quarta-feira, 20 de agosto de 2025

Falta espaço fiscal para exercer a soberania, por Lu Aiko Otta

Valor Econômico

Orçamento deixa pouca margem de manobra para responder a emergências

Medida das mais aguardadas pelas indústrias atingidas pelo tarifaço, o aumento da alíquota do Reintegra de 0,1% para 3,1% entrou e saiu do Plano Brasil Soberano várias vezes na reta final de fechamento do pacote. “No fim, foi reintegrado”, brincou um membro do governo.

Mas, para isso, foi preciso pedir ao Congresso Nacional uma dispensa em relação às regras fiscais, o que mostra o difícil convívio do governo com um Orçamento que deixa pouca margem de manobra para responder a emergências.

O Reintegra dá um crédito tributário às empresas exportadoras, para compensar resíduos de impostos que ficam no preço da mercadoria. Era de 0,1%.

Como antecipado neste espaço, havia uma discussão sobre elevar a alíquota para 3% para as médias empresas, como um reforço a elas frente ao tarifaço. A medida não só se concretizou, como foi ampliada, abarcando também as grandes. Além disso, o Reintegra para micro e pequenas, que já estava em 3%, chegará a 6%.

Essa bondade tem um custo, que foi limitado a R$ 5 bilhões em 2025 e 2026. A equipe econômica não viu como compatibilizá-la com as metas de resultado das contas públicas, por isso, propôs tratá-la fora das regras fiscais. O pedido de dispensa se estende aos R$ 4,5 bilhões em aportes que serão feitos em fundos garantidores de crédito aos exportadores.

Até a véspera do anúncio das medidas, o plano era outro: o Reintegra não seria aumentado num primeiro momento e os aportes nos fundos caberiam nas projeções de receitas e despesas do ano. Tanto era assim que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que não haveria pedido de “waiver”. Mas houve.

A mudança ocorreu nas poucas horas passadas entre a declaração de Haddad e a cerimônia de anúncio do plano no Palácio do Planalto, contou o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan. Segundo informou, na última hora o governo chegou a um consenso quanto à importância de elevar as alíquotas do Reintegra de imediato.

O tratamento do pacote fora das regras fiscais dividiu os holofotes com as próprias medidas de apoio às empresas prejudicadas pela tarifa de 50% imposta pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

O impacto fiscal desse conjunto será pequeno, avaliaram especialistas. O problema é que, segundo disse Haddad no lançamento do plano, medidas adicionais poderão ser adotadas.

Caso isso ocorra, será num cenário difícil para as contas públicas. Em julho, o Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias (RARDP), mais conhecido como “bimestral”, trouxe uma projeção de déficit de R$ 74,9 bilhões. Apesar do rombo bilionário, o número indicava o cumprimento da meta de déficit zero, por causa dos descontos de gastos com precatórios e da margem de tolerância de R$ 31 bilhões na meta.

Agora, o déficit poderá chegar a R$ 89,1 bilhões e a meta zero terá sido formalmente cumprida. Se o modelo de adotar medidas fora das regras fiscais for repetido, o quadro pode piorar. Porém, seria muito difícil acomodar mais medidas dentro do Orçamento e das metas do arcabouço.

“Para termos capacidade de propor pacotes que, de fato, tragam esse alívio e expressem essa soberania nacional, será preciso olhar para o que já está na mesa e gerar espaços e alívios ali”, disse à coluna o secretário de Monitoramento, Avaliação de Políticas Públicas e Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento, Wesley Matheus de Oliveira. “Se não, não conseguiremos ser soberanos quando precisarmos.”

A pasta do Planejamento divulgou ontem o Orçamento de Subsídios da União (OSU) com dados de 2024. Mostra que a conta dos subsídios tributários, que são isenções e descontos em impostos e contribuições, subiu a 4,8% do Produto Interno Bruto (PIB). A Constituição diz que deveriam ser reduzidos a 2% do PIB.

Nesse bolo, explicou o secretário, estão benefícios fiscais que foram importantes na época em que foram criados, mas hoje já perderam o sentido. A eliminação deles abriria espaço para, por exemplo, mais medidas do tipo do Reintegra como resposta ao tarifaço.

Os benefícios tributários criados em resposta a crises também deveriam ser limitados no tempo, além de observar metas, defendeu.

O tarifaço não é a única emergência com a qual o governo precisa lidar. “Em emergência climática, temos que ter capacidade de resposta”, disse. “O problema é que hoje estamos muito alavancados e, se precisarmos responder a novas crises, teremos dificuldade.”

O secretário destacou duas propostas de redução de gastos tributários que tramitam no Congresso Nacional: um de autoria do senador Esperidião Amin (PP-SC) e outro, do deputado Mauro Benevides (PDT-CE). O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), defende a redução de gastos tributários como compensação ao aumento da isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) para R$ 5 mil.

Mas é difícil acreditar, a essa altura do calendário eleitoral, que o Congresso vá avançar de forma significativa nessa agenda.

 

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