Folha de S. Paulo
Newsletter de pesquisador britânico, que
critica irracionalidade no emprego corporativo, viraliza entre jovens
Conceito marxista tratou do assunto no século
19 e também viralizou num mundo que ainda não conhecia a internet
Noticia-se o mal-estar da geração Z com
o emprego tradicional em corporações. Mais uma evidência dessa situação,
segundo reportagem desta Folha,
é a viralização
de uma newsletter publicada no Substack por Alex McCann, escritor britânico
e pesquisador do futuro do trabalho, transformado em porta-voz da massa
insatisfeita.
McCann, 24, considera que o emprego
corporativo envolve os trabalhadores em "não problemas" que geram
reações em cadeia sem efeito prático e racionalidade.
Bem, a imposição de rotinas burocráticas ineficazes em companhias é fato conhecido. Por inércia, repetem-se procedimentos inúteis que encenam empenho e zelo pela busca de resultados, mas são rituais fechados em si mesmos. Poderiam perfeitamente ser abolidos. Mas será só isso?
A percepção de perda de tempo e energia em
tarefas cujas finalidades e efeitos práticos não são bem identificáveis é
anterior, certamente, à sensibilidade da geração Z.
Vejamos o velho conceito marxista, do século
19, de alienação do trabalho, assim descrito por uma dessas IAs disponíveis na
praça: "É a separação do trabalhador de todo o processo produtivo, da
criação ao produto final. Ela se manifesta quando o trabalhador não se
reconhece no produto que cria, pois sua atividade é reduzida a tarefas repetitivas
e fragmentadas, sem controle sobre o processo ou criatividade, o que o leva a
ver o trabalho apenas como um meio de subsistência. Essa ideia é central na
teoria de Karl Marx."
Bem-vinda ao mundo capitalista, geração Z! E
não apenas. A experiência do socialismo, tal como existiu no século 20, também
produzia efeitos similares, quando não agravados pelo monstruoso aparato
político-estatal e pela propaganda ideológica.
O nonsense de requisições e tarefas também
nos atormenta na vida pública, notadamente em sociedades, como a brasileira, em
que prevalece a exasperante tradição burocrática e cartorial. A simples
existência da mediação dos cartórios, com seus carimbos e estampilhas, além das
taxas cobradas, é
uma tortura inaceitável. E o que dizer dos famigerados atestados de
residência requisitados até para pagamento de seguros em bancos privados?
Quanto a isso, sociedades capitalistas mais
bem estruturadas e pragmáticas têm suas vantagens. É menos excruciante o padrão
de exigências e mais vale a palavra da pessoa do que a suspeita de ela ser uma
potencial malfeitora.
Para os entraves burocráticos, o investimento
em tecnologia tem sido promissor. Novidades como o nosso admirável Pix são uma
evidência de facilitação e ganho de tempo em larga escala. Mas ainda existe
muita maratona digital indigesta.
Já no emprego tradicional, as dificuldades
não são apenas práticas, há uma questão estrutural. Daí a ideia em voga de que
se tornar empreendedor resolve a equação —o que tem muito de autoengano e risco
futuro.
O velho Marx acreditava, em sua utopia
comunista, que a tecnologia propiciaria o almejado tempo livre para as pessoas
enfim emancipadas do trabalho alienado. Disse em famosa frase que num dia
futuro poderíamos "caçar pela manhã, pescar e fazer crítica
literária" —imagem simbólica da liberdade e controle sobre a vida. Hoje
ainda estamos discutindo a cruel jornada 6 x 1. Quem sabe para os netinhos da
geração Z?
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