O Globo
O governo ainda está precisando de truques para cumprir a meta de déficit zero neste ano
O noticiário tem sido dominado pela política.
Faz sentido. Não é todo dia que um ex-presidente é condenado a 27 anos de
prisão num julgamento televisionado ao vivo. Além disso, já está na pauta a
eleição nacional de 2026, com os eventuais candidatos em plena campanha.
As questões econômicas tornam-se secundárias,
e isso até ajuda o governo na busca por mais arrecadação. Mas basta olhar mais
de perto, e lá está a equipe econômica naquela mesma toada: elevando os gastos
e procurando impostos para fechar as contas, tanto as deste ano como as de
2026.
Temos alguns exemplos.
O ministro Fernando Haddad costuma reclamar
dos gastos tributários. Refere-se a subsídios e isenções de impostos que
cidadãos e empresas deveriam pagar e não pagam. Não se está falando de
sonegação, mas de benefícios fiscais concedidos por lei. Não raro, Haddad e
outros integrantes do governo associam essas vantagens a injustiças do sistema
tributário. É muito dinheiro. Neste ano, o governo estima um gasto tributário
de R$ 544 bilhões.
Assim, sem surpresa, o governo anunciou um
corte linear de 10% nos benefícios fiscais. Seria um extraordinário ganho para
os cofres da União, nada menos que R$ 54,4 bilhões. Para ter uma ideia do
tamanho: neste ano, a Fazenda espera um déficit de R$ 30,2 bilhões. Isso se
tornaria um superávit folgado se o corte no gasto tributário estivesse em
vigor.
Mas a coisa saiu bem menorzinha. Pelo Projeto
de Lei apresentado pelo líder do governo na Câmara dos Deputados, José
Guimarães (PT-CE), o corte incidirá sobre benefícios que somam apenas
R$ 95 bilhões. Ficam de fora gastos tributários no valor de R$ 449,2 bilhões,
de acordo com dados apurados pelo jornal Valor Econômico. São justamente os
benefícios mais caros.
Por exemplo: subsídios às empresas do Simples
Nacional, R$ 121 bilhões; benefícios ao sistema MEI (Microempreendedor
Individual) e a pessoas físicas (deduções de educação e saúde na declaração do
IR), mais R$ 126 bilhões. Também foram poupados a Zona Franca de Manaus (R$ 30
bilhões) e o agronegócio (R$ 83 bilhões).
Por que esses e outros setores foram
poupados? Primeiro, porque alguns, como a Zona Franca, estão previstos na
Constituição, de alteração muito mais difícil. Outros são, digamos,
politicamente sustentados, como os referentes às micro e pequenas empresas e às
deduções no IR.
Por isso o projeto inclui o aumento na
tributação das empresas que declaram no sistema do lucro presumido. Isso deverá
dar ao Tesouro uma receita adicional de uns R$ 10,4 bilhões. Somada aos R$ 9,5
bilhões de corte nos benefícios, já dá um bom alívio para o Orçamento de 2026.
Também está em tramitação no Congresso uma
Medida Provisória apelidada de “alternativa ao IOF”. Lembram? O governo baixou
um decreto aumentando alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). O
Congresso barrou, o caso foi parar no STF,
que deu razão ao governo. Assim, entraram já em vigor as novas alíquotas. No
vaivém do decreto, o governo enviou ao Congresso uma MP que taxa títulos de
crédito até aqui isentos, como os vinculados ao setor imobiliário e ao
agronegócio. Era para substituir a receita perdida com a queda do IOF.
Pois o IOF vingou, e a MP continua lá.
Mesmo assim, o governo ainda está precisando
de truques para cumprir a meta de déficit zero neste ano. Ocorre que essa meta
tem margem de tolerância de 0,25% do PIB, para mais ou
menos. Em dinheiro, isso corresponde a R$ 31 bilhões. O último relatório da
Fazenda sobre as contas deste ano prevê déficit de R$ 30,2 bilhões — e esse é o
verdadeiro objetivo do governo.
A Fazenda diz ser obrigada a trabalhar com o
piso da meta. Mas o Tribunal de Contas da União decidiu que a meta obrigatória
é zero. O governo recorre dessa decisão, e a coisa ficará para o ano que vem.
Assim, o truque se fecha: o governo encerra o ano com déficit de uns R$ 30 bilhões
e dá por cumprida a meta de déficit zero. Os aumentos de impostos deste ano não
deram conta. Por isso, a busca de novos para 2026.
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