sexta-feira, 26 de dezembro de 2025

O Estado e a insegurança pública. Por Antonio Cláudio Mariz de Oliveira

O Estado de S. Paulo

Reação estatal encobre a deficiência do sistema de Segurança Pública e dá a falsa impressão de que o Estado está ativo na impropriamente chamada ‘luta contra o crime’

É inacreditável, chega às raias da irracionalidade, a movimentação que o Estado brasileiro faz em face do crime, em especial aquele que abala a opinião pública. Basta uma retrospectiva para verificar a exatidão desse fato. Crime ocorrido, reação do Legislativo imediata, na forma de leis punitivas mais rigorosas. O Executivo as promulga e o Judiciário as cumpre, por vezes, mesmo que inconstitucionais.

Essa já histórica reação tem por objetivo lançar uma cortina de fumaça sobre o olhar da sociedade. Ela encobre a deficiência do sistema de Segurança Pública e passa a dar a falsa impressão de que o Estado está ativo na impropriamente chamada “luta contra o crime”.

Trata-se de um engodo, de uma mentira, de um ludibrio. Falsidade das mais flagrantes, que não é desmascarada porque conta com a cumplicidade de segmentos sociais que aplaudem e estimulam esse embuste. Em especial a mídia, que fecha os olhos para a ineficácia da repressão tida como único meio de enfrentamento ao crime.

Ela informa sobre as ações repressivas, mas não faz nenhuma consideração crítica dos métodos adotados e das suas consequências para a coletividade. Noticia as mortes de criminosos, de policiais, de pessoas alheias ao delito, crianças, velhos, vítimas de balas perdidas, prisões abusivas e outros delitos decorrentes dos abusos de poder. No entanto, essa mesma mídia não se presta a efetuar a análise dos efeitos dessas ações, talvez mais danosas do que o próprio crime.

A imprensa está abdicando de um de seus pilares: o dever de denunciar os erros e as omissões, no caso, dos responsáveis pela segurança pública.

Nenhuma linha sobre a ineficácia que representa só prender, invadir moradias de morros, de favelas e de palafitas, matar. É simples a equação que rege a atuação do Estado: ele enfrenta o crime com abusiva repressão e nem por isso a criminalidade diminui. Mais prisões, mais crimes. Esse simples e trágico fato não é denunciado.

Os Executivos de vários Estados se ufanam dessas ações cruentes de “suas polícias”.

Agora mesmo, estão buscando obter mais poderes, inclusive diminuindo a atuação da Polícia Federal, que de todas as corporações é a que tem se mostrado a mais eficiente.

As forças policiais que entram nos locais onde grassam carências quase absolutas representam Estados que sempre estiveram ausentes desses bolsões de miséria e deixaram que o próprio crime suprisse suas omissões. O que o Estado não concedeu ao povo abandonado as organizações criminosas estão fornecendo. O crime substituindo o Estado em suas obrigações primárias.

E, agora, repito, a única resposta ao crime organizado é a matança generalizada, como se viu recentemente no Rio de Janeiro.

Um exemplo da incúria estatal com reflexos na segurança pública nós encontramos na criança e no adolescente que estão sendo requisitados como auxiliares do t r áfi co. Atuam como “aviõezinhos”, que entregam a droga, ou como “radinhos”, que avisam quando da chegada da polícia.

Para a juíza Vanessa Cavalieri, da Vara da Infância e Juventude do Rio de Janeiro, esses jovens encaram as suas funções como trabalho, e não como crime. É razoável que assim pensem, pois o Estado nunca lhes deu oportunidades e não desenvolve nenhuma política pública em seu benefício.

Pode ser perguntado: o que fazer? Muita coisa: investigar não só dos gabinetes, pela via cômoda da tecnologia, mas nas ruas, nos antros dos crimes, com infiltração de agentes, campanas (vigilância, espionagem); utilização da inteligência policial nas suas várias formas; investigações de todas as circunstâncias envolvidas nos crimes; acompanhamento das atividades negociais e financeiras dos criminosos; e inúmeras outras atividades.

Uma das obrigações da Polícia Militar dos Estados – qual seja, praticar o policiamento ostensivo – não é cumprida. Parece ser uma realidade que vigora em todos os Estados: as Polícias Militares pouco vão às ruas. Não fazem a prevenção ao crime. A simples presença física dos policiais nas ruas inibiria o criminoso. São os furtos de celulares, relógios e, agora, alianças. Furtos que, desgraçadamente, começam como tal, mas não poucas vezes terminam em latrocínio.

Parece que a norma constitucional que reza serem as Polícias Militares “forças auxiliares e reserva do Exército” constitui a raiz dessa resistência da corporação em ir às ruas. Os contingentes majoritários permanecem em serviços burocráticos; aquartelados; em órgãos públicos, dando segurança a agentes do Estado. Mas nas ruas, para evitar o crime, não estão. Sendo forças auxiliares do Exército, policiar as cidades parece ser função menor, uma diminuição de sua capacidade de combater tal como faz o Exército.

Deve-se lamentar que a Constituição de 1988 tenha comparado duas funções distintas. Combater é diferente de proteger. O combater é guerrear ou intervir nas convulsões sociais. Proteger é dar tranquilidade ao cidadão no seu cotidiano, por meio da presença do policial nas ruas.

A pergunta que se impõe é: até quando vamos permitir que o Estado nos engane e que a criminalidade aumente?

 

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