Correio Braziliense
Trump é ciclotímico e
imprevisível; Lula é pragmático, mas não vai alinhar o Brasil automaticamente
aos EUA, como fez Bolsonaro e, agora, a Casa Branca gostaria
O presidente dos Estados Unidos, Donald
Trump, durante seu discurso na Assembleia Geral da ONU, nesta terça-feira,
disse que se reunirá na semana que vem com o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva para debater as retaliações que os EUA vêm aplicando ao Brasil em reação
ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro. Disse que houve “excelente
química” entre ambos. A declaração pegou de surpresa tanto a comitiva
brasileira quanto os assessores da Casa Branca, que não haviam previsto que
ambos se encontrassem de forma tão afável nos bastidores do plenário da ONU.
“Eu estava entrando (no plenário da ONU), e o líder do Brasil estava saindo. Eu o vi, ele me viu, e nos abraçamos. Na verdade, concordamos que nos encontraríamos na semana que vem”, disse Trump. “Não tivemos muito tempo para conversar, tipo uns 20 segundos. Ele parece um cara muito legal, ele gosta de mim e eu gostei dele. E eu só faço negócio com gente de quem eu gosto. Quando não gosto deles, eu não faço. Quando eu não gosto, eu não gosto. Por 39 segundos, nós tivemos uma ótima química, e isso é um bom sinal.”
O brevíssimo encontro entre Lula e Trump, ao
ser revelado pelo presidente norte-americano no plenário da ONU, foi um
daqueles momentos mágicos da política, em que os indivíduos podem mudar o curso
da história. Transformou-se em um episódio carregado de simbolismo, que
condensara as tensões e as contradições de uma relação marcada por sanções,
críticas mútuas e disputas por legitimidade política e moral no cenário
internacional.
Na psicologia, “momento mágico” é aquele
instante único e inesperado, intenso e paradoxal, que abre brechas de
entendimento sem dissolver o conflito. Abriu-se uma porta para o diálogo aberto
e franco, sem intermediários, entre os dois presidentes, fato que parecia
impossível de correr diante da escalada de tensões entre ambos. Os discursos de
Lula e Trump, porém, revelam obstáculos objetivos a um entendimento entre os
dois países.
Lula foi o primeiro chefe de Estado a falar,
como manda a tradição da ONU, e fez uma intervenção dura, denunciou a
ingerência dos Estados Unidos em assuntos internos brasileiros, rechaçou as
sanções impostas a autoridades e familiares de ministros e destacou a soberania
nacional como princípio inegociável. Mas não citou Trump. Também vinculou a
defesa da democracia à recusa de anistia a Jair Bolsonaro e seus aliados,
lembrando que não há pacificação possível com impunidade. O tom foi de
resistência e nacionalista, em consonância com a narrativa de que o Brasil reconquistou
a democracia há quatro décadas e não aceitará pressões externas.
Dois estilos
Como sempre, Trump adotou uma retórica
agressiva. Justificou tarifas e medidas unilaterais como instrumentos de
proteção dos interesses americanos e acusou o Brasil de censura, corrupção
judicial e perseguição a críticos políticos. Foi um ataque direto, duro, na
lógica do “América em primeiro lugar”. Mas, no mesmo discurso, abriu uma
brecha: foi quando disse que Lula parece “um cara legal” e que entre os dois
houve uma certa “química”. Essa contradição é típica do estilo negociador do
republicano — elevar a tensão, aplicar pressão e, em seguida, reposicionar-se
para negociar em condições mais vantajosas. Mas é um jogo ao qual Lula também
está acostumado, desde os tempos de sindicalista: quem abaixa a cabeça não é
respeitado.
Essa ambivalência do episódio fez dele o
“momento mágico”. Trata-se de um instante que se destaca por ser singular,
intenso, encantador e, potencialmente, transformador. O abraço improvisado na
ONU reuniu todos esses elementos: fugiu ao roteiro protocolar; simbolizou, em
segundos, semanas de escalada diplomática; impactou parte da opinião pública,
ao mostrar dois líderes rivais em gesto de cordialidade; aparentemente, mudou
da água para o vinho a relação entre os dois, ainda que em bases pragmáticas e
muito frágeis.
Trump é ciclotímico e imprevisível; Lula é
pragmático, não vai alinhar o Brasil automaticamente aos Estados Unidos, como
fez Bolsonaro e, agora, a Casa Branca gostaria. Para o Brasil, o essencial é
resistir às sanções, preservar a autonomia institucional e negar a anistia como
caminho de impunidade. A prioridade de Trump é usar tarifas, punições e sanções
como moeda de troca, mantendo o Brasil sob pressão enquanto reafirma sua
liderança perante a base interna e o eleitorado norte-americano.
É melhor levar em conta que o “momento
mágico” é apenas a chance de manter aberto um canal de comunicação pessoal,
ainda que os discursos revelem antagonismos insuperáveis no curto prazo. A
tática errática de Trump raramente resulta em soluções lineares. Ao contrário,
muitas vezes produz efeitos “exóticos”, como lembram os observadores mais
cautelosos. O gesto causou perplexidade na oposição, mas foi encarado como
“firmeza estratégica combinada com inteligência política” por Eduardo
Bolsonaro, o filho do ex-presidente que articulou as sanções contra o Brasil.
No Itamaraty, cujos diplomatas são
acostumados a longos e minuciosos processos de negociação, o abraço foi
interpretado como abertura para reduzir a tensão, um rito performático em meio
ao clima de hostilidade. Não dissolve o antagonismo, porém projeta no
imaginário a possibilidade de que adversários radicais possam, ao menos por
segundos, se reconhecer e se dirigir como pares legítimos. Abre-se um capítulo
novo, ainda imponderável, das relações Brasil-Estados Unidos.
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