quarta-feira, 24 de setembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Oferta de Trump abre caminho, mas exige cautela

Por O Globo

Apesar de haver razão para ceticismo, diálogo dele com Lula pode aliviar crise entre Brasil e Estados Unidos

Foi surpreendente, e ao mesmo tempo alvissareira, a declaração do presidente americano, Donald Trump, na 80ª Assembleia Geral da ONU cogitando um encontro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na semana que vem. “Na verdade, ele gostou de mim, eu gostei dele. Tivemos uma química excelente”, disse Trump em seu discurso. Os dois se encontraram na antessala reservada, logo depois de Lula abrir a Assembleia. A conversa durou menos de um minuto, mas foi o suficiente para quebrar o gelo. Ainda que haja motivo para ceticismo quanto aos resultados, a oferta de diálogo deveria ser prioridade para Lula.

Ela acaba com 55 dias de agravamento nas tensões entre as duas maiores democracias das Américas. No fim de julho, os Estados Unidos anunciaram um tarifaço de 50% sobre produtos brasileiros e sanções contra autoridades, com a intenção de influenciar o julgamento de Jair Bolsonaro por golpe de Estado e as regras impostas às plataformas digitais. Lula não tentou falar com Trump, mas todos os esforços do governo brasileiro para abrir negociações não deram em nada. Nesta semana, os americanos impuseram novas sanções contra brasileiros. A reunião entre os dois pode abrir caminho à solução da crise mais grave já registrada entre Brasil e Estados Unidos.

Diante dos riscos evidentes — basta lembrar os episódios recentes de humilhação pública de presidentes estrangeiros na Casa Branca —, a diplomacia brasileira fez bem ao falar em diálogo remoto num primeiro momento. O principal complicador: um dos objetivos americanos — salvar Bolsonaro — está fora do alcance de Lula. Ainda assim, o Brasil não pode desperdiçar a oportunidade. Trump é imprevisível e pode mudar de ideia. Pelo menos, essa deveria ser a aposta.

Líderes não precisam pensar de modo idêntico para manter relacionamento produtivo para seus países. As posições antagônicas de Trump e Lula ficaram evidentes nos discursos de ambos. Trump acusou a ONU de ineficiente, de incentivar a migração ilegal e de ser perdulária. “Qual é o propósito das Nações Unidas?”, questionou. “Tudo o que parecem fazer é escrever cartas com palavras muito fortes.” Chegou a criticar a escada rolante quebrada e a lamentar que suas empresas não tivessem ganhado a concorrência para reformar as instalações das Nações Unidas. Atacou inúmeras vezes seu antecessor, desdenhou a emergência climática — a que chamou de “grande golpe” —, defendeu combustíveis fósseis, condenou a imigração e elogiou as tarifas que impôs. Foi um discurso longo, ao estilo dele, com momentos de improviso e críticas a países aliados, voltado sobretudo a sua claque interna.

Lula, em contraste, procurou manter a tradição diplomática brasileira. É verdade que por vezes exagerou ao insistir nas obsessões ideológicas de sua política externa. Mas defendeu a soberania brasileira e a democracia ao citar a condenação de Bolsonaro, fez um elogio veemente ao multilateralismo, reconheceu a necessidade de regular as plataformas digitais, mostrou preocupação com a possibilidade de conflito na América do Sul e convocou os líderes presentes a participar da COP30, a conferência do clima em Belém. Na conversa que manterá com Trump, seu desafio será concentrar-se nos temas de interesse mútuo, sem deixar que as diferenças deem a tônica. Só assim poderá superar o impasse que prejudica a relação histórica entre os dois países.

Reforma administrativa deve ter como meta corrigir distorções salariais

Por O Globo

Oito das dez carreiras mais bem remuneradas do Estado estão no Judiciário e no Ministério Público

Um professor de escola pública municipal ganha menos que outro com a mesma experiência e qualificação em colégio particular. Mas a situação é oposta no Ministério Público e na Magistratura, onde os salários estão acima dos praticados no setor privado, de acordo com dados do Atlas do Estado Brasileiro, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Os servidores em contato direto e diário com a população, concentrados nos municípios e essenciais para o êxito das políticas públicas, são os menos valorizados. No outro extremo, a elite do funcionalismo, encastelada em Brasília e nas capitais, recebe remuneração fora da realidade e busca cada vez mais privilégios. Não poderia haver fato mais eloquente em defesa da reforma administrativa em debate na Câmara, sob a relatoria do deputado federal Pedro Paulo (PSD-RJ). Qualquer proposta deve ter como objetivo corrigir tais distorções injustificáveis e contraproducentes.

Mesmo sem levar em conta as verbas indenizatórias, os proverbiais “penduricalhos” que turbinam vencimentos de procuradores e juízes, a situação é acintosa. A média salarial do grupo mais bem remunerado na Magistratura e no Ministério Público é de R$ 26,2 mil. Nas prefeituras, mais da metade dos funcionários recebe um décimo disso. No topo das carreiras com remuneração mais alta estão os procuradores estaduais, com salário médio de R$ 40 mil mensais. Logo abaixo, os procuradores regionais da República, R$ 37,3 mil, seguidos pelos procuradores regionais do Trabalho, com R$ 35,6 mil. No ranking dos dez maiores salários do setor público, Ministério Público e Magistratura aparecem oito vezes. No Judiciário, mesmo os cargos hierarquicamente mais baixos pagam acima da média. A distorção tem se agravado nas últimas três décadas.

O Estado brasileiro pode até não ter excesso de funcionários, mas é caro e ineficiente. No Brasil, 12% da força de trabalho está no setor público, menos que nos Estados Unidos (15%) e que a média dos países ricos (18%). Os servidores brasileiros custam à sociedade, porém, o equivalente a 13% do Produto Interno Bruto (PIB), ante 8,7% nos Estados Unidos. Esses números dão a dimensão dos privilégios. Procuradores e juízes não cansam de garantir “penduricalhos” de toda sorte para engordar o contracheque. Entre aqueles que a reforma administrativa deveria eliminar estão aberrações como férias de mais de 60 dias e a infinidade de “auxílios”.

A Constituição de 1988 destinou fatias generosas do Orçamento público a áreas como educação e saúde. Com o tanto que se investe, o Brasil já deveria estar em outro patamar de desenvolvimento. O dinheiro é jogado na máquina estatal, mas a qualidade dos serviços continua baixa. Tudo porque o Estado brasileiro foi sequestrado por corporações encasteladas na máquina pública, interessadas em defender seus interesses em detrimento dos demais brasileiros. A reforma administrativa precisa ser o primeiro passo para mudar essa realidade perversa.

Que Trump tenha se cansado de tiros pela culatra

Por Folha de S. Paulo

Republicano ensaia início de diálogo com Lula, ora fortalecido por sucessão de sanções descabidas

A medida dos EUA contra a mulher de Moraes distorce a Lei Magnitsky, que foi concebida para atingir autocratas que violem direitos humanos

"Eu só faço negócios com pessoas de quem eu gosto", disse o americano Donald Trump. "Eu gostei dele, e ele de mim. Por pelo menos 30 segundos nós tivemos uma química excelente, isso é um bom sinal", completou, referindo-se a seu congênere brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), após breve encontro durante a Assembleia-Geral das Nações Unidas.

Tratando-se de Trump e seu comportamento errático, as declarações desta terça (23) não podem ser tomadas ao pé da letra como indicativo de uma distensão próxima entre Estados Unidos e Brasil. De todo modo, a melhor hipótese é que o republicano venha a perceber que sua ofensiva estapafúrdia contra a economia e as instituições brasileiras só tem favorecido seu adversário.

No dia anterior, a Casa Branca havia ampliado seu rol de retaliações descabidas ao incluir a advogada Viviane Barci de Moraes —mulher do ministro Alexandre de Moraes, relator no Supremo Tribunal Federal (STF) do processo que resultou na condenação de Jair Bolsonaro (PL) por tentativa de golpe de Estado— e o instituto da família na lista de sancionados pela Lei Magnitsky.

É evidente para qualquer pessoa livre de rancores ideológicos que a medida distorce o espírito da legislação —concebida para atingir criminosos internacionais e autocratas que violem sistematicamente os direitos humanos. Trump se vale de uma norma reservada a casos extremos para uma picuinha pessoal em prol de um cupincha ideológico, sem nada de prático conseguir com isso.

Não satisfeito com a tentativa frustrada de intimidar o Judiciário de um país democrático, o americano expandiu a lista de autoridades brasileiras com vistos de entrada nos EUA revogados.

Entre os novos alvos estão o chefe da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias, e juízes que assessoraram Moraes, além do ex-secretário-geral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) José Levi e do ex-corregedor da corte Benedito Gonçalves.

A sucessão de arbitrariedades foi explorada por Lula em seu discurso na ONU. Em referência clara a tarifas e punições aplicadas pelos EUA, o pronunciamento tratou de "atentados à soberania, sanções arbitrárias e intervenções unilaterais". Sem citar nomes, o presidente brasileiro dedicou quase 75% de sua fala a críticas a Washington.

De mais palpável, o ensaio de diálogo entre Lula e Trump resultou no agendamento de conversa na próxima semana —que Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente, correu a apresentar como uma mostra da genialidade negociadora do americano.

Sabe-se lá o que se passa na cabeça do guru do ainda deputado pelo PL paulista, mas o fato é que suas sanções foram inúteis no propósito de intimidar o STF. Fora prejudicar setores da produção brasileira e consumidores americanos, o tiroteio trumpista saiu pela culatra ao fortalecer o prestígio de Lula perante a opinião pública doméstica.

Saneamento para quem mais precisa

Por Folha de S. Paulo

Expansão da gestão privada mostra como lei bem calibrada pode levar água e esgoto aonde o Estado falhou

Dentre os 20 piores colocados, na lista de 100 municípios mais populosos, 16 já passaram ou devem passar por concessões até 2026

É auspicioso que a movimentação do setor privado impulsionada pelo novo marco legal do saneamento, de 2020, esteja alinhada ao objetivo da norma: levar água e esgoto não apenas aos municípios rentáveis mas também aos mais carentes.

Para alcançá-lo, o diploma determinou a formação de blocos regionais no intuito de que as empresas vencedoras de concessões ou parcerias público-privadas (PPPs) não deixassem a população pobre desassistida.

O Instituto Trata Brasil, por meio de pesquisa publicada em agosto, elaborou um ranking de acesso aos serviços com os 100 municípios mais populosos. Dentre os 20 piores colocados, 16 já passaram ou devem passar por concessões até 2026, como Santarém (PA), onde só 3,8% dos moradores contam com esgoto.

O Piauí, que tem 8 municípios na lista dos 10 piores em rede de esgoto, concedeu a operação à Aegea em 2024. O setor privado avança, assim, onde o Estado brasileiro historicamente falhou.

Outros pilares da lei, além da regionalização obrigatória, são a uniformização regulatória em âmbito nacional, a exigência de comprovação de viabilidade financeira das estatais, sob pena de perda de contratos, e a priorização de modelos como concessões plenas e PPPs.

A evolução dos investimentos é perceptível. Antes do marco, em 2019, a iniciativa privada respondia só por 5% das operações; hoje, são 33%, com projeção de 50% dos municípios sob essa modalidade de gestão até o fim de 2026.

Entre 2019 e 2023 a taxa da população com acesso a rede de esgoto passou de 53,2% para 55,2%, e a que conta com tratamento de esgoto foi de 46,3% para 51,8%.

Tal precariedade mostra que ainda é preciso ampliar os aportes para alcançar a universalização. Os municípios com contratos regulares investem R$ 68 por habitante, quando precisariam chegar a R$ 224 para garantir as metas do marco —99% da população com abastecimento de água potável e 90% com esgotamento sanitário até o final de 2033.

O arcabouço regulatório está em fase de maturação, sob liderança da Agência Nacional de Águas (ANA); a regionalização lenta em estados como o Amazonas e a complexidade das obras em áreas alagadiças são desafios.

Contudo a expansão privada demonstra que uma legislação bem calibrada é capaz de incentivar investimentos inclusivos, servindo de exemplo para setores essenciais da infraestrutura. Se mantido o ímpeto, há potencial para transformar o saneamento de gargalo em motor do desenvolvimento sustentável.

O show ideológico de Lula na ONU

Por O Estado de S. Paulo

O petista fez justas críticas aos EUA, mas, fiel à sua natureza, pegou leve com a Rússia e o Hamas. Ou seja: é moralista com democracias ocidentais e indulgente com tiranias camaradas

O presidente Lula da Silva ocupou ontem, pela décima vez, a tribuna de abertura da Assembleia-Geral da ONU, e o fez com sua autoconfiança característica. Para o bem e para o mal, Lula foi ora um estadista, ao denunciar corretamente as medidas unilaterais e sanções arbitrárias dos EUA contra o Brasil, ora um papagaio que repete chavões esquerdistas contra o terrível imperialismo ocidental.

Na parte de seu discurso realmente relevante para o Brasil e para o mundo, Lula foi devidamente contundente. Não há justificativa para que governos estrangeiros interfiram em processos internos ou usem o comércio e o sistema financeiro como armas de extorsão política, como faz o presidente dos EUA, Donald Trump. O Brasil tem o direito e o dever de defender sua soberania contra tarifas abusivas e punições extraterritoriais.

Mas Lula é Lula. Sabedor de que estava sob os holofotes do mundo, em razão dos entreveros de Trump com o Brasil e da punição ao ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe, o demiurgo aproveitou o palco da ONU para seu show particular de demagogia, platitudes e militância ideológica. Repetiu slogans vazios sobre a fome, a desigualdade e o clima, como se a simples evocação desses males fosse suficiente para credenciá-lo como porta-voz dos pobres do mundo. Fala muito, mas nada sugere. Desdobra-se em declarações pomposas, mas não oferece meios nem pontes diplomáticas para avançar em soluções práticas.

As omissões foram ainda mais eloquentes. Sobre a guerra na Ucrânia, couberam apenas duas linhas protocolares, nas quais Lula não ousou nomear o agressor. A Rússia, que invadiu um país soberano e comete crimes de guerra em série, foi tratada como se tivesse preocupações tão “legítimas” quanto as do povo ucraniano que luta por sua sobrevivência. É a batida artimanha da falsa simetria, que no fundo significa cumplicidade com quem viola a lei internacional.

Sobre a guerra em Gaza, a distorção foi inversa. Lula mencionou de passagem o Hamas, quase a contragosto, como se se tratasse de um detalhe incômodo, um pedágio a ser pago antes de se dedicar ao que realmente lhe interessa: escoriar Israel. Repetindo acusações de “genocídio”, Lula nem de longe tangenciou as preocupações de segurança de um Estado que convive há décadas com o terrorismo, que sofreu o massacre mais brutal de sua história e que tem de enfrentar fanáticos muçulmanos que usam reféns e seus próprios conterrâneos como escudos. Para o presidente brasileiro, não há simetria quando o alvo é Israel: os crimes do Hamas são minimizados, enquanto cada ação israelense é maximizada.

Essa lógica revela um padrão. Contra democracias ocidentais, Lula empunha um discurso moralista. Diante de ditaduras amigas, aplica o silêncio, o relativismo ou a indulgência. É assim com a Rússia de Vladimir Putin, com o Irã dos aiatolás, com a Venezuela chavista, com a Cuba castrista e, agora, novamente com o Hamas. A indignação é seletiva.

O resultado é que o Brasil não se apresenta como um mediador confiável, mas como um militante em palanque global. A vitrine da ONU serve menos para defender interesses nacionais e mais para exibir credenciais ideológicas. Lula fala como chefe de facção, não como líder de uma das maiores democracias do mundo. Sua retórica pode render aplausos fáceis de plateias simpáticas, mas diminui a credibilidade brasileira junto a quem realmente importa: os parceiros comerciais, os investidores e os governos que ainda esperam pragmatismo de Brasília.

É verdade que a ONU, em seus 80 anos, já não é palco de grandes articulações e consensos, mas de discursos irrelevantes. Mesmo assim, cabe aos líderes que sobem à sua tribuna reforçar valores universais e buscar caminhos de cooperação. Lula prefere reciclar fórmulas gastas de um terceiro-mundismo nostálgico, enquanto o Brasil perde espaço, prestígio e influência.

A crítica às sanções arbitrárias dos EUA é necessária, mas não basta. O que se viu em Nova York foi menos a defesa do Brasil ou a proposição de soluções internacionais, e mais a autopromoção de Lula como guia do tal “Sul Global”. O País, reduzido a instrumento de sua vaidade, paga o preço: perde a chance de ser ouvido com respeito e tratado como parceiro de confiança.

Para cassar Eduardo, o motivo importa

Por O Estado de S. Paulo

Enquanto a PGR denuncia o deputado por coagir a Justiça, a Câmara precisa fazer sua parte: é inaceitável que ele seja cassado por faltas, e não por ter escandalosamente quebrado o decoro parlamentar

Para alívio de quem assiste com indignação a um parlamentar atentar contra o Brasil e desmoralizar o mandato que exerce, a Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) por “coação” na Ação Penal 2.668, que julga a trama golpista. O procurador-geral da República, Paulo Gonet, concluiu o óbvio, isto é, que tanto Eduardo quanto o blogueiro bolsonarista Paulo Figueiredo articularam sanções nos EUA para pressionar os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) a não condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro. Valeram-se, para tanto, dos contatos no governo de Donald Trump para “constranger a atuação jurisdicional”, mesmo à custa dos “interesses nacionais”.

Enquanto a PGR denuncia, a Câmara dos Deputados precisa também fazer a sua parte: é inaceitável que o filho “Zero Três” seja cassado por faltas, e não por ter escandalosamente quebrado o decoro parlamentar – razão pela qual é uma notícia igualmente auspiciosa a instauração de processo contra ele no Conselho de Ética da Casa. Eduardo Bolsonaro é alvo de quatro representações. A primeira delas, instaurada ontem, o acusa de atacar o STF, incitar ruptura democrática e trabalhar a favor de sanções dos EUA a autoridades brasileiras. Com a denúncia da PGR e o processo aberto no Conselho de Ética, a Câmara finalmente desfaz uma inércia que, até aqui, a tornava cúmplice do deputado.

Com algum atraso, o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), barrou a pretensão do PL de dar um cargo de líder ao deputado – uma malandra tentativa de blindá-lo de uma cassação por acúmulo de faltas, uma vez que, como líder da Minoria, Eduardo não precisaria justificar suas ausências nas sessões deliberativas da Câmara. Mas é uma saída insuficiente. Embora a decisão oblitere o artifício que garantiria a ele continuar trabalhando em tempo integral para livrar o pai do julgamento e da cadeia, uma cassação por faltas desonraria a representação popular, essência da democracia representativa, sobretudo diante da extensa lista de agressões cometidas por Eduardo Bolsonaro contra o Brasil e o seu mandato.

Foi Eduardo, afinal, um dos responsáveis pelo tarifaço convertido em chantagem explícita de Trump contra o Brasil e a favor de Jair Bolsonaro, punindo o País e os brasileiros. Ele não hesitou em pedir sanções contra autoridades, entre as quais os presidentes da Câmara e do Senado e ministros do STF, a começar por Alexandre de Moraes. Mais recentemente, o governo Trump estendeu as sanções à mulher de Moraes, Viviane Barci, e à empresa pertencente à família do ministro, uma ação descabida que desanimou até mesmo o ex-presidente Michel Temer, principal fiador da proposta que busca reduzir as penas de Jair Bolsonaro e outros condenados pela tentativa de golpe como uma saída política para evitar uma anistia ampla, geral e irrestrita. Como Temer comentou, “neste momento é preciso repensar um pouco”. Eduardo, por outro lado, já avisou que o bolsonarismo rejeitará qualquer pacto que não envolva livrar o pai da prisão e da inelegibilidade – a senha usada para dizer que seguirá trabalhando contra o Brasil.

Suas ações se deram às claras, regozijando-se publicamente dos seus feitos junto à Casa Branca. Há algumas semanas, admitiu na caradura que estava sabotando a comitiva de senadores brasileiros que viajou aos EUA para tentar abrir algum canal de diálogo com o Congresso e o governo americanos. Reclamou dos governadores Tarcísio de Freitas e Ratinho Junior por se pronunciarem sobre o tarifaço sem mencionar o que de fato importa para os Bolsonaros – a liberdade de Jair. E, no limite da infâmia, endossou a ameaça feita pela porta-voz da Casa Branca, de que os EUA poderiam enviar caças e navios de guerra ao Brasil em represália à condenação do ex-presidente brasileiro.

Os atos de Eduardo Bolsonaro estão longe, portanto, de se qualificar como mero exercício de opinião e manifestação de pensamento, como sugerem certos paladinos da liberdade de expressão que tentam encontrar meios de blindar parlamentares de crimes que cometem. Não há outra definição para o que Eduardo fez e faz dia e noite: coagir o Judiciário e conspirar contra o próprio país. É por esse crime, e não por faltas, que ele precisa ser cassado.

Pressão descarada

Por O Estado de S. Paulo

Presidente do BC vai ‘juntar a diretoria’ e ‘tomar a decisão’ de baixar juros, diz Haddad

Declarações do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que questionam a manutenção dos juros básicos da economia em 15% ao ano, contrastam fortemente com as advertências feitas pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) na ata da reunião que optou por manter a Selic naquele patamar. É como se os responsáveis pelas políticas fiscal (Haddad) e monetária (BC) habitassem mundos diferentes. E não há discurso que convença que o alinhamento, essencial ao equilíbrio macroeconômico, tenha alguma chance de ocorrer neste governo.

Na ata, os diretores do BC enfatizaram, mais de uma vez, que há unanimidade no colegiado acerca das preocupações sobre o momento econômico atual, que torna imprevisível o comportamento da inflação. Ali está escrito que o Copom “inicia um novo estágio” para avaliar o comportamento da inflação sob o nível atual de juros “por período bastante prolongado”. Mal a ata foi divulgada, Haddad já declarava ser “injustificável” a decisão.

Como de hábito, o ministro da Fazenda tentou poupar o presidente do BC, Gabriel Galípolo, nomeado para o cargo por Lula, ao dizer que ele está administrando uma crise criada pelo antecessor, Roberto Campos Neto, nomeado no governo de Jair Bolsonaro. Ora, Galípolo está no cargo desde janeiro passado, e a reunião deste mês do Copom foi a sexta sob sua presidência. Portanto, ofende a inteligência alheia atribuir o cenário atual a Campos Neto, tratado pelos petistas como o Belzebu em pessoa.

Em entrevista ao portal ICL Notícias, Haddad disse que a transição de Campos Neto para Galípolo foi “muito complexa” e que chegará o momento em que Galípolo “vai juntar a diretoria (do BC) e tomar a decisão (de reduzir os juros)”. Presume-se que esse “momento” citado por Haddad seja a campanha do ano que vem, quando Lula disputará a reeleição.

Haddad declarou que Galípolo “herdou um problema”. De fato, herdou um problemão: a política do governo Lula de estímulo ao consumo e ao crédito e seu desleixo fiscal. Não por acaso, a ata do Copom destaca o impacto que “o esmorecimento no esforço de reformas estruturais e disciplina fiscal, o aumento de crédito direcionado e as incertezas sobre a estabilização da dívida pública” têm sobre os juros. O documento ressalta também que há no BC “a firme convicção de que as políticas devem ser previsíveis, críveis e anticíclicas”.

Ademais, ao dizer que Galípolo irá “juntar a diretoria” para reduzir os juros, Haddad faz crer num Copom sob regime absolutista. As decisões, como se sabe, são tomadas pelo colegiado, com os nove votantes tendo o mesmo peso deliberativo. E, ressalte-se, sob a presidência de Galípolo, até agora todas foram unânimes e embasadas tecnicamente.

Não se trata de defender a manutenção ou não do patamar de juros, ora nas alturas. Trata-se, isso sim, de perseguir a meta de inflação de 3% ao ano, que é o objetivo da política monetária. Por certo a aproximação do ano eleitoral de 2026 reserva um aumento descomunal da pressão do governo sobre o BC. Manter a autonomia operacional será o maior desafio do banco.

Cautela segue essencial na relação com o governo Trump

Por Correio Braziliense

A sinalização trumpista precisa ser encarada com cautela por todos. O histórico mostra que o governo dos EUA sob comando do empresário tem como marca a instabilidade

Percepções dicotômicas marcaram a geopolítica brasileira ontem, quando o presidente Lula discursou na abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) instantes antes do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ocupar o mesmo microfone. Como esperado, a polarização marcou a interpretação sobre as sinalizações do chefe da Casa Branca ao petista, ao dizer que o acha "um cara legal" e confessar até mesmo um abraço de bastidores.

Pelo lado bolsonarista, o entendimento foi de que Lula saiu mais forte após as falas de Trump na ONU, mas que isso também se estende ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, dado como favorito para representar a ala mais à direita na próxima eleição federal. Isso porque, na visão desse grupo, Tarcísio tenta uma interlocução com os EUA desde o início do tarifaço.

Pelo lado governista, o clima é de vitória do Itamaraty. A interpretação é de que a resiliência de Lula durante a guerra comercial, tratando a questão sempre com reciprocidade, se mostrou assertiva. No fim das contas, o presidente brasileiro demarcou sua soberania e viu o par estadunidense conceder primeiro, ao menos publicamente. 

Na prática, porém, a sinalização trumpista precisa ser encarada com cautela por todos. O histórico mostra que o governo dos EUA sob comando do empresário republicano tem como marca a instabilidade. Até mesmo a histórica previsibilidade do FED, o Banco Central dos Estados Unidos, foi questionada por investidores, diante de uma especulação de não uso do dólar como moeda principal para transações internacionais. 

Vale lembrar como a relação de Trump com Volodymyr Zelensky é tocada. Ao mesmo tempo em que se diz favorável ao cessar-fogo na invasão da Ucrânia pela Rússia e se coloca como mediador do conflito, o chefe da Casa Branca constrangeu Zelensky perante câmeras, em um bate-boca quase inédito na história da diplomacia, como aconteceu em fevereiro. 

Inclusive, acerta o presidente Lula ao evitar qualquer tipo de espetacularização na possível conversa, que deverá ser feita por telefone ou vídeo. Quanto menos abrir espaço para instabilidades, melhor. São detalhes que fazem toda a diferença em relações internacionais de tamanha proporção. 

Também é preciso reconhecer que há espaço para algum diálogo. Se antes as sanções eram impostas sem abertura de conversa entre as partes, fica claro, agora, que Trump está disposto a alguma troca verbal. Portanto, a interlocução brasileira com a Casa Branca está muito longe de se restringir a nomes da oposição. 

A abertura sinalizada ontem por Trump pode ter repercussão relevante, mas é ainda inicial para o novo capítulo das relações diplomáticas entre Lula e Trump. Aguardemos com cautela, como tem feito acertadamente o governo brasileiro.

Lula fala ao mundo e manda recados a Trump

Por O Povo (CE)

A Assembleia da ONU pôde assistir ao discurso de um estadista, confrontando-se com a retórica de um populista com vezo autoritário

Um encontro de 39 segundos, entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu homólogo americano Donald Trump, foi dos pontos mais comentados do primeiro dia da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU).

Em seu discurso, Trump disse que havia se encontrado com Lula nos bastidores, que se abraçaram, tendo havido "ótima química" entre eles. Ele ainda anunciou que, na próxima semana, pretende encontrar-se com Lula para negociar as pendências entre os dois países.

Observando-se a instabilidade que move o comportamento de Trump, o seu convite à negociação tanto pode ser um rompante, a ser logo esquecido, ou um interesse legítimo em superar os problemas tarifários que ele impôs ao Brasil.

Além disso, a diplomacia brasileira precisa cercar-se de todo o cuidado para que o encontro, caso se realize, não se transforme em uma armadilha para Lula, como já aconteceu com outros mandatários que se encontraram com Trump.

Mas o fato é que o presidente americano fez o convite após ter acompanhado o discurso de Lula, no qual ele fez críticas duríssimas aos Estados Unidos. Ainda que o mandatário brasileiro não tenha citado nenhum nome ou país, ninguém tinha dúvida de que o endereço era a Casa Branca.

Lula fez veemente defesa da soberania nacional, repelindo a pressão que Washington vem fazendo sobre o governo brasileiro na tentativa de livrar o ex-presidente Jair Bolsonaro das penas às quais ele foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que também sobre sanções. Mas o recado está dado: "A agressão contra a independência do Poder Judiciário é inaceitável".

Falando aos chefes de Estado, Lula disse que o mundo assiste à "consolidação de uma desordem internacional", com atentados à soberania, sanções arbitrárias e intervenções unilaterais". Para ele, existe um "evidente paralelo entre a crise do multilateralismo e o enfraquecimento da democracia".

O discurso do presidente brasileiro, apesar de tocar em algumas questões internas, preocupou-se com assuntos internacionais. Lula procurou falar para o mundo, em alinhamento com os propósitos da ONU. Foi aplaudido quando lembrou o sofrimento do povo palestino: "Nada, absolutamente nada, justifica o genocídio em curso em Gaza".

Em tudo oposto ao que viria falar Trump, que negou o aquecimento global, cobriu-se de autoelogios, contou mentiras e disse que merecia um prêmio Nobel da Paz. Chegou ao ponto de recordar um episódio de quando era empresário e perdeu o contrato para a reformar o prédio das ONU, sugerindo que houve corrupção. Em resumo, Trump usou a tribuna das nações unidas para agradar a sua bolha.

Assim, o mundo pôde assistir ao discurso de um estadista, confrontando-se com a retórica de um populista com vezo autoritário.

 

 

 

 

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