O Globo
Em que pese o antagonismo político no país,
existe algo mais profundo que é a baixa confiança da sociedade nas instituições
Economistas com frequência subestimam os fenômenos sociais. Porém, muitas vezes são ingredientes centrais para a análise da conjuntura econômica e a construção de cenários. Os comportamentos da sociedade refletem o quadro econômico, mas também mudanças de crenças e novos anseios. Assim, podem impactar decisões de consumo e investimento, bem como influenciar a política. O crescimento dos evangélicos, por exemplo, só agora entra no radar dos economistas. As manifestações populares precisam também ser analisadas.
Os protestos de 2013 foram um prenúncio das
dificuldades de Dilma Rousseff na campanha para a reeleição em 2014. Ao
contrário da expectativa, a vitória foi apertada, no segundo turno, e com a
sinalização de mudança de ministro da Fazenda e, assim, de ajustes na política
econômica.
Entre 2015 e 2016, houve mais manifestações
de uma sociedade cansada, que foi às ruas pelo impeachment. Mesmo que os
escândalos de corrupção tenham alimentado os protestos, certamente pesou a
grave crise econômica, alertando a classe política sobre a necessidade de
reformas estruturais.
Assim seguiu o governo de Michel Temer, cujos
avanços na economia contribuíram para blindá-lo de um impeachment. O chamado
“Joesley Day” não provocou protestos, apesar dos patamares inéditos de
desaprovação de um presidente. A inflação estava em queda e o mercado de
trabalho ensaiava uma recuperação, depois de dois anos de uma recessão que
encolheu o PIB em 8%.
Temer aprovou duas reformas trabalhistas e
enviou uma reforma da Previdência ao Congresso, para citar as de maior
visibilidade, e nada de protestos de rua, apesar das naturais oposições.
Jair Bolsonaro foi o presidente que mais
agitou as ruas, contra e a favor. Ao longo de 2021, houve uma sequência de
protestos contra o governo, principalmente por conta da gestão da saúde na
pandemia. Posteriormente, houve atos de apoio, nos 7 de setembro, convocados
pelo próprio ex-presidente. No balanço geral, em termos de público e de
espontaneidade dos movimentos, o saldo líquido foi provavelmente negativo para
Bolsonaro, acendendo um sinal amarelo para a campanha de 2022.
Já fora da presidência, Bolsonaro conseguiu
mobilizar grande público, como em 25 de fevereiro deste ano. No 7 de setembro,
o ato foi mais modesto, mas ainda assim relevante. Em ambos, a bronca foi para
o julgamento no STF, em meio a questionamentos da classe jurídica em relação à
condução do processo e ao tamanho das penas.
Nas muitas pesquisas populares recentes —
como sobre ter ocorrido uma tentativa de golpe, a participação de Bolsonaro, a
pena de 27 anos ser apropriada e o apoio à anistia —, os resultados não têm
maioria confortável. Esse quadro de forte divisão recomenda, pois, zelo
redobrado do STF na tomada de decisões e na comunicação à sociedade.
O Congresso não sai ileso, sofrendo também
com as reduzidas aprovação e confiança da sociedade. Os atos no domingo passado
tiveram público semelhante aos de 7 de setembro, e foram motivados pela
desaprovação à agenda parlamentar relativa à PEC da Blindagem e à proposta de
anistia para condenados por tentativa de golpe de Estado.
Em que pese o antagonismo político no país,
há algo mais profundo que é a baixa confiança da sociedade nas instituições. O
mal-estar da sociedade está cada vez mais evidente.
A primeira reação dos mercados aos protestos
foi negativa, conforme refletido nos preços de ativos logo na abertura das
negociações na segunda-feira. A queda da Bolsa e a alta do dólar foram na
contramão dos movimentos globais. Os ventos da campanha eleitoral de 2026 já
estão fazendo preço.
As manifestações de desaprovação aos dois
Poderes não devem ser confundidas, porém, com intenção de voto em 2026. Se
tanto, podem refletir o anseio por alternativas políticas com capacidade de
resgatar o maior equilíbrio entre os poderes e seu melhor funcionamento, com a
necessária autocontenção. Executivo fraco prejudica o diálogo e desequilibra os
Poderes.
Os protestos, concordando-se ou não com eles,
revelam uma sociedade mais vigilante e exigente em relação ao funcionamento das
instituições.
As falhas institucionais prejudicam o bom
funcionamento do Estado e o avanço de reformas estruturais. Melhor uma
sociedade participativa, dentro do espírito democrático, do que indiferente a
esse quadro.
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