Valor Econômico
Aumenta o poder de compra do salário mínimo em relação ao valor da cesta básica, mas nível de preços da comida continua elevado
Com o recuo dos preços de alimentação no domicílio, o poder de compra do salário mínimo em relação ao valor da cesta básica tem melhorado nos últimos meses. A deflação de alimentos é um alívio em especial para os mais pobres, que gastam uma parcela maior da renda com esses produtos. Essa trégua dos preços da comida parece contribuir para a moderada recuperação recente da popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No entanto, como as cotações de alimentos subiram muito de 2019 para cá, o impacto pode ser modesto, dado o elevado nível de preços desses produtos, mesmo com a queda de junho para cá.
O economista-chefe da corretora Tullett
Prebon, Fernando Montero, destaca o recuo do custo da cesta básica em relação
ao salário mínimo nos últimos meses. Em abril, o mínimo de R$ 1.518 comprava
uma cesta e sobravam R$ 148,19; já em agosto, a diferença entre o valor do piso
salarial e do conjunto de itens básicos havia subido para R$ 222,14. Nesses
quatro meses, o valor da cesta básica caiu de R$ 1.369,81 para R$ 1.295,86, uma
queda de 5,4%. Os alimentos respondem por 86% da cesta básica coletada pela
Fundação Procon-SP em parceria com o Dieese- o restante são itens de limpeza e
higiene pessoal.
A combinação da safra recorde com a valorização
do câmbio explica a baixa dos preços, avalia Montero, ressaltando o efeito
favorável do setor agropecuário. “Delfim [o ex-ministro Antonio Delfim Netto]
dizia que o que não podia faltar no Brasil era câmbio e comida. O agro dá os
dois”, diz ele. A safra recorde ajuda a baratear os alimentos, ao aumentar a
oferta, ao mesmo tempo em que as exportações de produtos agropecuários garantem
uma boa parte do saldo comercial do país, contribuindo para um câmbio mais
valorizado.
A melhora do poder de compra da renda em
relação ao valor da cesta básica é positiva para Lula, avalia Montero. Nos
últimos meses, o presidente viu alguma melhora em sua popularidade em relação
ao momento bastante negativo do segundo trimestre. Além do alívio nos preços de
alimentos, a imposição pelo governo dos EUA de tarifas elevadas sobre as
exportações brasileiras teve algum efeito favorável sobre a avaliação de Lula.
No último ano do governo de Jair Bolsonaro, o
salário mínimo de R$ 1.212 deixou de ser suficiente para comprar uma cesta
básica, que subiu 14,6% em 2022, para R$ 1.247,04. No Índice Nacional de Preços
ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação de alimentos no domicílio foi de 13,2%
naquele ano, chegando a bater em 17,5% nos 12 meses até julho de 2022, um dos
motivos que afetaram a popularidade de Bolsonaro.
Em 2023, a inflação de alimentos deu uma
trégua, recuando 0,5%. O movimento, porém, durou pouco, e as cotações desses
produtos subiram 8,2% no ano passado, acumulando alta perto de 7,9% nos 12
meses até março e abril deste ano, sendo um dos principais fatores com efeito
negativo sobre a aprovação de Lula. Para 2026, o salário mínimo deve ter um
aumento nominal de 7,44%, atingindo R$ 1.631, de acordo com o Projeto de Lei
Orçamentária Anual (PLOA), lembra Montero. Isso embute uma alta de 2,5% acima
da inflação. É algo que deverá incentivar o consumo, mas com um impacto fiscal
significativo, uma vez que o mínimo corrige benefícios previdenciários e
assistenciais.
Nos últimos meses, os preços de alimentos
passaram ao terreno negativo. Com isso, as projeções para a inflação de comida
em casa em 2025 perderam fôlego. Em maio, o economista Fábio Romão, da
4Intelligence, estimava uma alta neste ano de 7,5% para o grupo, que tem peso
de 15,7% no IPCA. Hoje, ele projeta um avanço de 4,98%. Essa perspectiva mais
favorável para os preços de alimentação no domicílio contribui bastante para
uma previsão de um IPCA menor neste ano, afirma Romão, que espera atualmente um
indicador de 4,85% em 2025; em maio, a estimativa era de 5,5%, ainda mais
distante da meta perseguida pelo Banco Central (BC), de 3%.
Romão atribui o “relevante alívio dos preços
da alimentação no domicílio” a quatro fatores: boas safras em algumas culturas,
por meio de ganhos de produtividade; efeitos temporários da gripe aviária,
aumentando a oferta doméstica de aves, o que afetou os preços de outras
proteínas; a valorização do câmbio - o dólar recuou de R$ 6,18 no fim de 2024
para a casa de R$ 5,30 a R$ 5,40 -; e o tarifaço americano, este com impacto
limitado. Segundo Romão, a expectativa de implementação das tarifas mais
elevadas “tirou força de alguns preços, só que, mais adiante, como alguns
desses mercados se ajustaram, o efeito vai sair de cena”. É o caso de carnes,
por exemplo, cujas exportações para o México aumentaram, como diversificação de
destinos de produtos brasileiros. As carnes ficaram fora da lista de exceções
divulgada pelo governo dos EUA, continuando sujeitas a uma alíquota mais alta.
Uma inflação mais baixa de alimentos é uma
notícia favorável para Lula, mas um detalhe importante tende a impedir um
efeito mais forte sobre a popularidade do presidente. O ponto é que as cotações
desses produtos subiram muito nos últimos anos. De janeiro de 2019 a setembro
deste ano, o grupo alimentação no domicílio teve alta de 72,3%, enquanto o
índice “cheio” avançou 44,1% no período, segundo números do IPCA-15. Em resumo,
o nível de preços de alimentos continua muito elevado, mesmo com a queda das
cotações desses produtos nos últimos meses.
A inflação de alimentos mais contida, porém,
torna mais fácil a convergência do IPCA para a trajetória das metas perseguidas
pelo BC. De 2019 para cá, com exceção da queda de 0,5% ocorrida em 2023, a
variação de preços de alimentação no domicílio nunca ficou abaixo de 7,8%,
tendo fechado acima de dois dígitos duas vezes - 18,2% em 2020 e 13,2% em 2022.
Se concretizada, uma inflação de comida em casa um pouco abaixo de 5%, como
projeta Romão, será uma boa notícia no front inflacionário.
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