O Estado de S. Paulo
O caixão de Ruy mal havia sido sepultado e a Câmara protegia bandidos em vez de atuar contra máfias
Em 19 de julho de 1999, o motorista de um Chrysler Stratus foi parado na Marginal do Pinheiros por dois investigadores da Delegacia de Roubos a Bancos. O homem, procurado pelo roubo milionário da Transpev, não reagiu. Seu nome era Marco Willians Camacho, o Marcola. O delegado que o prendeu era um jovem policial. Seu nome? Ruy Ferraz Fontes. Marcola nunca mais saiu da cadeia. Na segunda-feira retrasada, o PCC fechou essa conta. Ruy está morto.
Nenhum dos 344 deputados que aprovaram a
chamada PEC da Blindagem compareceu ao velório do doutor Ruy. Se lá fossem,
poderiam perguntar a policiais e promotores o que pensam da medida. Como ficam,
por exemplo, os responsáveis por colocar na cadeia o deputado TH Joias, que, de
dentro da Assembleia Legislativa do Rio, ajudava traficantes de droga e armas?
A coluna ouviu alguns desses policiais. O incômodo era grande. Um integrante da
Inteligência da Polícia Civil resumiu: “Cuspiram no caixão do doutor Ruy”. Podiam
propor uma Lei Antimáfia; preferiram, no dia do enterro, salvar os THs. Em que
mundo vivem os deputados? Em Nárnia? Não sabem que o crime organizado é a
principal urgência neste país?
Ruy era o delegado-geral quando foi
descoberto o gigantesco esquema de desvio de verbas da Saúde por meio de
organizações sociais que mantinham contratos para administrar hospitais em
diversos Estados: a Operação Raio X. Os donos das OS e lobistas foram flagrados
em conversas com deputados estaduais. Recebiam segurança de policiais e de
bandidos do PCC. Tudo junto e misturado.
E assim permanece. A sombra ameaçadora da
Operação Carbono Oculto começa a incomodar gabinetes em Brasília, que se
dedicavam a defender os interesses de Roberto Augusto Leme da Silva, o Beto
Louco, e seu sócio Mohamad Hussein Mourad, acusados de chefiar o esquema que
movimentou bilhões na Faria Lima, obtidos com fraudes e sonegação de impostos
em parceria com o PCC – aí incluído o núcleo do qual participava um homem
apontado como o operador financeiro de Marcola. Quem se deitou com o dinheiro
da facção que aguente.
A PEC está agora nas mãos de outro delegado,
o senador Alessandro Vieira (MDB-SE). Ele já disse que ela não passa na Casa.
Nem com modificações, o que seria devolvê-la à Câmara. Ou seja... Quem zela
pela lei e pela ordem não pode contribuir para a desordem, a corrupção e a
impunidade. Não é preciso lembrar aos senhores senadores: o que protege as
prerrogativas do Congresso – bem como a incolumidade de seus membros em uma
democracia – é, antes de tudo, o caráter de cada parlamentar. Esta deve ser a
mais importante de todas as defesas.
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