O Estado de S. Paulo
Com a colaboração essencial do bilionário Elon Musk, Trump vem desativando algumas das principais organizações norte-americanas com atuação mundial
Uma das leituras mais impressionantes dos
últimos dias foi ado artigo que Martin Wolf publicou no jornal britânico
Financial Times, do qualé o principal comentarista econômico. O título causa
impacto: “The economic consequences of a mad king ”( o jornal Valor Econômico
reproduziu o artigo em português ). O “rei louco” é referência direta ao
presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Wolf relembra trechos do artigo que escreveu em junho do ano passado, sobre os então candidatos à Presidência dos Estados Unidos, Joe Biden (que só no mês seguinte desistiria da candidatura em favor de Kamala Harris) e Donald Trump. “Biden pode ser velho. Mas Trump é louco e, infelizmente, não é um louco divertido. É um louco perigoso. Os instintos de Trump são também os de um ditador”, escreveu no ano passado. Agora na Presidência da nação econômica e militarmente mais poderosa do mundo, Trump age como o rei louco do título.
Na opinião de Wolf, “o que está acontecendo
hoje nos Esta dos Unido sé dei mportância histórica e também de importância
global, porque está em jogo a sobrevivência dos limites ao exercício arbitrário
do poder”. Para o comentarista britânico, as guerras comerciais que Trump
iniciou (guerras, porque é uma contra cada um dos demais países do mundo)
mostram os perigos envolvidos nessa decisão. Em poucos dias, Trump anunciou
sobretaxas para as importações originárias de todos os demais países, alguns
com alíquota de mais de 30%, voltou atrás e reduziu temporariamente a alíquota
para 10%, masa elevo upara a China, que respondeu com igual medida. Até agora,
as tarifas praticamente impedem o comércio entre as duas maiores economias do
mundo.
O objetivo declarado de T rum pé fazer
crescera indústria de seu país, que vem perdendo espaço para a produção de
manufaturados de outras partes do mundo. “Ninguém em sã consciência pode
acreditar que isso levará à industrialização dos Estados Unidos”, advertiu
Martin Wolf. “Na verdade, o resultado será uma paralisação dos negócios, o aumento
dos preços e a desaceleração da economia.”
É claro, como bem observou Celso Ming em sua
coluna Ora, o declínio da globalização... ( Estadão, 18/04, B2), que são
apressadas as interpretações segundo as quais a globalização “está em
inexorável retração”. Não está. Mas também é claro, como mostraram relatórios
recentes da Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento
(Unctad) e da Organização Mundial do Comércio (OMC), que a guerra de tarifas
deflagrada por Trump afeta as trocas comerciais.
Trump abriu muitas outras guerras. Em nome de
“fazer a América grande novamente”, ele quer destruir todas as organizações
multilaterais criadas no fim da Segunda Guerra Mundial e que, nas últimas oito
décadas, vêm assegurando a relativa paz no planeta, a expansão do comércio
mundial, a redução da pobreza e o crescimento. Todas, segundo ele, estão a
serviço de inimigos dos Estados Unidos. E Trump está enfraquecendo os acordos
militares que Washington conclui nos últimos anos, especialmente na Europa.
Com a colaboração essencial do bilionário
Elon Musk, Trump vem desativando algumas das principais organizações
norte-americanas com atuação mundial. São elas que, desde o fim da Segunda
Guerra, asseguram a presença dos Estados Unidos em grande número de países, com
ações de ajuda econômica e social, apoio ao desenvolvimento de países pobres e
outras iniciativas. O poder político norte-americano dependeu em boa parte
dessas ações.
Nas ú l t i mas s e manas, Trump concentrou
sua fúria demolidora contra universidades norte-americanas, exigindo delas
ações que agradem à Casa Branca em questões como o tratamento de questões
ligadas a escolhas sexuais e as ações militares de Israel na Faixa de Gaza. A
Casa Branca vem tentando impor às universidades exigências que implicam danos à
liberdade acadêmica e à independência indispensável para a pesquisa e a
produção do conhecimento. A resistência da Universidade Harvard a suas
imposições talvez o tenha surpreendido. E pode levar outras universidades a
rejeitar as intromissões do governo em sua liberdade acadêmica.
Nos últimos dias, Trump decidiu atacar o
Federal Reserve Board (Fed), o banco central americano, e vem procurando meios
para destituir seu presidente, que tem mandato fixado por lei. Não se trata de
criticar decisões da autoridade monetária do país, mas de intervir com mão
forte em sua direção.
“Déspotas imprevisíveis geram desperdício,
medo e incerteza generalizada”, observou Martin Wolf. “As guerras comerciais
voláteis de Trump e a demolição do sistema comercial global estão mostrando
isso em tempo real.”
O poder absoluto não pode ser confiado a
ninguém, menos ainda a demagogos, diz o articulista do Financial Times. “As
pessoas que apoiaram Trump deveriam saber que, totalmente liberado, ele
inevitavelmente semearia o caos.” E suas políticas prenunciam esse caos.
Como discordar?
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