Correio Braziliense
A aprovação da Carta em Lima em 2001 foi um
marco normativo regional. A condenação contra Bolsonaro é, à sua maneira, uma
clara validação desses princípios
Em 11 de setembro de 2001, em Lima, a
Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) aprovou por
unanimidade a Carta Democrática Interamericana. Como ministro das Relações
Exteriores do Peru, coube a mim presidir essa sessão extraordinária de tanta
importância. Ela reuniu os países americanos com um objetivo claro: estabelecer
os princípios fundamentais que definem a democracia e comprometer-se a
defendê-la diante das ameaças à ordem constitucional.
Pesava no impulso peruano a experiência sofrida derivada da autocracia gerada pelo "autogolpe" de Fujimori em 1992. Algo assim não deveria se repetir jamais. A Carta Democrática estipula que os povos das Américas têm direito à democracia e os governos têm a obrigação de promovê-la e defendê-la.
Contempla mecanismos para agir quando ocorre
uma alteração ou ruptura da ordem democrática, desde a intervenção diplomática
até a suspensão de um Estado-membro na OEA. Esse instrumento foi a resposta a
episódios autoritários que corroíam a região e se tornou uma referência
normativa. A democracia é um direito dos povos e uma obrigação dos governos,
segundo a Carta Democrática Interamericana.
Em 11 de setembro de 2025 — data com grande
simbolismo —, Jair Bolsonaro foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF)
do Brasil a 27 anos de prisão por liderar uma tentativa de golpe de Estado. Ele
foi responsabilizado por planejar o esvaziamento institucional e organizar uma
conspiração criminosa contra a democracia. É a primeira vez que um
ex-presidente brasileiro recebe uma punição tão severa por conspiração
golpista, o que marca um ponto de inflexão para a justiça brasileira. Nunca
antes um ex-presidente brasileiro havia recebido uma condenação tão severa por
conspirar contra a democracia.
A condenação reflete, na prática, o que a
Carta Democrática de Lima buscava prevenir: a impunidade daqueles que atentam
contra a ordem democrática. No Brasil, foi a própria Justiça que, com
independência, puniu a tentativa de ruptura. Um precedente sólido que reafirma
que as instituições podem, e devem, defender o marco constitucional diante da
ameaça autoritária. A justiça brasileira aplicou em 2025 o que Lima proclamou
em 2001: a democracia deve ser defendida com firmeza.
A decisão não é necessariamente o ponto final
na carreira política de Bolsonaro. Os seus apoiantes mantêm viva a esperança de
anistias ou benefícios que atenuem a punição. Além disso, o fato é que
Bolsonaro mantém o apoio da direita brasileira, o que lhe permite influenciar
futuras eleições. No entanto, a sentença o inabilita eleitoralmente e
estabelece uma barreira institucional que limita seu retorno ao poder. É um
golpe simbólico e real ao seu projeto político.
O fato de a condenação ter sido proferida
exatamente na mesma data em que, em Lima, foi aprovada a Carta Democrática
Interamericana não é mera coincidência. Trata-se de um lembrete de que os
compromissos assumidos pelas nações da região, há mais de duas décadas, podem
encontrar eco hoje em decisões judiciais concretas. Um sinal claro de que a
defesa da democracia não é retórica: exige fatos, sentenças e
responsabilidades.
Em 11 de setembro de 2001, Lima reafirmou a
democracia; em 2025, o Brasil puniu o golpismo. A aprovação da Carta em Lima em
2001 foi um marco normativo regional. A condenação contra Bolsonaro é, à sua
maneira, uma clara validação desses princípios. O futuro dirá se essa sentença
constitui o fim definitivo da sua carreira política ou simplesmente mais um
capítulo.
O que fica claro é que, duas décadas depois,
os princípios adotados em Lima continuam válidos: a democracia deve ser
protegida daqueles que procuram destruí-la. A democracia não se defende
sozinha: requer instituições firmes, justiça independente e memória histórica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário