da Seda com forte presença de brasileiros –, o Brasil vem tentando
convencer os chineses a investir em produtos de maior valor agregado ou em
projetos mais estratégicos.
Em junho, o vice-presidente Geraldo Alckmin
visitou a China acompanhado de uma grande comitiva de empresários e ministros
como Simone Tebet (Planejamento). Ela defendeu as chamadas Rotas de Integração Sul-Americana, um conjunto de obras de
infraestrutura que encurtam a distância não só entre o Brasil e países
sul-americanos, mas também o percurso entre as exportações brasileiras e o
mercado chinês.
Mas até agora o Brasil não só não confirmou
sua entrada Rota da Seda, como parece vacilante sobre como negociar uma adesão,
aparentemente inevitável, que resulte benéfica para o País. Além da visita de
Alckmin, que se seguiu à de Lula da Silva em 2023, representantes do governo
deixam escapar, aqui e ali, que gostariam que os chineses investissem em
projetos mais relevantes para o Brasil. Empresários também se queixam dos
chineses por não ampliarem as compras de produtos brasileiros de maior valor
agregado.
Da posição privilegiada de quem detém bilhões
de dólares para dispor como quiser, a China vem alterando os destinos de seus
investimentos, de modo não só a garantir recursos estratégicos, como a expandir
seu poder geopolítico.
De acordo com o CEBC, os principais
receptores de investimentos chineses no ano passado foram Indonésia, Hungria,
Congo e Peru – o Brasil ficou em nono lugar, à frente da Bolívia.
Ao longo dos anos, a estratégia de
investimentos da China vem se adaptando. Em um primeiro momento, o foco foram
países desenvolvidos como os EUA e o Reino Unido. Esta mudança na preferência
por destinos também representa um desafio para o Brasil, pois limita nosso
papel em regiões de afinidade como a própria América Latina e a África.
À medida que a China diversifica sua presença
no mundo, uma adesão à Rota da Seda que assegure algum protagonismo brasileiro
na integração sul-americana pode até parecer um bom caminho para que o Brasil
receba mais investimentos chineses, mas é preciso ponderar se isso é realmente
necessário e se o custo geopolítico de um alinhamento desse tipo à China não
será alto demais.
A relevância do sapo-cururu
O Estado de S. Paulo
À míngua, Comissões de Meio Ambiente no
Congresso discutem de tudo, menos o que importa
Mais preocupados com campanhas eleitorais
pelo País e empenhados em distribuir para seus redutos parte dos bilhões em
emendas parlamentares, deputados e senadores parecem pouco ou nada se importar
com a grave crise ambiental do País. Somente a indiferença por esse tema tão
vital para o Brasil e todo o mundo pode explicar o esvaziamento das Comissões
de Meio Ambiente da Câmara e do Senado.
O desinteresse com biomas que ardem é tanto
que a presidente da comissão do Senado, Leila Barros (PDT-DF), disse, em tom de
desabafo, que está perdendo o sono. É para tanto. A poucos quilômetros da Praça
dos Três Poderes, o Parque Nacional de Brasília está ardendo, e a população da
capital federal sofre há dias com um ar irrespirável.
Nos sonhos intranquilos da senadora,
certamente está a penúria da comissão, que recebeu míseros R$ 100 mil na
partilha das emendas parlamentares. Já a Comissão de Desenvolvimento Regional e
Turismo, que potencialmente irriga obras Brasil afora, abocanhou nada menos do
que R$ 2,5 bilhões, ou 25 mil vezes mais do que o valor destinado ao colegiado
responsável por cuidar da pauta ambiental.
Talvez das salas climatizadas da Casa do
Salão Azul os senadores não consigam ver nem sentir os efeitos do fogo que
destrói, principalmente, a Amazônia e o Pantanal. E, para piorar, vale ainda
lembrar que as emendas de comissão, que ultrapassaram R$ 11 bilhões neste ano,
avançaram sobre o espaço anteriormente ocupado pelo inconstitucional orçamento
secreto, revelado por este jornal.
E não menos insensíveis estão os colegas
deputados que circulam pelo Salão Verde, que fica ao lado. Na Câmara, enquanto
as chamas avançam pelo território nacional há meses e a fumaça levada pelos
ventos esconde o céu em diversas regiões do Brasil, na zona rural e nas
pequenas e grandes cidades, deputados discutem, e aprovam, na Comissão de Meio
Ambiente, projetos para homenagear o sapo-cururu e para instituir a guarda
compartilhada de animais de estimação, se houver dissolução de casamento ou
união estável.
Como mostrou o Estadão, de 2019 até este
ano, apenas 0,02% do total de R$ 194 bilhões capturados do Orçamento pelo
Congresso foi destinado para o combate a incêndios. Isso significa pouco mais
de R$ 50 milhões. Mais do que má vontade, essa irresponsabilidade agora cobra
um preço muito mais alto.
A irrelevância das Comissões de Meio Ambiente, e que faz a senadora Leila Barros perder o sono, lamentavelmente também atinge os demais colegiados temáticos. Não é de hoje que essas comissões deixaram de ter protagonismo no debate de grandes temas nacionais, haja vista que assuntos delicados, não raro, são levados diretamente a plenário. Agora, com as vultosas cifras herdadas do orçamento secreto, esses órgãos mais parecem balcões de negócios. E, neles, o ambiente não tem nenhum valor.
Depois de Gaza, Israel pode invadir o Líbano
Correio Braziliense
Israel tem uma rara oportunidade de atacar o
Hezbollah e seus estoques de mísseis guiados de precisão porque os sistemas de
comunicação da milícia apoiada pelo Irã estão em colapso
Ondas de fumaça saem do local de um ataque
aéreo israelense na vila de Khiam, no sul do Líbano, perto da fronteira com
Israel, em 9 de fevereiro de 2024, em meio a tensões transfronteiriças em
curso, enquanto os combates continuam entre Israel e militantes do Hamas na
Faixa de Gaza. - (crédito: Rabih DAHER/AFP)
A explosão simultânea de milhares de pagers
no Líbano, na última terça-feira, surpreendeu o mundo. No dia seguinte, mais
detonações foram registradas em walkie-talkie em novos ataques direcionados
contra membros do Hezbollah não só no sul do Líbano, mas também em Beirute. Os
dois episódios resultaram em 37 mortes e quase 3 mil feridos e acentuaram o
clima de tensão do Oriente Médio.
Logo após os ataques, o ministro da
Defesa de Israel, Yoav Gallant, anunciou uma nova fase na guerra, que teve
início ontem. Um bombardeio em um subúrbio de Beirute matou o comandante de
operações militares do Hezbollah, Ibrahim Aqil. O pânico se estabeleceu entre
os libaneses, que estão com medo de usar os celulares depois do ataque com
características terroristas que o governo de Israel não assume.
Líbano não deseja a guerra, mas isso de nada
adianta. Israel tem uma rara oportunidade de atacar o Hezbollah e seus estoques
de mísseis guiados de precisão porque os sistemas de comunicação da milícia
apoiada pelo Irã estão em colapso. Muitos comandantes do grupo foram feridos ou
mortos nas explosões dos pagers e walkie-talkies.
O líder do Hezbollah, xeque Hassan Nasrallah,
disse, na quinta-feira, que Israel havia excedido "todos os limites,
regras e linhas vermelhas". Afirmou ainda que os ataques
transfronteiriços, como os 150 mísseis lançados contra o norte do território de
Israel, continuarão enquanto não houver um cessar-fogo em Gaza. O Hezbollah
está no seu pior momento desde a segunda guerra do Líbano, em 2006. Por essa
razão, pode ser iminente uma nova invasão de Israel ao Líbano.
Os ataques aos sistemas de comunicação do
Hezbollah foram planejados para fazer parte de uma operação maior e não apenas
como recado de que a milícia é mais vulnerável do que se imaginava. Entretanto,
o grupo tem aliados, como o Irã, paramilitares xiitas e os houthis do Iêmen.
Uma guerra total no Líbano escalaria inevitavelmente o conflito no Oriente
Médio.
Uma nova frente no Líbano interessaria
principalmente ao primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, para
prolongar ainda mais o estado de guerra que vigora em seu país e impedir a
realização de eleições, como deseja a maioria dos israelenses. Dois indícios de
que uma invasão pode ser efetivada são o Departamento de Estado norte-americano
pedir que seus cidadãos deixem o Líbano e Benjamin Netanyahu ter decidido,
ontem, adiar uma viagem que faria aos Estados Unidos.
Com Gaza destruída, as operações militares de
Israel contra o Hamas têm muitos efeitos colaterais, como a morte de crianças,
mulheres e idosos inocentes, e a baixa resolutividade quanto ao resgate dos
israelenses sequestrados no ataque de 7 de outubro. O desejo de retaliação
deixou de ser uma unanimidade devido à implacável retaliação feita em Gaza, mas
o resgate dos reféns é a grande prioridade da opinião pública israelense.
Na verdade, é preciso retomar as
negociações de paz com resolutividade, por mais difíceis que sejam. A crise
humanitária em Gaza é grave, e a crise política em Israel somente se aprofunda.
Nada disso, porém, demove o primeiro-ministro israelense, que corre risco de
ser preso, se deixar o governo, por causa das denúncias de corrupção.
Netanyahu, porém, é um político experiente, que soube unir a direita
israelense, e não pretende interromper a guerra, porque seria o fim do seu
mandato.
A grande incógnita, agora, é o nível de intervenção do Irã, que financia o Hezbollah e o Hamas e prometeu atacar Israel depois que Ismail Haniyeh, líder máximo do Hamas, foi morto por uma bomba plantada pelo Mossad em Teerã. Os líderes xiitas iranianos anunciaram uma retaliação que, até agora, não houve. O risco de uma invasão do Líbano é a guerra entre o Irã e Israel.
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