segunda-feira, 29 de setembro de 2025

Política Econômica? Ou Economia Política? Por Alfredo Maciel da Silveira

Começo reproduzindo breve artigo de Albert Fishlow no Estadão, 20 de novembro de 2022, de quando Lula acabara de ser eleito para o presente mandato. No mesmo dia, eu me permitira fazer um resumo introdutório numa rede social.

Penso que assim exponho nossa reiterada e permanente problemática socioeconômica, reduzida à sua “expressão mais simples”, como se diz tanto na matemática quanto na sabedoria quotidiana.

Já passou da hora de acordarmos para o imperativo do crescimento acelerado e sustentável de nossa economia, base para quaisquer estratégias de mudanças estruturais rumo à justiça distributiva e equilíbrio social! Já não há piores sintomas das nossas ilusões - quanto a políticas públicas populistas conciliadas ao neoliberalismo atávico - do que a flagrante ameaça fascista que nos assalta, aqui, e nos centros do poder capitalista mundial.

Seguem meu resumo de 2022 seguido do artigo daquele grande brasilianista.

Meu resumo.

“Olhem a Taxa de Investimento do Fishlow, de 25% sobre o PIB.”

1) Num artigo curto, ele não poderia mesmo se estender sobre como alcançá-la; o foco é nosso atraso na formação da capacidade produtiva; "(...) restará pouco para o investimento público necessário para estimular o crescimento real do capital social";

2) A modesta taxa média de crescimento do PIB de 3% aa que ele cautelosamente admite para o quadriênio, não deve guardar relação (digo eu), com aquela taxa robusta desejável de 25% do investimento sobre o PIB;

3) Não sei por quanto anda a relação produto/capital média de nossa economia; mas apesar do atraso na produtividade sistêmica de nossa economia nas últimas décadas, que exige taxas de investimento comparativamente mais elevadas, uma taxa sustentada de 25%, sem ser "chinesa", seria espetacular;

4) Este grande brasilianista, fala pouco e bota o dedo na ferida!

Agora o breve artigo de Fishlow*.

“Planos para o futuro de forma produtiva”

O Estado de S. Paulo – 20/11/2022

"O mundo de hoje é bem diferente daquele que existia no primeiro mandato de Lula

Estes ainda são dias de alegria. Lula foi eleito presidente do Brasil mais uma vez, ainda que por pouco. Nos EUA, os democratas mantiveram o controle do Senado, mas não conseguiram a maioria na Câmara.

Desta vez, Bolsonaro e Trump fracassaram em reestruturar as sociedades de seus países enfatizando os valores pessoais deles – e aqueles de suas famílias –, em detrimento dos mais pobres, das mulheres, da diversidade racial e sexual, dos indígenas e de outros críticos declarados. Tanto Bolsonaro quanto Trump queriam olhar para trás, e não para frente.

Mas a vantagem apertada de cada vitória limita a liberdade de, simplesmente, seguir em frente. Um futuro melhor exige uma capacidade contínua de tentar estabelecer relações amigáveis e se comprometer, em vez de se impor. Isso vale até mesmo no Oriente Médio e no conflito entre a Ucrânia e a Rússia de Putin.

Este é um mundo bem diferente daquele de quando Lula iniciou seu primeiro mandato. Naquela época, ele optou pela continuidade da conversão dos superávits primários proposta por FHC. O boom das commodities permitiu uma redução contínua da dívida, uma melhora na taxa de câmbio, um crescimento mais elevado e, sobretudo, um aumento no consumo interno à medida que os termos de troca prosperavam.

Com a decisão de realizar uma grande distribuição de recursos para os mais pobres no início de seu novo governo, restará pouco para o investimento público necessário para estimular o crescimento real do capital social. O Brasil precisa de uma taxa de investimento regular da ordem de pelo menos 24%/25% de seu PIB. Parte dela pode vir de uma ampliação do investimento estrangeiro, mas também deve haver um aumento da poupança doméstica para financiar o crescimento. Isso tem sido altamente variável, caindo para menos de 15% quando o investimento estrangeiro estava em rápida expansão.

Em poucas palavras, o Brasil não avançou para um compromisso regular e maior com a formação de capital, mesmo com o crescimento de sua receita. Não houve um grande aumento na participação do comércio internacional, como aconteceu em outros países. Sempre, de alguma forma, a questão volta-se para o papel positivo das indústrias, e não para os avanços que ocorreram na agricultura, na mineração e na extração de petróleo, além de algumas melhorias nos serviços.

Para terminar, o Brasil chegou a um ponto em que as decisões produtivas se tornaram essenciais. Dilma prometeu dobrar a renda per capita de 2010 até o aniversário de 200 anos da Independência do Brasil, ou seja, 2022. Uma meta mais modesta, mas notável, seria atingir uma taxa de crescimento contínua de 3% até 2026. (Tradução de Romina Cácia).

*Economista e cientista político, professor emérito nas Universidades de Columbia e da Califórnia em Berkeley"

­­­­­­­­­­­­­­­­Prossigo em minha análise de agora quanto à problemática do investimento e do crescimento.

O investimento público "arrasta" o investimento privado (effet d’entrâinemment, para os franceses das antigas até Mitterrand, engolido pelo capital financeiro), com maior ou menor grau de coordenação, tanto em parceria na infraestrutura quanto na indústria pesada, de máquinas, e de insumos... e, claro, na Engenharia.

No caso do investimento privado, acho que as empresas estão conseguindo fazer algum "funding" via Mercado de Capitais. Além, claro, do BNDES, BB, CEF, FINEP. Enquanto as Multis têm suas próprias fontes externas.

Mas sem o investimento público, poucos “se mexem”. Só mesmo o Agronegócio, com dinamismo induzido "hacia fuera"...

O investimento público se desdobra em dois tipos. O das Administrações Públicas (Fonte Fiscal, União e Estados); e o das Empresas Estatais (União e Estados). Não sei se estas exploram devidamente os bancos e mercados de capitais internacionais em seu “funding”, caso como o da Petrobras, que capta nos mercados de capitais e de crédito do exterior.

Já os das Administrações Públicas, no caso federal, têm os Títulos Públicos, agora praticamente "proibidos" pelo "Calabouço (ops!) Arcabouço Fiscal" a juros de agiotagem...

Então andei fazendo contas com base nas séries históricas das Contas Nacionais do IBGE, PIB e FBCF (Formação Bruta de Capital Fixo) desde 1970 até 2024, portanto 54 anos.

Para elevar a taxa de crescimento, das recentes em torno de 3 % aa para a "desejável" de 6% aa, a Taxa de Investimento (FBCF/PIB, aqui denominaremos TXINV) teria que subir lá pra 25% (como aliás bom lembrar, coincide com a do Fishlow). Hoje anda na casa de uns 17%. Aquela idéia de crescimento “desejável”, algo assim arbitrária mas não rígida, remete-se ao compromisso prudente com a estabilidade macroeconômica, operantes os tradicionais instrumentos de regulação fiscal, monetária, de contas externas, etc. E, não esquecendo, taxas altas e estáveis de crescimento têm impacto favorável tremendo sobre  as receitas fiscais nos três níveis federativos! Hoje em dia, qualquer prefeitinho poderia ter seu simulador de orçamento em seu smartphone. Que dirá a turma de Brasília. Alíás, até no Parlamento os senhores congressistas da situação e oposição já poderiam dispor de um terminal, conectado em rede com o Governo, CGU, etc, de modo a simularem o Orçamento Público.

Para estimar a Taxa de Investimento compatível com crescimento de 6% aa fiz uma "conta de chegar" (por simulação) para a RMCP (Relação Marginal Capital Produto) usando a mesma amostra de 54 anos das séries do PIB e do Investimento (FBCF).

Assim cheguei aos 3,5 para a RMCP concomitante a TXINV (Taxa de Investimento, FBCF/PIB) calculada em torno de 25%.

Então pude cotejar cálculos e resultados com as séries históricas das Contas Nacionais.

Suponho então robustamente uma Relação Marginal Capital/Produto em torno de uns 3,5. Hoje espuriamente abaixo disso, uns 2,0 (dinamismo do Agro mais investimentos de curta maturação no Comercio, Serviço e Indústria leve; investimento industrial pesado estagnado). Investimento em pesquisa tecnológica (Complexos Tecnológicos, Ecossistemas de Inovação com apoio do Estado Nacional... nem pensar!...). A atual política de reindustrialização bem poderia ser batizada na sigla “REICOSME – Reindustrialização Cosmética”.

Portanto, com prazos médios de maturação do investimento caso a caso, na vida real, iguais ou superiores a 1 ano, aquela RMCP se eleva lá para uns 3,5 ( valor comum nos anos 70, e esporádico nos 80). Pensem no padeiro que vê a fila do pãozinho da tarde crescer, e corre pra comprar mais um forno elétrico. E comparem com a ferrovia “chinesa” que vai furar túnel nos Andes pra escoar commodities brasileiras pelo Pacífico.

Diga-se, com a volta do investimento em infraestrutura, público e privado, os prazos médios de maturação viriam a ser bem superiores a um ano, como já fora no passado (II PND por exemplo), corroborando RMCP na casa dos 3,5, conforme as séries históricas, especialmente anos 70.

Por brevidade, aqui dispenso os gráficos ilustrativos das séries históricas e o resumo do método de cálculos. Mas é importante registrar que tal método tem subjacente o “Princípio da Demanda Efetiva”, vale dizer, da determinação da renda pelo gasto. Este gasto, tanto pode ocorrer por decisões autônomas (de agentes públicos ou privados), quanto por decisões induzidas, interiores à dinâmica econômica sistêmica, sejam estas decisões de origem interna, ou externa à economia nacional. Decisões, diga-se, particularmente quanto a aumento de produção e de capacidade produtiva. Falar de “decisões autônomas” no caso de agentes públicos é justamente falar de política econômica, e mais diretamente, do investimento público como instrumento de política econômica!

Fugir da questão central de uma taxa de crescimento elevada e sustentada, digamos, de 6% aa, é mero escapismo! Daí a tese de “reduzir o problema à sua expressão mais simples”.

E daí? Como fazer? Política Econômica? Ou Economia Política?

O conceito-chave é Planejamento Indicativo em Economias de Mercado, reluzente, claríssimo, mas nunca aplicado, como o disposto no Art 174, caput, e seu §1º, da nossa Constituição!

Para terminar, uma estorinha.

Há algumas décadas estava eu diante de livros usados, espalhados para venda numa calçada. Peguei e folheei libreto da Joan Robinson, título: “Filosofia Econômica”.  Custava uns dez reais a preços de hoje. Eu deveria estar “com a cabeça no pé” e o devolvi à calçada. Tempos de vida de trabalhador atribulada, cansada, amargurada, para ter abandonado aquela preciosidade...

E ainda desprezei o apelo final e frustrado do humilde e sábio camelô:

__ O senhor está levando dois em um! Filosofia e Economia!

Pois é, analogamente como agora. Política Econômica e Economia Política?

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