quarta-feira, 24 de setembro de 2025

Condenação a Bolsonaro: o eco da Carta Democrática Interamericana. Por Diego García-Sayán

Correio Braziliense

A aprovação da Carta em Lima em 2001 foi um marco normativo regional. A condenação contra Bolsonaro é, à sua maneira, uma clara validação desses princípios

Em 11 de setembro de 2001, em Lima, a Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) aprovou por unanimidade a Carta Democrática Interamericana. Como ministro das Relações Exteriores do Peru, coube a mim presidir essa sessão extraordinária de tanta importância. Ela reuniu os países americanos com um objetivo claro: estabelecer os princípios fundamentais que definem a democracia e comprometer-se a defendê-la diante das ameaças à ordem constitucional.

Pesava no impulso peruano a experiência sofrida derivada da autocracia gerada pelo "autogolpe" de Fujimori em 1992. Algo assim não deveria se repetir jamais. A Carta Democrática estipula que os povos das Américas têm direito à democracia e os governos têm a obrigação de promovê-la e defendê-la.

Contempla mecanismos para agir quando ocorre uma alteração ou ruptura da ordem democrática, desde a intervenção diplomática até a suspensão de um Estado-membro na OEA. Esse instrumento foi a resposta a episódios autoritários que corroíam a região e se tornou uma referência normativa. A democracia é um direito dos povos e uma obrigação dos governos, segundo a Carta Democrática Interamericana.

Em 11 de setembro de 2025 — data com grande simbolismo —, Jair Bolsonaro foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil a 27 anos de prisão por liderar uma tentativa de golpe de Estado. Ele foi responsabilizado por planejar o esvaziamento institucional e organizar uma conspiração criminosa contra a democracia. É a primeira vez que um ex-presidente brasileiro recebe uma punição tão severa por conspiração golpista, o que marca um ponto de inflexão para a justiça brasileira. Nunca antes um ex-presidente brasileiro havia recebido uma condenação tão severa por conspirar contra a democracia.

A condenação reflete, na prática, o que a Carta Democrática de Lima buscava prevenir: a impunidade daqueles que atentam contra a ordem democrática. No Brasil, foi a própria Justiça que, com independência, puniu a tentativa de ruptura. Um precedente sólido que reafirma que as instituições podem, e devem, defender o marco constitucional diante da ameaça autoritária. A justiça brasileira aplicou em 2025 o que Lima proclamou em 2001: a democracia deve ser defendida com firmeza.

A decisão não é necessariamente o ponto final na carreira política de Bolsonaro. Os seus apoiantes mantêm viva a esperança de anistias ou benefícios que atenuem a punição. Além disso, o fato é que Bolsonaro mantém o apoio da direita brasileira, o que lhe permite influenciar futuras eleições. No entanto, a sentença o inabilita eleitoralmente e estabelece uma barreira institucional que limita seu retorno ao poder. É um golpe simbólico e real ao seu projeto político.

O fato de a condenação ter sido proferida exatamente na mesma data em que, em Lima, foi aprovada a Carta Democrática Interamericana não é mera coincidência. Trata-se de um lembrete de que os compromissos assumidos pelas nações da região, há mais de duas décadas, podem encontrar eco hoje em decisões judiciais concretas. Um sinal claro de que a defesa da democracia não é retórica: exige fatos, sentenças e responsabilidades.

Em 11 de setembro de 2001, Lima reafirmou a democracia; em 2025, o Brasil puniu o golpismo. A aprovação da Carta em Lima em 2001 foi um marco normativo regional. A condenação contra Bolsonaro é, à sua maneira, uma clara validação desses princípios. O futuro dirá se essa sentença constitui o fim definitivo da sua carreira política ou simplesmente mais um capítulo.

O que fica claro é que, duas décadas depois, os princípios adotados em Lima continuam válidos: a democracia deve ser protegida daqueles que procuram destruí-la. A democracia não se defende sozinha: requer instituições firmes, justiça independente e memória histórica.

 

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