O Globo
O STF parece contar com a gratidão que julga
merecer por ter julgado com determinação os golpistas do 8 de Janeiro. Mas isso
não lhe garante imunidade contra erros
A semana do 25 de dezembro costumava ser uma
semana “morta” no jornalismo. O jornalista que ficava de plantão via esses dias
como ônus duplo: privação do convívio com a família, mas também uma espécie de
sacrifício profissional, porque em geral nada de relevante acontecia. A regra
não se aplica a 2025: cassação de Ramagem e Eduardo Bolsonaro, ação da PF
contra fraude no INSS, adiamento da assinatura do acordo UE-Mercosul, tudo isso
a uma semana ou menos do Natal.
Mas o assunto mais grave destes últimos dias é a crise do Supremo. O STF tem se envolvido em escândalos sucessivos, num momento em que vive crise de confiança aguda. A condução das investigações e do julgamento das “mobilizações antidemocráticas” colocou a Corte no centro do conflito político brasileiro. A dinâmica da polarização fez com que tenha ganhado apoio e confiança de parte da cidadania e, no mesmo movimento, rejeição e desconfiança da outra parte.
Não podemos aceitar que o Supremo tenha a
dinâmica de confiança dos órgãos políticos. Uma democracia exige que a Justiça,
pela própria natureza, tenha confiança ampla, sem variação entre grupos
ideológicos. Com a iminente conclusão dos julgamentos, o ideal seria que esse
desequilíbrio caminhasse para a normalidade. Mas o que vemos pode ser início de
um rumo preocupante: a Corte, em vez de recuperar a confiança da metade que
havia se afastado dela, acaba perdendo o apoio da outra metade.
A crise atual envolve três ministros: Alexandre
de Moraes, Dias
Toffoli e Gilmar Mendes. Segundo uma série de reportagens de Malu
Gaspar, aqui no GLOBO, o escritório da mulher de Alexandre de Moraes assinou um
contrato substancialmente acima dos valores de mercado para defender o Banco
Master. Os altos valores levantaram a suspeita de que o banco comprou não
apenas os serviços jurídicos de Viviane Barci de Moraes, mas também influência
sobre o ministro. As revelações de ao menos seis fontes, sugerindo que Moraes
intercedeu junto ao presidente do Banco Central em favor do Master, reforçam a
suspeita. As explicações do ministro pareciam confundir conversas denunciadas
pela reportagem com outras conversas públicas e conhecidas sobre a aplicação da
Lei Magnitsky e não foram convincentes.Lauro
Como se não bastasse, há suspeitas também de
favorecimento ao Master pelo ministro Dias Toffoli. Toffoli aceitou carona em
jatinho com o advogado de um executivo do banco para assistir à final da
Libertadores em Lima. Em seguida, centralizou no Supremo as investigações sobre
o Master e determinou que novas diligências fossem previamente submetidas à
Corte, sob o argumento de possível envolvimento de autoridade com prerrogativa
de foro. Também decretou alto sigilo sobre o processo, um nível de opacidade
excessivo e contrário ao princípio de que a publicidade é a regra e o sigilo a
exceção.
Tudo isso acontece no momento em que Gilmar
Mendes, em gesto interpretado por muitos juristas como distorção hermenêutica,
criou novos obstáculos para o impeachment de ministros da Corte. O mesmo
colegiado tem mostrado forte resistência à proposta do ministro Edson Fachin de
instituir um código de conduta para o Supremo.
O STF parece contar com a gratidão que julga
merecer por ter julgado com determinação os golpistas do 8 de Janeiro. Mas isso
não lhe garante imunidade contra erros. Se os ministros não prestarem contas à
sociedade, se não se empenharem em esclarecer dúvidas legítimas e não derem
início a uma fase de autorrevisão e autocontenção, o próximo esforço por
impeachment de ministro pode não ter apenas apoio dos bolsonaristas.
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