Valor Econômico
Alguém nos EUA fez referência, que repercutiu
na mídia, de que a América Latina é o quintal dos americanos. Continua sendo
A cada dia e cada vez mais, e com crescente
dificuldade, percebemos que a realidade social e política muda e se
transfigura. Tão depressa que até mesmo nossa alfabetização foi relativizada, o
vocabulário inundado por uma enxurrada de palavras diferentes, muitas que dizem
algo que já supúnhamos dizer com as velhas e costumeiras palavras ensinadas por
nossos avós e pais.
Um sentimento desconfortável de ignorância se apossa dos que, como eu, foram educados na certeza de que o saber é progressivo e acumulativo. O de fato aprendido, supostamente aprendido está. Mesmo o nosso mundo cotidiano, tradicionalmente tão repetitivo, já não se repete. O mundo de cada manhã é uma surpresa. Além do mais, o nosso pequeno mundo de seres do dia a dia é regulado por um grande mundo que não conhecíamos.
Na manhã de sábado, dia 6, li na primeira
página do “New York Times” que o ainda presidente dos EUA decidira mudar o nome
do seu Departamento de Defesa para Departamento de Guerra. Nestes dias, tomou
decisões quanto ao deslocamento de navios de guerra americanos para o Caribe.
Um ataque americano seria retaliação a um possível ataque da Venezuela.
Justificou-se com suspeitas sobre a Venezuela. O velho truque de provocar a
guerra para ter o pretexto de fazê-la.
Trump anunciou também seu desapontamento com
o Brasil na questão do tarifaço. Ou seja, não é a Venezuela que está na mira
dos canhões do agora Departamento de Guerra. Ou não é apenas. Trump quer
arrastar a América do Sul a um novo cenário de conflitividade. Ele muda a
geografia do mundo com o que se pode chamar de sua geopolítica do quintalismo.
Essa é a palavra nova. Alguém nos EUA fez
referência, há algum tempo, que repercutiu na mídia, de que a América Latina é
o quintal dos americanos. Continua sendo.
Justificam no Brasil de hoje o que é próprio
do fascismo e do nazismo, nem mesmo faltando a suástica em bandeiras e em
trajes em várias manifestações públicas. Todos, no fundo, a achar que quem é
fascista e direitista é, ao mesmo tempo, patriota.
Escandalosa e acintosa, a imensíssima
bandeira americana no desfile bolsonarista do dia 7 de setembro na avenida
Paulista para não comemorar o dia da pátria. No caminhão-palanque os astros das
pretensões antipatrióticas e antidemocráticas: o pastor Malafaia, o governador
Tarcísio de Freitas, o gerente do PL e os acólitos da trama e do disfarce.
No mesmo momento em que o golpe de Estado
está em julgamento e as primeiras sentenças para a cúpula da trama são
anunciadas, a exibição descarada de que o golpe continua na manifestação
quinta-coluna da simbólica avenida. É a continuidade do golpe de 1964.
Os cidadãos democráticos do país cometeram
grave erro ao julgarem que o fim da ditadura militar de fato acabava com ela.
Faltou-nos aqui uma providência como a que a Universidade da Califórnia em
Berkeley fez nos estados no imediato pós-guerra: a referencial pesquisa
sociológica sobre o Fator F (Fascismo), de uma equipe de cientistas liderados
por Theodor W. Adorno, sobre personalidade autoritária nos EUA. Um estudo sobre
a disponibilidade dos americanos para a aceitação do discurso antidemocrático e
fascista.
De fato, nos anos 1950 a América manifestou
traços de personalidade como o racismo, a intolerância ideológica, a variedade
de preconceitos antissociais. Só aos poucos os movimentos sociais provocaram
alguma superação da anomalia e do perigo.
Aqui, não fizemos nada disso. Ingenuamente, julgamos
que o fim formal da ditadura militar era suficiente para estabelecer a
democracia. Os democratas não foram capazes de perceber que a ditadura não fora
derrotada. Fora apenas disfarçada.
Não era o PSDB o inimigo do PT, nem era FHC o
adversário de Lula. O inimigo da democracia era o obscuro e tosco Bolsonaro e
sua enorme competência para agregar e tanger a imensa massa que lhe deu o poder
de desgovernar para desconstruir a democracia e, embora já preso, para se
comportar como se ainda estivesse no poder. Ele e os seus. A imensa tropa da
geopolítica do quintalismo.
O surto fascista deste momento nem é surto. É
desdobramento rítmico e cíclico de nossa ansiedade permanente pelo retorno ao
mandonismo que tem seu centro na reciprocidade binária da casa-grande e da
senzala. As elites, com óbvias e notáveis exceções, vivem a nostalgia dessa
relação de servidão.
Como se nota no comportamento dos Bolsonaros
e dos bolsonaristas no servilismo antibrasileiro e traidor aos EUA, a Trump e
sua corte antidemocrática, indicam a nossa cumplicidade com a geopolítica do
quintalismo de Trump. Nos servos ideológicos brasileiros, parasitas do próprio
governo americano somos nós que queremos a dominação imperialista, e não eles.
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