terça-feira, 22 de abril de 2025

Trump e os perigos para o mundo - Jorge J. Okubaro

O Estado de S. Paulo

Com a colaboração essencial do bilionário Elon Musk, Trump vem desativando algumas das principais organizações norte-americanas com atuação mundial

Uma das leituras mais impressionantes dos últimos dias foi ado artigo que Martin Wolf publicou no jornal britânico Financial Times, do qualé o principal comentarista econômico. O título causa impacto: “The economic consequences of a mad king ”( o jornal Valor Econômico reproduziu o artigo em português ). O “rei louco” é referência direta ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

Wolf relembra trechos do artigo que escreveu em junho do ano passado, sobre os então candidatos à Presidência dos Estados Unidos, Joe Biden (que só no mês seguinte desistiria da candidatura em favor de Kamala Harris) e Donald Trump. “Biden pode ser velho. Mas Trump é louco e, infelizmente, não é um louco divertido. É um louco perigoso. Os instintos de Trump são também os de um ditador”, escreveu no ano passado. Agora na Presidência da nação econômica e militarmente mais poderosa do mundo, Trump age como o rei louco do título.

Na opinião de Wolf, “o que está acontecendo hoje nos Esta dos Unido sé dei mportância histórica e também de importância global, porque está em jogo a sobrevivência dos limites ao exercício arbitrário do poder”. Para o comentarista britânico, as guerras comerciais que Trump iniciou (guerras, porque é uma contra cada um dos demais países do mundo) mostram os perigos envolvidos nessa decisão. Em poucos dias, Trump anunciou sobretaxas para as importações originárias de todos os demais países, alguns com alíquota de mais de 30%, voltou atrás e reduziu temporariamente a alíquota para 10%, masa elevo upara a China, que respondeu com igual medida. Até agora, as tarifas praticamente impedem o comércio entre as duas maiores economias do mundo.

O objetivo declarado de T rum pé fazer crescera indústria de seu país, que vem perdendo espaço para a produção de manufaturados de outras partes do mundo. “Ninguém em sã consciência pode acreditar que isso levará à industrialização dos Estados Unidos”, advertiu Martin Wolf. “Na verdade, o resultado será uma paralisação dos negócios, o aumento dos preços e a desaceleração da economia.”

É claro, como bem observou Celso Ming em sua coluna Ora, o declínio da globalização... ( Estadão, 18/04, B2), que são apressadas as interpretações segundo as quais a globalização “está em inexorável retração”. Não está. Mas também é claro, como mostraram relatórios recentes da Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (Unctad) e da Organização Mundial do Comércio (OMC), que a guerra de tarifas deflagrada por Trump afeta as trocas comerciais.

Trump abriu muitas outras guerras. Em nome de “fazer a América grande novamente”, ele quer destruir todas as organizações multilaterais criadas no fim da Segunda Guerra Mundial e que, nas últimas oito décadas, vêm assegurando a relativa paz no planeta, a expansão do comércio mundial, a redução da pobreza e o crescimento. Todas, segundo ele, estão a serviço de inimigos dos Estados Unidos. E Trump está enfraquecendo os acordos militares que Washington conclui nos últimos anos, especialmente na Europa.

Com a colaboração essencial do bilionário Elon Musk, Trump vem desativando algumas das principais organizações norte-americanas com atuação mundial. São elas que, desde o fim da Segunda Guerra, asseguram a presença dos Estados Unidos em grande número de países, com ações de ajuda econômica e social, apoio ao desenvolvimento de países pobres e outras iniciativas. O poder político norte-americano dependeu em boa parte dessas ações.

Nas ú l t i mas s e manas, Trump concentrou sua fúria demolidora contra universidades norte-americanas, exigindo delas ações que agradem à Casa Branca em questões como o tratamento de questões ligadas a escolhas sexuais e as ações militares de Israel na Faixa de Gaza. A Casa Branca vem tentando impor às universidades exigências que implicam danos à liberdade acadêmica e à independência indispensável para a pesquisa e a produção do conhecimento. A resistência da Universidade Harvard a suas imposições talvez o tenha surpreendido. E pode levar outras universidades a rejeitar as intromissões do governo em sua liberdade acadêmica.

Nos últimos dias, Trump decidiu atacar o Federal Reserve Board (Fed), o banco central americano, e vem procurando meios para destituir seu presidente, que tem mandato fixado por lei. Não se trata de criticar decisões da autoridade monetária do país, mas de intervir com mão forte em sua direção.

“Déspotas imprevisíveis geram desperdício, medo e incerteza generalizada”, observou Martin Wolf. “As guerras comerciais voláteis de Trump e a demolição do sistema comercial global estão mostrando isso em tempo real.”

O poder absoluto não pode ser confiado a ninguém, menos ainda a demagogos, diz o articulista do Financial Times. “As pessoas que apoiaram Trump deveriam saber que, totalmente liberado, ele inevitavelmente semearia o caos.” E suas políticas prenunciam esse caos.

Como discordar?

 

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