quarta-feira, 24 de setembro de 2025

Um “momento mágico” entre Lula e Trump na ONU que nem eles esperavam. Por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Trump é ciclotímico e imprevisível; Lula é pragmático, mas não vai alinhar o Brasil automaticamente aos EUA, como fez Bolsonaro e, agora, a Casa Branca gostaria

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, durante seu discurso na Assembleia Geral da ONU, nesta terça-feira, disse que se reunirá na semana que vem com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para debater as retaliações que os EUA vêm aplicando ao Brasil em reação ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro. Disse que houve “excelente química” entre ambos. A declaração pegou de surpresa tanto a comitiva brasileira quanto os assessores da Casa Branca, que não haviam previsto que ambos se encontrassem de forma tão afável nos bastidores do plenário da ONU.

“Eu estava entrando (no plenário da ONU), e o líder do Brasil estava saindo. Eu o vi, ele me viu, e nos abraçamos. Na verdade, concordamos que nos encontraríamos na semana que vem”, disse Trump. “Não tivemos muito tempo para conversar, tipo uns 20 segundos. Ele parece um cara muito legal, ele gosta de mim e eu gostei dele. E eu só faço negócio com gente de quem eu gosto. Quando não gosto deles, eu não faço. Quando eu não gosto, eu não gosto. Por 39 segundos, nós tivemos uma ótima química, e isso é um bom sinal.”

O brevíssimo encontro entre Lula e Trump, ao ser revelado pelo presidente norte-americano no plenário da ONU, foi um daqueles momentos mágicos da política, em que os indivíduos podem mudar o curso da história. Transformou-se em um episódio carregado de simbolismo, que condensara as tensões e as contradições de uma relação marcada por sanções, críticas mútuas e disputas por legitimidade política e moral no cenário internacional.

Na psicologia, “momento mágico” é aquele instante único e inesperado, intenso e paradoxal, que abre brechas de entendimento sem dissolver o conflito. Abriu-se uma porta para o diálogo aberto e franco, sem intermediários, entre os dois presidentes, fato que parecia impossível de correr diante da escalada de tensões entre ambos. Os discursos de Lula e Trump, porém, revelam obstáculos objetivos a um entendimento entre os dois países.

Lula foi o primeiro chefe de Estado a falar, como manda a tradição da ONU, e fez uma intervenção dura, denunciou a ingerência dos Estados Unidos em assuntos internos brasileiros, rechaçou as sanções impostas a autoridades e familiares de ministros e destacou a soberania nacional como princípio inegociável. Mas não citou Trump. Também vinculou a defesa da democracia à recusa de anistia a Jair Bolsonaro e seus aliados, lembrando que não há pacificação possível com impunidade. O tom foi de resistência e nacionalista, em consonância com a narrativa de que o Brasil reconquistou a democracia há quatro décadas e não aceitará pressões externas.

Dois estilos

Como sempre, Trump adotou uma retórica agressiva. Justificou tarifas e medidas unilaterais como instrumentos de proteção dos interesses americanos e acusou o Brasil de censura, corrupção judicial e perseguição a críticos políticos. Foi um ataque direto, duro, na lógica do “América em primeiro lugar”. Mas, no mesmo discurso, abriu uma brecha: foi quando disse que Lula parece “um cara legal” e que entre os dois houve uma certa “química”. Essa contradição é típica do estilo negociador do republicano — elevar a tensão, aplicar pressão e, em seguida, reposicionar-se para negociar em condições mais vantajosas. Mas é um jogo ao qual Lula também está acostumado, desde os tempos de sindicalista: quem abaixa a cabeça não é respeitado.

Essa ambivalência do episódio fez dele o “momento mágico”. Trata-se de um instante que se destaca por ser singular, intenso, encantador e, potencialmente, transformador. O abraço improvisado na ONU reuniu todos esses elementos: fugiu ao roteiro protocolar; simbolizou, em segundos, semanas de escalada diplomática; impactou parte da opinião pública, ao mostrar dois líderes rivais em gesto de cordialidade; aparentemente, mudou da água para o vinho a relação entre os dois, ainda que em bases pragmáticas e muito frágeis.

Trump é ciclotímico e imprevisível; Lula é pragmático, não vai alinhar o Brasil automaticamente aos Estados Unidos, como fez Bolsonaro e, agora, a Casa Branca gostaria. Para o Brasil, o essencial é resistir às sanções, preservar a autonomia institucional e negar a anistia como caminho de impunidade. A prioridade de Trump é usar tarifas, punições e sanções como moeda de troca, mantendo o Brasil sob pressão enquanto reafirma sua liderança perante a base interna e o eleitorado norte-americano.

É melhor levar em conta que o “momento mágico” é apenas a chance de manter aberto um canal de comunicação pessoal, ainda que os discursos revelem antagonismos insuperáveis no curto prazo. A tática errática de Trump raramente resulta em soluções lineares. Ao contrário, muitas vezes produz efeitos “exóticos”, como lembram os observadores mais cautelosos. O gesto causou perplexidade na oposição, mas foi encarado como “firmeza estratégica combinada com inteligência política” por Eduardo Bolsonaro, o filho do ex-presidente que articulou as sanções contra o Brasil.

No Itamaraty, cujos diplomatas são acostumados a longos e minuciosos processos de negociação, o abraço foi interpretado como abertura para reduzir a tensão, um rito performático em meio ao clima de hostilidade. Não dissolve o antagonismo, porém projeta no imaginário a possibilidade de que adversários radicais possam, ao menos por segundos, se reconhecer e se dirigir como pares legítimos. Abre-se um capítulo novo, ainda imponderável, das relações Brasil-Estados Unidos.

 

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