Oferta de Trump abre caminho, mas exige cautela
Por O Globo
Apesar de haver razão para ceticismo, diálogo
dele com Lula pode aliviar crise entre Brasil e Estados Unidos
Foi surpreendente, e ao mesmo tempo
alvissareira, a declaração do presidente americano, Donald Trump, na 80ª
Assembleia Geral da ONU cogitando um encontro com o presidente Luiz Inácio Lula
da Silva na semana que vem. “Na verdade, ele gostou de mim, eu gostei dele.
Tivemos uma química excelente”, disse Trump em seu discurso. Os dois se encontraram
na antessala reservada, logo depois de Lula abrir a Assembleia. A conversa
durou menos de um minuto, mas foi o suficiente para quebrar o gelo. Ainda que
haja motivo para ceticismo quanto aos resultados, a oferta de diálogo deveria
ser prioridade para Lula.
Ela acaba com 55 dias de agravamento nas tensões entre as duas maiores democracias das Américas. No fim de julho, os Estados Unidos anunciaram um tarifaço de 50% sobre produtos brasileiros e sanções contra autoridades, com a intenção de influenciar o julgamento de Jair Bolsonaro por golpe de Estado e as regras impostas às plataformas digitais. Lula não tentou falar com Trump, mas todos os esforços do governo brasileiro para abrir negociações não deram em nada. Nesta semana, os americanos impuseram novas sanções contra brasileiros. A reunião entre os dois pode abrir caminho à solução da crise mais grave já registrada entre Brasil e Estados Unidos.
Diante dos riscos evidentes — basta lembrar
os episódios recentes de humilhação pública de presidentes estrangeiros na Casa
Branca —, a diplomacia brasileira fez bem ao falar em diálogo remoto num
primeiro momento. O principal complicador: um dos objetivos americanos — salvar
Bolsonaro — está fora do alcance de Lula. Ainda assim, o Brasil não pode
desperdiçar a oportunidade. Trump é imprevisível e pode mudar de ideia. Pelo
menos, essa deveria ser a aposta.
Líderes não precisam pensar de modo idêntico
para manter relacionamento produtivo para seus países. As posições antagônicas
de Trump e Lula ficaram evidentes nos discursos de ambos. Trump acusou a ONU de
ineficiente, de incentivar a migração ilegal e de ser perdulária. “Qual é o
propósito das Nações Unidas?”, questionou. “Tudo o que parecem fazer é escrever
cartas com palavras muito fortes.” Chegou a criticar a escada rolante quebrada
e a lamentar que suas empresas não tivessem ganhado a concorrência para
reformar as instalações das Nações Unidas. Atacou inúmeras vezes seu
antecessor, desdenhou a emergência climática — a que chamou de “grande golpe”
—, defendeu combustíveis fósseis, condenou a imigração e elogiou as tarifas que
impôs. Foi um discurso longo, ao estilo dele, com momentos de improviso e
críticas a países aliados, voltado sobretudo a sua claque interna.
Lula, em contraste, procurou manter a
tradição diplomática brasileira. É verdade que por vezes exagerou ao insistir
nas obsessões ideológicas de sua política externa. Mas defendeu a soberania
brasileira e a democracia ao citar a condenação de Bolsonaro, fez um elogio
veemente ao multilateralismo, reconheceu a necessidade de regular as
plataformas digitais, mostrou preocupação com a possibilidade de conflito na
América do Sul e convocou os líderes presentes a participar da COP30, a
conferência do clima em Belém. Na conversa que manterá com Trump, seu desafio
será concentrar-se nos temas de interesse mútuo, sem deixar que as diferenças
deem a tônica. Só assim poderá superar o impasse que prejudica a relação
histórica entre os dois países.
Reforma administrativa deve ter como meta
corrigir distorções salariais
Por O Globo
Oito das dez carreiras mais bem remuneradas do Estado estão no Judiciário e no Ministério Público
Um professor de escola pública municipal
ganha menos que outro com a mesma experiência e qualificação em colégio
particular. Mas a situação é oposta no Ministério Público e na Magistratura,
onde os salários estão acima dos praticados no setor privado, de acordo com
dados do Atlas do Estado Brasileiro, do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea). Os servidores em contato direto e diário com a população,
concentrados nos municípios e essenciais para o êxito das políticas públicas,
são os menos valorizados. No outro extremo, a elite do funcionalismo,
encastelada em Brasília e nas capitais, recebe remuneração fora da realidade e
busca cada vez mais privilégios. Não poderia haver fato mais eloquente em
defesa da reforma administrativa em debate na Câmara, sob a relatoria do
deputado federal Pedro Paulo (PSD-RJ). Qualquer proposta deve ter como objetivo
corrigir tais distorções injustificáveis e contraproducentes.
Mesmo sem levar em conta as verbas
indenizatórias, os proverbiais “penduricalhos” que turbinam vencimentos de
procuradores e juízes, a situação é acintosa. A média salarial do grupo mais
bem remunerado na Magistratura e no Ministério Público é de R$ 26,2 mil. Nas
prefeituras, mais da metade dos funcionários recebe um décimo disso. No topo
das carreiras com remuneração mais alta estão os procuradores estaduais, com
salário médio de R$ 40 mil mensais. Logo abaixo, os procuradores regionais da
República, R$ 37,3 mil, seguidos pelos procuradores regionais do Trabalho, com
R$ 35,6 mil. No ranking dos dez maiores salários do setor público, Ministério
Público e Magistratura aparecem oito vezes. No Judiciário, mesmo os cargos
hierarquicamente mais baixos pagam acima da média. A distorção tem se agravado
nas últimas três décadas.
O Estado brasileiro pode até não ter excesso
de funcionários, mas é caro e ineficiente. No Brasil, 12% da força de trabalho
está no setor público, menos que nos Estados Unidos (15%) e que a média dos
países ricos (18%). Os servidores brasileiros custam à sociedade, porém, o
equivalente a 13% do Produto Interno Bruto (PIB), ante 8,7% nos Estados Unidos.
Esses números dão a dimensão dos privilégios. Procuradores e juízes não cansam
de garantir “penduricalhos” de toda sorte para engordar o contracheque. Entre aqueles
que a reforma administrativa deveria eliminar estão aberrações como férias de
mais de 60 dias e a infinidade de “auxílios”.
A Constituição de 1988 destinou fatias generosas do Orçamento público a áreas como educação e saúde. Com o tanto que se investe, o Brasil já deveria estar em outro patamar de desenvolvimento. O dinheiro é jogado na máquina estatal, mas a qualidade dos serviços continua baixa. Tudo porque o Estado brasileiro foi sequestrado por corporações encasteladas na máquina pública, interessadas em defender seus interesses em detrimento dos demais brasileiros. A reforma administrativa precisa ser o primeiro passo para mudar essa realidade perversa.
Que Trump tenha se cansado de tiros pela
culatra
Por Folha de S. Paulo
Republicano ensaia início de diálogo com Lula,
ora fortalecido por sucessão de sanções descabidas
A medida dos EUA contra a mulher de Moraes
distorce a Lei Magnitsky, que foi concebida para atingir autocratas que violem
direitos humanos
"Eu só faço negócios com pessoas de quem
eu gosto", disse o americano Donald Trump.
"Eu gostei dele, e ele de mim. Por pelo menos 30 segundos nós
tivemos uma química excelente, isso é um bom sinal", completou,
referindo-se a seu congênere brasileiro, Luiz Inácio Lula da
Silva (PT),
após breve encontro durante a Assembleia-Geral das Nações Unidas.
Tratando-se de Trump e seu comportamento
errático, as declarações desta terça (23) não podem ser tomadas ao pé da letra
como indicativo de uma distensão próxima entre Estados
Unidos e Brasil. De todo modo, a melhor hipótese é que o
republicano venha a perceber que sua ofensiva estapafúrdia contra a economia e
as instituições brasileiras só tem favorecido seu adversário.
No dia anterior, a Casa Branca havia ampliado
seu rol de retaliações descabidas ao incluir a
advogada Viviane Barci de Moraes —mulher do ministro Alexandre de
Moraes, relator no Supremo Tribunal Federal (STF) do
processo que resultou na condenação de Jair
Bolsonaro (PL) por tentativa de golpe
de Estado— e o instituto da família na lista de sancionados pela Lei Magnitsky.
É evidente para qualquer pessoa livre de
rancores ideológicos que a medida distorce o espírito da legislação —concebida
para atingir criminosos internacionais e autocratas que violem sistematicamente
os direitos humanos. Trump se vale de uma norma reservada a casos extremos para
uma picuinha pessoal em prol de um cupincha ideológico, sem nada de prático
conseguir com isso.
Não satisfeito com a tentativa frustrada de
intimidar o Judiciário de um país democrático, o americano expandiu a lista de
autoridades brasileiras com vistos de entrada nos EUA revogados.
Entre os novos alvos estão o chefe da
Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge
Messias, e juízes que assessoraram Moraes, além do ex-secretário-geral do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) José Levi
e do ex-corregedor da corte Benedito Gonçalves.
A sucessão de
arbitrariedades foi explorada por Lula em seu discurso na ONU. Em
referência clara a tarifas e punições aplicadas pelos EUA, o pronunciamento
tratou de "atentados à soberania, sanções arbitrárias e intervenções
unilaterais". Sem citar nomes, o presidente brasileiro dedicou quase 75%
de sua fala a críticas a Washington.
De mais palpável, o ensaio de diálogo entre
Lula e Trump resultou no agendamento de conversa na próxima semana —que Eduardo Bolsonaro,
filho do ex-presidente, correu a apresentar como uma mostra da genialidade
negociadora do americano.
Sabe-se lá o que se passa na cabeça do guru
do ainda deputado pelo PL paulista, mas o fato é que suas sanções foram inúteis
no propósito de intimidar o STF. Fora prejudicar setores da produção brasileira
e consumidores americanos, o tiroteio trumpista saiu pela culatra ao fortalecer
o prestígio de Lula perante a opinião pública doméstica.
Saneamento para quem mais precisa
Por Folha de S. Paulo
Expansão da gestão privada mostra como lei
bem calibrada pode levar água e esgoto aonde o Estado falhou
Dentre os 20 piores colocados, na lista de
100 municípios mais populosos, 16 já passaram ou devem passar por concessões
até 2026
É auspicioso que a movimentação do setor
privado impulsionada pelo novo marco legal do saneamento,
de 2020, esteja alinhada ao objetivo da norma: levar água e esgoto não apenas
aos municípios rentáveis mas também aos mais carentes.
Para alcançá-lo, o diploma determinou a
formação de blocos regionais no intuito de que as empresas vencedoras de
concessões ou parcerias público-privadas (PPPs) não deixassem a população pobre
desassistida.
O Instituto Trata Brasil, por meio de pesquisa publicada em agosto, elaborou um ranking
de acesso aos serviços com os 100 municípios mais populosos. Dentre os 20
piores colocados, 16 já
passaram ou devem passar por concessões até 2026, como Santarém
(PA), onde só 3,8% dos moradores contam com esgoto.
O Piauí, que tem 8 municípios na lista dos 10
piores em rede de esgoto, concedeu a operação à Aegea em 2024. O setor privado
avança, assim, onde o
Estado brasileiro historicamente falhou.
Outros pilares da lei, além da regionalização
obrigatória, são a uniformização regulatória em âmbito nacional, a exigência de
comprovação de viabilidade financeira das estatais, sob pena de perda de
contratos, e a priorização de modelos como concessões plenas e PPPs.
A evolução dos investimentos é perceptível.
Antes do marco, em 2019, a iniciativa privada respondia só por 5% das
operações; hoje, são 33%, com projeção de 50% dos municípios sob essa
modalidade de gestão até o fim de 2026.
Entre 2019 e 2023 a taxa da população com
acesso a rede de esgoto passou de 53,2% para 55,2%, e a que conta com
tratamento de esgoto foi de 46,3% para 51,8%.
Tal precariedade mostra que ainda é preciso
ampliar os aportes para alcançar a universalização. Os municípios com contratos
regulares investem R$ 68 por habitante, quando precisariam chegar a R$ 224 para
garantir as metas do marco —99% da população com abastecimento de água potável
e 90% com esgotamento sanitário até o final de 2033.
O arcabouço regulatório está em fase de
maturação, sob liderança da Agência Nacional de Águas (ANA); a regionalização
lenta em estados como o Amazonas e a complexidade das obras em áreas alagadiças
são desafios.
Contudo a expansão privada demonstra que uma legislação bem calibrada é capaz de incentivar investimentos inclusivos, servindo de exemplo para setores essenciais da infraestrutura. Se mantido o ímpeto, há potencial para transformar o saneamento de gargalo em motor do desenvolvimento sustentável.
O show ideológico de Lula na ONU
Por O Estado de S. Paulo
O petista fez justas críticas aos EUA, mas,
fiel à sua natureza, pegou leve com a Rússia e o Hamas. Ou seja: é moralista
com democracias ocidentais e indulgente com tiranias camaradas
O presidente Lula da Silva ocupou ontem, pela
décima vez, a tribuna de abertura da Assembleia-Geral da ONU, e o fez com sua
autoconfiança característica. Para o bem e para o mal, Lula foi ora um
estadista, ao denunciar corretamente as medidas unilaterais e sanções
arbitrárias dos EUA contra o Brasil, ora um papagaio que repete chavões
esquerdistas contra o terrível imperialismo ocidental.
Na parte de seu discurso realmente relevante
para o Brasil e para o mundo, Lula foi devidamente contundente. Não há
justificativa para que governos estrangeiros interfiram em processos internos
ou usem o comércio e o sistema financeiro como armas de extorsão política, como
faz o presidente dos EUA, Donald Trump. O Brasil tem o direito e o dever de
defender sua soberania contra tarifas abusivas e punições extraterritoriais.
Mas Lula é Lula. Sabedor de que estava sob os
holofotes do mundo, em razão dos entreveros de Trump com o Brasil e da punição
ao ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe, o demiurgo aproveitou o
palco da ONU para seu show particular de demagogia, platitudes e militância
ideológica. Repetiu slogans vazios sobre a fome, a desigualdade e o clima, como
se a simples evocação desses males fosse suficiente para credenciá-lo como
porta-voz dos pobres do mundo. Fala muito, mas nada sugere. Desdobra-se em
declarações pomposas, mas não oferece meios nem pontes diplomáticas para
avançar em soluções práticas.
As omissões foram ainda mais eloquentes.
Sobre a guerra na Ucrânia, couberam apenas duas linhas protocolares, nas quais
Lula não ousou nomear o agressor. A Rússia, que invadiu um país soberano e
comete crimes de guerra em série, foi tratada como se tivesse preocupações tão “legítimas”
quanto as do povo ucraniano que luta por sua sobrevivência. É a batida
artimanha da falsa simetria, que no fundo significa cumplicidade com quem viola
a lei internacional.
Sobre a guerra em Gaza, a distorção foi
inversa. Lula mencionou de passagem o Hamas, quase a contragosto, como se se
tratasse de um detalhe incômodo, um pedágio a ser pago antes de se dedicar ao
que realmente lhe interessa: escoriar Israel. Repetindo acusações de
“genocídio”, Lula nem de longe tangenciou as preocupações de segurança de um
Estado que convive há décadas com o terrorismo, que sofreu o massacre mais
brutal de sua história e que tem de enfrentar fanáticos muçulmanos que usam
reféns e seus próprios conterrâneos como escudos. Para o presidente brasileiro,
não há simetria quando o alvo é Israel: os crimes do Hamas são minimizados,
enquanto cada ação israelense é maximizada.
Essa lógica revela um padrão. Contra
democracias ocidentais, Lula empunha um discurso moralista. Diante de ditaduras
amigas, aplica o silêncio, o relativismo ou a indulgência. É assim com a Rússia
de Vladimir Putin, com o Irã dos aiatolás, com a Venezuela chavista, com a Cuba
castrista e, agora, novamente com o Hamas. A indignação é seletiva.
O resultado é que o Brasil não se apresenta
como um mediador confiável, mas como um militante em palanque global. A vitrine
da ONU serve menos para defender interesses nacionais e mais para exibir
credenciais ideológicas. Lula fala como chefe de facção, não como líder de uma
das maiores democracias do mundo. Sua retórica pode render aplausos fáceis de
plateias simpáticas, mas diminui a credibilidade brasileira junto a quem
realmente importa: os parceiros comerciais, os investidores e os governos que
ainda esperam pragmatismo de Brasília.
É verdade que a ONU, em seus 80 anos, já não
é palco de grandes articulações e consensos, mas de discursos irrelevantes.
Mesmo assim, cabe aos líderes que sobem à sua tribuna reforçar valores
universais e buscar caminhos de cooperação. Lula prefere reciclar fórmulas
gastas de um terceiro-mundismo nostálgico, enquanto o Brasil perde espaço,
prestígio e influência.
A crítica às sanções arbitrárias dos EUA é
necessária, mas não basta. O que se viu em Nova York foi menos a defesa do
Brasil ou a proposição de soluções internacionais, e mais a autopromoção de
Lula como guia do tal “Sul Global”. O País, reduzido a instrumento de sua
vaidade, paga o preço: perde a chance de ser ouvido com respeito e tratado como
parceiro de confiança.
Para cassar Eduardo, o motivo importa
Por O Estado de S. Paulo
Enquanto a PGR denuncia o deputado por coagir
a Justiça, a Câmara precisa fazer sua parte: é inaceitável que ele seja cassado
por faltas, e não por ter escandalosamente quebrado o decoro parlamentar
Para alívio de quem assiste com indignação a
um parlamentar atentar contra o Brasil e desmoralizar o mandato que exerce, a
Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou o deputado Eduardo Bolsonaro
(PL-SP) por “coação” na Ação Penal 2.668, que julga a trama golpista. O
procurador-geral da República, Paulo Gonet, concluiu o óbvio, isto é, que tanto
Eduardo quanto o blogueiro bolsonarista Paulo Figueiredo articularam sanções
nos EUA para pressionar os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) a não
condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro. Valeram-se, para tanto, dos contatos no
governo de Donald Trump para “constranger a atuação jurisdicional”, mesmo à
custa dos “interesses nacionais”.
Enquanto a PGR denuncia, a Câmara dos
Deputados precisa também fazer a sua parte: é inaceitável que o filho “Zero
Três” seja cassado por faltas, e não por ter escandalosamente quebrado o decoro
parlamentar – razão pela qual é uma notícia igualmente auspiciosa a instauração
de processo contra ele no Conselho de Ética da Casa. Eduardo Bolsonaro é alvo
de quatro representações. A primeira delas, instaurada ontem, o acusa de atacar
o STF, incitar ruptura democrática e trabalhar a favor de sanções dos EUA a
autoridades brasileiras. Com a denúncia da PGR e o processo aberto no Conselho
de Ética, a Câmara finalmente desfaz uma inércia que, até aqui, a tornava
cúmplice do deputado.
Com algum atraso, o presidente da Casa, Hugo
Motta (Republicanos-PB), barrou a pretensão do PL de dar um cargo de líder ao
deputado – uma malandra tentativa de blindá-lo de uma cassação por acúmulo de
faltas, uma vez que, como líder da Minoria, Eduardo não precisaria justificar
suas ausências nas sessões deliberativas da Câmara. Mas é uma saída
insuficiente. Embora a decisão oblitere o artifício que garantiria a ele
continuar trabalhando em tempo integral para livrar o pai do julgamento e da
cadeia, uma cassação por faltas desonraria a representação popular, essência da
democracia representativa, sobretudo diante da extensa lista de agressões
cometidas por Eduardo Bolsonaro contra o Brasil e o seu mandato.
Foi Eduardo, afinal, um dos responsáveis pelo
tarifaço convertido em chantagem explícita de Trump contra o Brasil e a favor
de Jair Bolsonaro, punindo o País e os brasileiros. Ele não hesitou em pedir
sanções contra autoridades, entre as quais os presidentes da Câmara e do Senado
e ministros do STF, a começar por Alexandre de Moraes. Mais recentemente, o
governo Trump estendeu as sanções à mulher de Moraes, Viviane Barci, e à
empresa pertencente à família do ministro, uma ação descabida que desanimou até
mesmo o ex-presidente Michel Temer, principal fiador da proposta que busca
reduzir as penas de Jair Bolsonaro e outros condenados pela tentativa de golpe
como uma saída política para evitar uma anistia ampla, geral e irrestrita. Como
Temer comentou, “neste momento é preciso repensar um pouco”. Eduardo, por outro
lado, já avisou que o bolsonarismo rejeitará qualquer pacto que não envolva
livrar o pai da prisão e da inelegibilidade – a senha usada para dizer que
seguirá trabalhando contra o Brasil.
Suas ações se deram às claras, regozijando-se
publicamente dos seus feitos junto à Casa Branca. Há algumas semanas, admitiu
na caradura que estava sabotando a comitiva de senadores brasileiros que viajou
aos EUA para tentar abrir algum canal de diálogo com o Congresso e o governo
americanos. Reclamou dos governadores Tarcísio de Freitas e Ratinho Junior por
se pronunciarem sobre o tarifaço sem mencionar o que de fato importa para os
Bolsonaros – a liberdade de Jair. E, no limite da infâmia, endossou a ameaça
feita pela porta-voz da Casa Branca, de que os EUA poderiam enviar caças e
navios de guerra ao Brasil em represália à condenação do ex-presidente
brasileiro.
Os atos de Eduardo Bolsonaro estão longe,
portanto, de se qualificar como mero exercício de opinião e manifestação de
pensamento, como sugerem certos paladinos da liberdade de expressão que tentam
encontrar meios de blindar parlamentares de crimes que cometem. Não há outra
definição para o que Eduardo fez e faz dia e noite: coagir o Judiciário e
conspirar contra o próprio país. É por esse crime, e não por faltas, que ele
precisa ser cassado.
Pressão descarada
Por O Estado de S. Paulo
Presidente do BC vai ‘juntar a diretoria’ e
‘tomar a decisão’ de baixar juros, diz Haddad
Declarações do ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, que questionam a manutenção dos juros básicos da economia em 15% ao
ano, contrastam fortemente com as advertências feitas pelo Comitê de Política
Monetária (Copom) do Banco Central (BC) na ata da reunião que optou por manter
a Selic naquele patamar. É como se os responsáveis pelas políticas fiscal
(Haddad) e monetária (BC) habitassem mundos diferentes. E não há discurso que
convença que o alinhamento, essencial ao equilíbrio macroeconômico, tenha
alguma chance de ocorrer neste governo.
Na ata, os diretores do BC enfatizaram, mais
de uma vez, que há unanimidade no colegiado acerca das preocupações sobre o
momento econômico atual, que torna imprevisível o comportamento da inflação.
Ali está escrito que o Copom “inicia um novo estágio” para avaliar o
comportamento da inflação sob o nível atual de juros “por período bastante
prolongado”. Mal a ata foi divulgada, Haddad já declarava ser “injustificável”
a decisão.
Como de hábito, o ministro da Fazenda tentou
poupar o presidente do BC, Gabriel Galípolo, nomeado para o cargo por Lula, ao
dizer que ele está administrando uma crise criada pelo antecessor, Roberto
Campos Neto, nomeado no governo de Jair Bolsonaro. Ora, Galípolo está no cargo
desde janeiro passado, e a reunião deste mês do Copom foi a sexta sob sua
presidência. Portanto, ofende a inteligência alheia atribuir o cenário atual a
Campos Neto, tratado pelos petistas como o Belzebu em pessoa.
Em entrevista ao portal ICL Notícias, Haddad
disse que a transição de Campos Neto para Galípolo foi “muito complexa” e que
chegará o momento em que Galípolo “vai juntar a diretoria (do BC) e tomar a decisão (de reduzir os juros)”. Presume-se
que esse “momento” citado por Haddad seja a campanha do ano que vem, quando
Lula disputará a reeleição.
Haddad declarou que Galípolo “herdou um
problema”. De fato, herdou um problemão: a política do governo Lula de estímulo
ao consumo e ao crédito e seu desleixo fiscal. Não por acaso, a ata do Copom
destaca o impacto que “o esmorecimento no esforço de reformas estruturais e
disciplina fiscal, o aumento de crédito direcionado e as incertezas sobre a
estabilização da dívida pública” têm sobre os juros. O documento ressalta
também que há no BC “a firme convicção de que as políticas devem ser
previsíveis, críveis e anticíclicas”.
Ademais, ao dizer que Galípolo irá “juntar a
diretoria” para reduzir os juros, Haddad faz crer num Copom sob regime
absolutista. As decisões, como se sabe, são tomadas pelo colegiado, com os nove
votantes tendo o mesmo peso deliberativo. E, ressalte-se, sob a presidência de
Galípolo, até agora todas foram unânimes e embasadas tecnicamente.
Não se trata de defender a manutenção ou não do patamar de juros, ora nas alturas. Trata-se, isso sim, de perseguir a meta de inflação de 3% ao ano, que é o objetivo da política monetária. Por certo a aproximação do ano eleitoral de 2026 reserva um aumento descomunal da pressão do governo sobre o BC. Manter a autonomia operacional será o maior desafio do banco.
Cautela segue essencial na relação com o
governo Trump
Por Correio Braziliense
A sinalização trumpista precisa ser encarada
com cautela por todos. O histórico mostra que o governo dos EUA sob comando do
empresário tem como marca a instabilidade
Percepções dicotômicas marcaram a geopolítica
brasileira ontem, quando o presidente Lula discursou na abertura da Assembleia
Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) instantes antes do presidente dos
Estados Unidos, Donald Trump, ocupar o mesmo microfone. Como esperado, a
polarização marcou a interpretação sobre as sinalizações do chefe da Casa
Branca ao petista, ao dizer que o acha "um cara legal" e confessar
até mesmo um abraço de bastidores.
Pelo lado bolsonarista, o entendimento foi de
que Lula saiu mais forte após as falas de Trump na ONU, mas que isso também se
estende ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, dado como favorito
para representar a ala mais à direita na próxima eleição federal. Isso porque,
na visão desse grupo, Tarcísio tenta uma interlocução com os EUA desde o início
do tarifaço.
Pelo lado governista, o clima é de vitória do
Itamaraty. A interpretação é de que a resiliência de Lula durante a guerra
comercial, tratando a questão sempre com reciprocidade, se mostrou assertiva.
No fim das contas, o presidente brasileiro demarcou sua soberania e viu o par
estadunidense conceder primeiro, ao menos publicamente.
Na prática, porém, a sinalização trumpista
precisa ser encarada com cautela por todos. O histórico mostra que o governo
dos EUA sob comando do empresário republicano tem como marca a instabilidade.
Até mesmo a histórica previsibilidade do FED, o Banco Central dos Estados
Unidos, foi questionada por investidores, diante de uma especulação de não uso
do dólar como moeda principal para transações internacionais.
Vale lembrar como a relação de Trump com
Volodymyr Zelensky é tocada. Ao mesmo tempo em que se diz favorável ao
cessar-fogo na invasão da Ucrânia pela Rússia e se coloca como mediador do
conflito, o chefe da Casa Branca constrangeu Zelensky perante câmeras, em um
bate-boca quase inédito na história da diplomacia, como aconteceu em
fevereiro.
Inclusive, acerta o presidente Lula ao evitar
qualquer tipo de espetacularização na possível conversa, que deverá ser feita
por telefone ou vídeo. Quanto menos abrir espaço para instabilidades, melhor.
São detalhes que fazem toda a diferença em relações internacionais de tamanha
proporção.
Também é preciso reconhecer que há espaço
para algum diálogo. Se antes as sanções eram impostas sem abertura de conversa
entre as partes, fica claro, agora, que Trump está disposto a alguma troca
verbal. Portanto, a interlocução brasileira com a Casa Branca está muito longe
de se restringir a nomes da oposição.
A abertura sinalizada ontem por Trump pode ter repercussão relevante, mas é ainda inicial para o novo capítulo das relações diplomáticas entre Lula e Trump. Aguardemos com cautela, como tem feito acertadamente o governo brasileiro.
Lula fala ao mundo e manda recados a Trump
Por O Povo (CE)
A Assembleia da ONU pôde assistir ao discurso
de um estadista, confrontando-se com a retórica de um populista com vezo
autoritário
Um encontro de 39 segundos, entre o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu homólogo americano Donald Trump, foi
dos pontos mais comentados do primeiro dia da Assembleia Geral da Organização
das Nações Unidas (ONU).
Em seu discurso, Trump disse que havia se
encontrado com Lula nos bastidores, que se abraçaram, tendo havido
"ótima química" entre eles. Ele ainda anunciou que, na próxima
semana, pretende encontrar-se com Lula para negociar as pendências entre os
dois países.
Observando-se a instabilidade que move o
comportamento de Trump, o seu convite à negociação tanto pode ser um
rompante, a ser logo esquecido, ou um interesse legítimo em superar os
problemas tarifários que ele impôs ao Brasil.
Além disso, a diplomacia brasileira
precisa cercar-se de todo o cuidado para que o encontro, caso se realize, não
se transforme em uma armadilha para Lula, como já aconteceu com outros
mandatários que se encontraram com Trump.
Mas o fato é que o presidente americano fez o
convite após ter acompanhado o discurso de Lula, no qual ele fez
críticas duríssimas aos Estados Unidos. Ainda que o mandatário brasileiro não
tenha citado nenhum nome ou país, ninguém tinha dúvida de que o endereço era a
Casa Branca.
Lula fez veemente defesa da soberania nacional,
repelindo a pressão que Washington vem fazendo sobre o governo brasileiro na
tentativa de livrar o ex-presidente Jair Bolsonaro das penas às quais ele foi
condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que também sobre sanções. Mas o
recado está dado: "A agressão contra a independência do Poder Judiciário é
inaceitável".
Falando aos chefes de Estado, Lula disse que
o mundo assiste à "consolidação de uma desordem internacional", com
atentados à soberania, sanções arbitrárias e intervenções unilaterais".
Para ele, existe um "evidente paralelo entre a crise do multilateralismo e
o enfraquecimento da democracia".
O discurso do presidente brasileiro, apesar
de tocar em algumas questões internas, preocupou-se com assuntos
internacionais. Lula procurou falar para o mundo, em alinhamento com os
propósitos da ONU. Foi aplaudido quando lembrou o sofrimento do povo
palestino: "Nada, absolutamente nada, justifica o genocídio em curso em
Gaza".
Em tudo oposto ao que viria falar Trump, que
negou o aquecimento global, cobriu-se de autoelogios, contou mentiras e
disse que merecia um prêmio Nobel da Paz. Chegou ao ponto de recordar um
episódio de quando era empresário e perdeu o contrato para a reformar o prédio
das ONU, sugerindo que houve corrupção. Em resumo, Trump usou a tribuna das
nações unidas para agradar a sua bolha.
Assim, o mundo pôde assistir ao discurso de
um estadista, confrontando-se com a retórica de um populista com vezo
autoritário.
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