segunda-feira, 29 de setembro de 2025

Com alívio nos preços de alimentos, melhora poder de compra do mínimo. Por Sergio Lamucci

Valor Econômico

Aumenta o poder de compra do salário mínimo em relação ao valor da cesta básica, mas nível de preços da comida continua elevado

Com o recuo dos preços de alimentação no domicílio, o poder de compra do salário mínimo em relação ao valor da cesta básica tem melhorado nos últimos meses. A deflação de alimentos é um alívio em especial para os mais pobres, que gastam uma parcela maior da renda com esses produtos. Essa trégua dos preços da comida parece contribuir para a moderada recuperação recente da popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No entanto, como as cotações de alimentos subiram muito de 2019 para cá, o impacto pode ser modesto, dado o elevado nível de preços desses produtos, mesmo com a queda de junho para cá.

O economista-chefe da corretora Tullett Prebon, Fernando Montero, destaca o recuo do custo da cesta básica em relação ao salário mínimo nos últimos meses. Em abril, o mínimo de R$ 1.518 comprava uma cesta e sobravam R$ 148,19; já em agosto, a diferença entre o valor do piso salarial e do conjunto de itens básicos havia subido para R$ 222,14. Nesses quatro meses, o valor da cesta básica caiu de R$ 1.369,81 para R$ 1.295,86, uma queda de 5,4%. Os alimentos respondem por 86% da cesta básica coletada pela Fundação Procon-SP em parceria com o Dieese- o restante são itens de limpeza e higiene pessoal.

A combinação da safra recorde com a valorização do câmbio explica a baixa dos preços, avalia Montero, ressaltando o efeito favorável do setor agropecuário. “Delfim [o ex-ministro Antonio Delfim Netto] dizia que o que não podia faltar no Brasil era câmbio e comida. O agro dá os dois”, diz ele. A safra recorde ajuda a baratear os alimentos, ao aumentar a oferta, ao mesmo tempo em que as exportações de produtos agropecuários garantem uma boa parte do saldo comercial do país, contribuindo para um câmbio mais valorizado.

A melhora do poder de compra da renda em relação ao valor da cesta básica é positiva para Lula, avalia Montero. Nos últimos meses, o presidente viu alguma melhora em sua popularidade em relação ao momento bastante negativo do segundo trimestre. Além do alívio nos preços de alimentos, a imposição pelo governo dos EUA de tarifas elevadas sobre as exportações brasileiras teve algum efeito favorável sobre a avaliação de Lula.

No último ano do governo de Jair Bolsonaro, o salário mínimo de R$ 1.212 deixou de ser suficiente para comprar uma cesta básica, que subiu 14,6% em 2022, para R$ 1.247,04. No Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação de alimentos no domicílio foi de 13,2% naquele ano, chegando a bater em 17,5% nos 12 meses até julho de 2022, um dos motivos que afetaram a popularidade de Bolsonaro.

Em 2023, a inflação de alimentos deu uma trégua, recuando 0,5%. O movimento, porém, durou pouco, e as cotações desses produtos subiram 8,2% no ano passado, acumulando alta perto de 7,9% nos 12 meses até março e abril deste ano, sendo um dos principais fatores com efeito negativo sobre a aprovação de Lula. Para 2026, o salário mínimo deve ter um aumento nominal de 7,44%, atingindo R$ 1.631, de acordo com o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), lembra Montero. Isso embute uma alta de 2,5% acima da inflação. É algo que deverá incentivar o consumo, mas com um impacto fiscal significativo, uma vez que o mínimo corrige benefícios previdenciários e assistenciais.

Nos últimos meses, os preços de alimentos passaram ao terreno negativo. Com isso, as projeções para a inflação de comida em casa em 2025 perderam fôlego. Em maio, o economista Fábio Romão, da 4Intelligence, estimava uma alta neste ano de 7,5% para o grupo, que tem peso de 15,7% no IPCA. Hoje, ele projeta um avanço de 4,98%. Essa perspectiva mais favorável para os preços de alimentação no domicílio contribui bastante para uma previsão de um IPCA menor neste ano, afirma Romão, que espera atualmente um indicador de 4,85% em 2025; em maio, a estimativa era de 5,5%, ainda mais distante da meta perseguida pelo Banco Central (BC), de 3%.

Romão atribui o “relevante alívio dos preços da alimentação no domicílio” a quatro fatores: boas safras em algumas culturas, por meio de ganhos de produtividade; efeitos temporários da gripe aviária, aumentando a oferta doméstica de aves, o que afetou os preços de outras proteínas; a valorização do câmbio - o dólar recuou de R$ 6,18 no fim de 2024 para a casa de R$ 5,30 a R$ 5,40 -; e o tarifaço americano, este com impacto limitado. Segundo Romão, a expectativa de implementação das tarifas mais elevadas “tirou força de alguns preços, só que, mais adiante, como alguns desses mercados se ajustaram, o efeito vai sair de cena”. É o caso de carnes, por exemplo, cujas exportações para o México aumentaram, como diversificação de destinos de produtos brasileiros. As carnes ficaram fora da lista de exceções divulgada pelo governo dos EUA, continuando sujeitas a uma alíquota mais alta.

Uma inflação mais baixa de alimentos é uma notícia favorável para Lula, mas um detalhe importante tende a impedir um efeito mais forte sobre a popularidade do presidente. O ponto é que as cotações desses produtos subiram muito nos últimos anos. De janeiro de 2019 a setembro deste ano, o grupo alimentação no domicílio teve alta de 72,3%, enquanto o índice “cheio” avançou 44,1% no período, segundo números do IPCA-15. Em resumo, o nível de preços de alimentos continua muito elevado, mesmo com a queda das cotações desses produtos nos últimos meses.

A inflação de alimentos mais contida, porém, torna mais fácil a convergência do IPCA para a trajetória das metas perseguidas pelo BC. De 2019 para cá, com exceção da queda de 0,5% ocorrida em 2023, a variação de preços de alimentação no domicílio nunca ficou abaixo de 7,8%, tendo fechado acima de dois dígitos duas vezes - 18,2% em 2020 e 13,2% em 2022. Se concretizada, uma inflação de comida em casa um pouco abaixo de 5%, como projeta Romão, será uma boa notícia no front inflacionário.

 

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