Valor Econômico
Economista defendia que protecionismo
tarifário estaria na base de todos os países que se industrializaram
Joan Robinson, uma das maiores economistas do
século XX, nunca foi agraciada com um Prêmio Nobel, algo tido como tratamento
injusto e deliberadamente discriminatório.
Em 1975, quando ela tinha 72 anos, houve uma campanha internacional para que o prêmio fosse concedido a ela. Seria a primeira mulher a ganhar o Nobel de Economia. No auge da campanha, Robinson fez um périplo pelas universidades americanas e foi surpreendida por um amplo boicote estimulado por economistas ortodoxos, que não compareceram a nenhum seminário feito por ela, reforçando a ideia de que grande parte da academia americana não apoiava a concessão do Nobel.
Robinson foi uma economista pós-keynesiana,
da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, aluna de John Maynard Keynes e
depois pertencente ao grupo de pensadores que se reuniu em torno dele. Ela
morreu em 1983, aos 79 anos, e deixou uma obra extensa, defendendo, na mais
conhecida (“The Economics of Imperfect Competition”), a teoria de que a
competição nos mercados não é perfeita.
A pandemia tarifária de Donald Trump, nas
últimas semanas, fez o professor Sinival Osorio Pitaguari, da Universidade
Estadual de Londrina, lembrar de Robinson. Inspirado nela, em texto de
doutorado que está finalizando, Pitaguari defende a ideia de que as propostas
desenvolvimentistas atuais precisam retomar uma política industrial
protecionista. Além, é claro, o que é mais ou menos consensual entre os
desenvolvimentistas, a atuação do Estado como planejador, financiador e
orientador dos investimentos privados.
Em seu livro “Desenvolvimento e
subdesenvolvimento”, observa o professor em seu estudo, Robinson defende a
adoção de uma política fortemente protecionista para as nações em
desenvolvimento. Mas ela critica o modelo de substituição de importações
adotado pelo Brasil por ter contado exageradamente com capitais externos e
basear-se principalmente na indústria de produtos supérfluos ou de luxo. O
Brasil teria construído seu processo de industrialização a partir do teto, em
vez de começar pelo alicerce, como fizeram China e Índia.
O protecionismo tarifário, segundo Robinson,
está na base de todos os países que se industrializaram. A partir do século
XVI, os colonizadores se especializaram na produção de bens manufaturados e
impuseram a agricultura ou a mineração em larga escala à maioria das colônias.
A Inglaterra, por exemplo, foi pioneira na revolução industrial porque adotou,
a favor do capital nacional, políticas altamente protecionistas: proibição de
importação de manufaturados, proibição de exportação de produtos primários e concessão
de monopólios para invenções.
Robinson considerava que os economistas do
terceiro mundo ocidental absorveram a doutrina dos benefícios universais do
livre comércio e desconsideraram o fato de que a maioria dos países, ao iniciar
projetos de desenvolvimento, adotaram políticas de alta proteção. Só após
alcançar o nível pretendido, é que o livre comércio passou a ser muito
vantajoso para a Inglaterra e continua sendo para as nações mais avançadas
tecnologicamente.
Para Robinson, portanto, o protecionismo não
seria estratégico para os EUA de hoje, por ser um país já desenvolvido. Mas há
controvérsias. Trump diz que a América ficou pequena, seria hoje um país “em
desenvolvimento”, e pretende fazê-la “grande novamente”. Pode ser que tenha
alguma razão. Rana Foroohar, do “Financial Times”, definiu as características
de um país emergente como aquele que tem economia incerta, política corrupta,
instituições fracas demais para fazer cumprir normas democráticas, violência e polarização
social. Algumas dessas características são aplicáveis aos EUA de hoje. Além
disso, os americanos já perderam espaço gigantesco no mercado global para a
indústria asiática, principalmente a chinesa.
Seja como for, a ironia da história é que o
protecionismo trumpista encontra acolhimento em parte das teorias
Robinsonianas, pós-keynesianas. Os EUA foram os grandes incentivadores e
impositores das teorias opostas, as neoliberais, que dominaram a economia
ocidental nas últimas décadas. O próprio Trump é cria da direita liberal
ortodoxa, que defende o livre mercado, enquanto Joan Robinson foi uma firme
defensora da intervenção estatal na economia e do protecionismo. Vale lembrar
que Trump é economista formado pela Wharton School of Finance, da Universidade
da Pensilvânia, escola com viés claramente pró-mercado.
O professor Pitaguari fez chacota com isso.
Disse a sua orientadora de doutorado, professora Maria Mollo, que, antes, para
bater na tese dele sobre a necessidade de o Brasil levantar barreiras
tarifárias para proteger a retomada da industrialização, os examinadores teriam
que bater também na Joan Robinson. Agora, diz em tom de piada, vão ter que
bater em Trump.
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