sexta-feira, 17 de outubro de 2025

Geração Z encontra Marx ao rejeitar alienação do trabalho, por Marcos Augusto Gonçalves

Folha de S. Paulo

Newsletter de pesquisador britânico, que critica irracionalidade no emprego corporativo, viraliza entre jovens

Conceito marxista tratou do assunto no século 19 e também viralizou num mundo que ainda não conhecia a internet

Noticia-se o mal-estar da geração Z com o emprego tradicional em corporações. Mais uma evidência dessa situação, segundo reportagem desta Folha, é a viralização de uma newsletter publicada no Substack por Alex McCann, escritor britânico e pesquisador do futuro do trabalho, transformado em porta-voz da massa insatisfeita.

McCann, 24, considera que o emprego corporativo envolve os trabalhadores em "não problemas" que geram reações em cadeia sem efeito prático e racionalidade.

Bem, a imposição de rotinas burocráticas ineficazes em companhias é fato conhecido. Por inércia, repetem-se procedimentos inúteis que encenam empenho e zelo pela busca de resultados, mas são rituais fechados em si mesmos. Poderiam perfeitamente ser abolidos. Mas será só isso?

A percepção de perda de tempo e energia em tarefas cujas finalidades e efeitos práticos não são bem identificáveis é anterior, certamente, à sensibilidade da geração Z.

Vejamos o velho conceito marxista, do século 19, de alienação do trabalho, assim descrito por uma dessas IAs disponíveis na praça: "É a separação do trabalhador de todo o processo produtivo, da criação ao produto final. Ela se manifesta quando o trabalhador não se reconhece no produto que cria, pois sua atividade é reduzida a tarefas repetitivas e fragmentadas, sem controle sobre o processo ou criatividade, o que o leva a ver o trabalho apenas como um meio de subsistência. Essa ideia é central na teoria de Karl Marx."

Bem-vinda ao mundo capitalista, geração Z! E não apenas. A experiência do socialismo, tal como existiu no século 20, também produzia efeitos similares, quando não agravados pelo monstruoso aparato político-estatal e pela propaganda ideológica.

O nonsense de requisições e tarefas também nos atormenta na vida pública, notadamente em sociedades, como a brasileira, em que prevalece a exasperante tradição burocrática e cartorial. A simples existência da mediação dos cartórios, com seus carimbos e estampilhas, além das taxas cobradas, é uma tortura inaceitável. E o que dizer dos famigerados atestados de residência requisitados até para pagamento de seguros em bancos privados?

Quanto a isso, sociedades capitalistas mais bem estruturadas e pragmáticas têm suas vantagens. É menos excruciante o padrão de exigências e mais vale a palavra da pessoa do que a suspeita de ela ser uma potencial malfeitora.

Para os entraves burocráticos, o investimento em tecnologia tem sido promissor. Novidades como o nosso admirável Pix são uma evidência de facilitação e ganho de tempo em larga escala. Mas ainda existe muita maratona digital indigesta.

Já no emprego tradicional, as dificuldades não são apenas práticas, há uma questão estrutural. Daí a ideia em voga de que se tornar empreendedor resolve a equação —o que tem muito de autoengano e risco futuro.

O velho Marx acreditava, em sua utopia comunista, que a tecnologia propiciaria o almejado tempo livre para as pessoas enfim emancipadas do trabalho alienado. Disse em famosa frase que num dia futuro poderíamos "caçar pela manhã, pescar e fazer crítica literária" —imagem simbólica da liberdade e controle sobre a vida. Hoje ainda estamos discutindo a cruel jornada 6 x 1. Quem sabe para os netinhos da geração Z?

 

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