quarta-feira, 20 de agosto de 2025

Legislação instagramável, por Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Redes sociais afetaram comportamento de parlamentares, que parecem mais interessados em likes do que em fazer boas leis

Até uns 15 anos atrás, parlamentares em busca de visibilidade precisavam cavar um espacinho em "A Voz do Brasil". As redes sociais subverteram essa lógica. Hoje, cada congressista pode ser o editor de si mesmo, registrando sua atividade na Câmara ou no Senado e disponibilizando o vídeo diretamente a seu público.

A mudança não veio sem efeitos colaterais. A performance, que em algum grau já competia com o conteúdo, se tornou muito mais importante do que ele. As propostas apresentadas pelos parlamentares não precisam ser boas, factíveis e nem mesmo ser aprovadas em plenário. Basta que o deputado ou senador passe a mensagem que seu eleitor quer ouvir, que ela se traduzirá em likes e talvez também votos no próximo pleito.

O resultado líquido desse processo não é muito positivo. Embora haja exceções, as proposições ficaram mais próximas de esforços publicitários do que de boa legislação. Um bom indício disso aparece em reportagem da Folha que mostrou que 37% dos projetos sobre saúde em tramitação no Congresso em 2024 ou contrariam (26%) ou duplicam (11%) normas já existentes no SUS. Esse levantamento, que envolveu a análise de 1.314 matérias legislativas referentes à saúde, foi realizado pelo Ieps (Instituto de Estudos para Políticas da Saúde) em parceria com a Umane.

As propostas mais preocupantes são as que conflitam com a regulamentação em vigor. Não que não haja muito a melhorar no SUS, mas é preciso fazê-lo com base em ciência e boa técnica.

Não é esse o caso de muitos dos projetos, que parecem objetivar mais os likes do que a melhoria da saúde pública. Um bom exemplo é o da proposta que assegura a pais a internação imediata de menores com dependência química. É uma ótima ideia para arrancar aplausos de certos públicos, mas não necessariamente o melhor para o menor ou para o sistema de saúde. Internações que não passam nem por avaliação médica não fazem muito sentido.

Como também não dá para limitar os poderes do Parlamento, esse é um daqueles problemas sem solução.

 

 

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