domingo, 17 de maio de 2009

Gramsci: uma introdução

Valentino Gerratana
Tradução: Luiz Sérgio Henriques
DEU EM GRAMSCI E O BRASIL

Político e escritor. Uma nova luz sobre sua biografia e os conteúdos de sua obra foi lançada pelos estudos realizados nos anos mais recentes. Depois de uma juventude atormentada por doenças e apertos econômicos, transferiu-se em 1911 para Turim, graças a uma bolsa de estudos que lhe permitiu matricular-se na universidade, na Faculdade de Letras e Filosofia. Apaixonou-se inicialmente pelos estudos de Lingüística, sob a orientação do glotólogo M. Bartoli, mas em seguida se ligou aos mais ativos movimentos literários e políticos da capital piemontesa. Seus estudos universitários, porém, foram retardados por freqüentes crises de esgotamento nervoso, e ele renunciará por fim a diplomar-se, para empenhar-se cada vez mais no jornalismo militante (em dezembro de 1915 começou a trabalhar na redação turinense de Avanti!, órgão do Partido Socialista Italiano).

Sua atividade jornalística se impõe à atenção geral não só pela qualidade do texto mas também pela profundidade da pesquisa cultural. Neste sentido, tornou-se exemplar a preparação de um número único redigido em fevereiro de 1917 por conta da Federação da Juventude Socialista do Piemonte (La città futura), em que ao lado de artigos originais de teoria e de propaganda socialista se alinhavam escritos de Croce, Salvemini e A. Carlini. Neste período, a influência de Croce e da polêmica antipositivista do idealismo italiano também se mostra na avaliação entusiasmada da Revolução Russa de novembro de 1917, interpretada como "revolução contra O Capital" (isto é, contra a versão determinista da obra de Marx). Com estas diretrizes preparou e em seguida dirigiu, no pós-guerra, o periódico L´Ordine Nuovo, publicado entre maio de 1919 e dezembro de 1920 com o subtítulo de "publicação semanal de cultura socialista". Ligando-se ao movimento turinense dos conselhos de fábrica, o periódico pretendia ser tanto instrumento de investigação cultural quanto órgão de luta política. Esta experiência se situava, numa perspectiva revolucionária, à esquerda do movimento socialista da época, mas em conformidade com outros fermentos da cultura italiana do período, como os que se referiam ao neoliberalismo de P. Gobetti, que de fato julgou positivamente a obra do grupo.

Em 1921 participou do Congresso de Livorno, que assinalou a cisão do Partido Socialista e a constituição do Partido Comunista. Ainda em Turim, dirigiu o órgão do novo partido, L´Ordine Nuovo, que se tornou um cotidiano (no qual também colaborou Gobetti, como crítico teatral). Todavia, nos primeiros anos do novo partido sua atividade foi condicionada pela direção de A. Bordiga, que, tendo organizado uma facção nacional antes da cisão, havia obtido uma posição de destaque, influenciando também grande parte do próprio grupo turinense de L´Ordine Nuovo.

Neste período, em maio de 1922, antes do golpe de Estado fascista, partiu para Moscou, onde ficou até novembro de 1923 como representante do partido italiano no comitê executivo da Internacional Comunista. Em seguida se dirigiu a Viena, para preparar uma nova série de L´Ordine Nuovo, que começou a sair quinzenalmente a partir de primeiro de março de 1924. Pouco depois foi eleito para o Parlamento e pôde voltar à Itália, empenhando-se na luta contra o fascismo e, dentro do partido, na ação organizativa necessária para impor uma linha política diversa da bordiguiana, que, por seu extremismo, havia entrado em rota de colisão com as posições prevalecentes na Internacional Comunista.

A linha de G., que reuniu em torno de si um novo grupo dirigente "centrista", prevaleceu a seguir no III Congresso do Partido Comunista da Itália, realizado em Lyon, em janeiro de 1926. Alguns meses depois, porém, suas relações com a Internacional Comunista sofreram um primeiro abalo, com sua iniciativa de escrever uma alarmada carta ao comitê central do Partido Bolchevique em razão das divisões internas daquele partido. Mesmo criticando a oposição, a carta também trazia reservas sobre os métodos da maioria (Stalin-Bukharin), e por este motivo Togliatti, então representante em Moscou dos comunistas italianos, considerou oportuno não entregá-la oficialmente. Daí nasceu uma viva polêmica entre G. e Togliatti, relevante sobretudo pela insistência por parte do primeiro na necessidade de "apelar à consciência política dos companheiros russos e indicar energicamente os perigos e as fraquezas que suas atitudes estavam por determinar".

A precipitação dos eventos na Itália o afastou, no entanto, desta polêmica: em 8 de novembro de 1926, depois das "medidas de exceção" do governo fascista contra os oposicionistas, G. foi detido apesar da imunidade parlamentar e enviado, primeiramente, ao confinamento em Ustica e, depois, ao cárcere de Milão, para ser submetido, junto com outros dirigentes comunistas, ao Tribunal Especial para a Defesa do Estado. No julgamento, realizado em Roma entre maio e junho de 1928, foi condenado a 20 anos de reclusão. Destinado, para cumprir a pena, à penitenciária de Turi (Bari), aí ficou até dezembro de 1933, quando por graves motivos de saúde foi transferido, primeiro, para a enfermaria do cárcere de Civitavecchia e, depois, sempre na condição de preso, para uma clínica privada de Formia. Só em outubro de 1934 foi posto em liberdade condicional, mas permaneceu na mesma clínica de Formia, não tendo condições de retomar a atividade normal em razão da saúde comprometida. Morreu, enfim, na clínica Quisisana, de Roma, para onde fora transferido sob vigilância desde a clínica de Formia.

Sua vida no cárcere também foi tornada amarga pelas difíceis relações estabelecidas com o partido que havia dirigido antes da prisão. Em desacordo com a linha política adotada no fim de 1929 sob pressão do Komintern, então em luta não só com o fascismo mas também com a social-democracia (definida como "social-fascismo"), se via em aberto conflito com a maioria dos outros comunistas presos em Turi, e isto o havia induzido a fazer de seu isolamento a forma exclusiva da própria existência. Explica-se assim por que sua situação não tenha sido então discutida nos órgãos dirigentes ativos no exílio, com os quais suas relações foram sempre indiretas (com a mediação do amigo economista P. Sraffa, que trabalhava em Cambridge). Todavia, depois de 1934, com o abandono da propaganda sobre o "social-fascismo" e o predomínio da política de unidade antifascista, foram intensificadas as campanhas internacionais de imprensa para pedir sua libertação.

À parte os reconhecimentos provenientes dos contemporâneos no curso de sua atividade (Gobetti, Prezzolini, Dorso), sua fama está ligada sobretudo à publicação, no pós-guerra, dos escritos póstumos. Em 1947, a primeira edição das Cartas do cárcere (uma edição nova e mais ampla foi publicada em 1965) teve uma enorme repercussão nos ambientes culturais mais diversos. Seguiram-se os volumes extraídos dos Cadernos do cárcere, na edição temática: O materialismo histórico e a filosofia de Benedetto Croce (1948), Os intelectuais e a organização da cultura (1949), O Risorgimento (1949), Notas sobre Maquiavel, a política e o Estato moderno (1949), Literatura e vida nacional (1950), Passado e presente (1951). Em vários volumes foram depois recolhidos os escritos jornalísticos do período pré-cárcere. A ordem sistemática escolhida na primeira edição dos Cadernos, com o agrupamento editorial das notas gramscianas por argumentos e temas homogêneos, tornava mais imediatamente acessíveis os conteúdos da obra, mas não revelava seus nexos internos e o fio condutor seguido pelo autor em seu trabalho.

Esta foi, no entanto, a tarefa que se propôs a edição crítica dos Cadernos do cárcere, publicada em quatro volumes em 1975 sob os cuidados de V. Gerratana, segundo a ordem dos manuscritos integrais assim como foram deixados pelo autor, mas com um amplo aparato de notas e índices e com o cotejo das fontes utilizadas. Assim foi possível seguir o ritmo de desenvolvimento da investigação gramsciana através da primeira redação de notas registradas em cadernos mistos, depois retomadas, e em alguns casos desenvolvidas na segunda redação dos cadernos "especiais", a partir dos quais o autor se propunha compor ensaios independentes relacionados entre si, mas não um trabalho orgânico de conjunto (como parecia sugerir a primeira edição temática).

Ponto de partida da investigação é a ordem de idéias esboçadas num ensaio sobre a questão meridional escrito antes da prisão, com a análise da relação cidade/campo e das alianças de classe na sociedade italiana das primeiras décadas do século. A análise se amplia e se aprofunda no trabalho dos Cadernos com o estudo da função dos intelectuais na história da Itália. É uma pesquisa complexa e original, porque a noção de "intelectual", em sua função de coágulo da formação de todo bloco histórico, é ampliada além dos limites tradicionais, numa visão que estende o conceito mesmo de Estado, entendido não mais só como "sociedade política", órgão de coerção jurídica, mas como entrelaçamento de sociedade política e "sociedade civil", em que a hegemonia de um grupo social se exerce através de organizações privadas, como Igreja, sindicatos, escolas e outros instrumentos de direção cultural.

Esta estrutura teórica, que tem no centro o conceito de "hegemonia", leva também a uma nova interpretação da queda das comunas medievais e de sua incapacidade de superar a fase econômico-corporativa do Estado, em razão do caráter cosmopolita dos intelectuais italianos e da ausência, neles, de uma função nacional-popular. No Estado moderno, ao contrário, o exercício da hegemonia permite às classes dominantes obter o consenso das classes subalternas, seja com a energia das revoluções de tipo jacobino, seja através de diferentes formas de "revolução passiva": com este termo, tomado de V. Cuoco, é indicado um processo de revolução-restauração ou de "revolução sem revolução", como aquele ilustrado na história italiana pelo Risorgimento, em que os moderados conseguem exercer sua hegemonia sobre o Partido de Ação.

Nesta análise, também o fascismo é considerado uma forma particular de revolução passiva; o fascismo visto não só em seus aspectos repressivos mas também em seus esforços econômico-sociais de modernização em relação ao fenômeno do americanismo e do fordismo, outro veio explorado com constância analítica nos Cadernos. Neste quadro historiográfico se insere a visão política de uma estratégia revolucionária fundada na passagem da "guerra de movimento" e do ataque frontal à "guerra de posição" adequada às condições do Ocidente, em que o exercício da hegemonia é confiado à conquista do consenso em todas as principais articulações da sociedade civil.

Liga-se a tal estratégia a reflexão sobre dois temas recorrentes nos Cadernos: o problema da relação entre Maquiavel e Marx (e surge desta reflexão a idéia de um partido como moderno Príncipe) e a perspectiva de um desenvolvimento do marxismo como filosofia da práxis em suas relações com o senso comum e com as correntes culturais do mundo moderno. A estreita conexão destes temas se mostra ainda mais evidente na sucessão dos manuscritos originais tal como são reproduzidos na edição crítica, na riqueza de suas implicações e dos problemas deixados em aberto pelo próprio autor. Por isto, trata-se de temas que podiam servir de estímulo para novas pesquisas e de fato foram discutidos longamente, mesmo em outros países.

Traduções da edição crítica dos Cadernos existem na França (Paris, Gallimard), América Latina (México, Ediciones Era), Alemanha (Hamburgo, Argument), Estados Unidos (Columbia University Press). Um testemunho minucioso da difusão do pensamento de G. no mundo está na Bibliografia Gramsciana, organizada por J. Cammett, apresentada no Congresso Internacional de Formia em outubro de 1989; nela estão registrados mais de 7 mil títulos em 27 línguas.


BIBLIOGRAFIA


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(Des) Vantagens comparativas

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

Quais seriam as vantagens comparativas do Brasil dentro dos Brics (Brasil, Rússia, Índia e China), grupo de países apontados pela Goldman Sachs como futuros líderes internacionais? O jornalista Paulo Sotero, diretor do Brazil Institute, do Woodrow Wilson International Center for Scholars, de Washington, diz que a principal vantagem talvez seja que, em contraste com a China, a Índia e a Rússia, a ascensão internacional do Brasil não representa ameaça a ninguém.

"Nesse sentido, a ampliação do espaço internacional do Brasil não tem sido um alimentador de tensão. Pelo contrário, as ações internacionais brasileiras, mesmo com derrapagens, têm tido o efeito oposto e afirmado o papel estabilizador do país na América do Sul e no Caribe, como atesta a experiência recente no Haiti".

Mantidas as tendências atuais, Paulo Sotero acha que aumentarão as assimetrias entre o Brasil e seus vizinhos "e isso poderá se tornar fontes de problemas futuros". Ao mesmo tempo, ressalva, deve-se ter em conta que "um Brasil democrático, estável e próspero é benéfico à região e à comunidade internacional".

O sociólogo e cientista político Amaury de Souza, da MCM Consultores, acha que talvez fosse melhor indicar primeiro "nossas desvantagens relativas face aos demais países emergentes, destacando-se a ínfima participação no comércio mundial e taxas medíocres de crescimento econômico".

Onde corremos parelhos com os outros Brics, na sua análise, "é na posse de grandes territórios e populações, o que nos assegura amplos mercados domésticos".

Conta a favor do Brasil, também, o fato de sermos, na opinião de Souza, "o país mais ocidental e mais moderno social e culturalmente dentre os emergentes. E o bom relacionamento com os vizinhos, no que o Brasil contrasta vivamente com os demais Brics, cercados de ameaças em suas respectivas regiões".

O sociólogo e cientista político Candido Mendes ressalta a característica dos Brics de não terem nascido de uma política comum, "mas sim de escaparem às lógicas da globalização tal como entrevista ainda antes da crise com o modelo econômico capitalista".

Candido Mendes vê todos "países relativamente independentes da dimensão externa de suas economias. São todas extensões continentais constitutivamente orientadas para seus mercados internos, ainda que dentro de políticas distintas de acesso social: as áreas da saúde, educação e habitação".

Para Candido Mendes, "a consciência deste novo protagonismo internacional nos dissocia, de vez, da América Latina. Tal como, inclusive, vem de reconhecer o governo americano".

Para ele, nossa principal vantagem comparativa com os demais emergentes "vem da absoluta comparação democrática do nosso desenvolvimento, tal como hoje o governo Lula desfruta de uma admiração universal. Soma-se o jogo de contrapesos entre os três Poderes ao respeito aos direitos humanos e, sobretudo, ao estado de direito e obediência às suas regras do jogo fora das tentações intervencionistas, por exemplo, da maior parte da América Latina".

Neste aspecto, e entre os Brics, ressalta Candido Mendes, "o destaque democrático só repartimos informalmente com a Índia. Mas há que atentar ao quanto esta última, por sobre o formalismo democrático, mantém objetivamente o sistema dos párias e o multissecular regime de falta de reconhecimento coletivo".

Mesmo que os Brics não constituam um grupo entre si, Candido Mendes acha que eles podem, em conjunto, se contrapor a uma globalização hegemônica. Sobretudo, ressalta, "em termos do controle total desse processo de que a China não se demite e o Brasil apresenta a pauta mais rica de autointuição da mudança".

O sociólogo Simon Schwartzman, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets) tem uma visão crítica do governo Lula, que "com declarações desastradas como a dos "brancos de olhos azuis" e a insistência em ensinar aos governos americano e europeus o que fazer, se torna cada vez mais uma figura folclórica".

Por isso, Schwartzman acha que a importância que o Brasil possa ter no cenário internacional "tem menos a ver com as articulações políticas e as viagens do presidente, do que com os fatos do tamanho da economia brasileira e a sua estabilidade, bastante distinta, no agregado, do voluntarismo e aventureirismo de muitos dos governos de nossos países vizinhos".

Para ele, além da importância econômica, o Brasil pode fazer muito "participando de forma séria e responsável em diferentes instituições e iniciativas internacionais, e fortalecendo os programas e atividades de intercâmbio e cooperação com outros países".

Ele vê bons exemplos, "entre os quais a atuação dos militares no Haiti", mas considera que "o Brasil tem muito ainda a melhorar para que sua presença e prestígio internacional possam corresponder às dimensões de sua economia".

O economista Paulo Vieira da Cunha, ex-diretor do Banco Central, acha que um dos problemas do Brasil é que a América Latina ainda é vista como "o quintal dos Estados Unidos".

Na sua análise, "a China é uma potência em sua área; a Índia continua sua guerra disfarçada com o Paquistão, e a região é tão problemática que sua presença estratégica é reconhecidamente fundamental para todos; a Rússia ainda joga seu jogo de "potência atômica", mas, dos Brics, é claramente, o mais decadente".

O Brasil é estrategicamente importante por suas relações com Venezuela, Bolívia, Equador e agora Paraguai, o que sem dúvida, é importante para o Departamento de Estado dos Estados Unidos, mas não vai muito além disso, analisa Paulo Vieira da Cunha, para quem "o Mercosul faliu".

De fato e ficção

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Em tese, madeira que bate em Chico bate em Francisco. O problema da teoria é que, na prática, outros quinhentos prevalecem.

Não fosse por esse detalhe atroz, todos os candidatos às eleições de 2010 estariam liberados para começar suas campanhas a presidente, governador, senador, deputado federal e deputado estadual, agora mesmo.

A partir do momento em que o Tribunal Superior Eleitoral definiu que a presença da ministra Dilma Rousseff no palanque, em companhia do presidente Luiz Inácio da Silva, não guarda a menor relação com campanha eleitoral, todos os candidatos à eleição de 2010 poderiam se considerar liberados.

Não o fazem, porém, por dois motivos: por receio de que nesse tipo de julgamento sejam usados pesos e medidas diferentes e por uma impossibilidade real imposta pela legislação eleitoral em vigor.

De acordo com a lei, as campanhas só podem começar depois da escolha oficial das candidaturas nos respectivos partidos.

Como as convenções são realizadas (por lei) em junho do ano eleitoral, as campanhas só podem começar a partir daí. Isso, em relação a atos gerais de propaganda e também no tocante à arrecadação de recursos.

Legais, obviamente. Dentro do terreno da legalidade, o candidato no Brasil dispõe de três meses entre a oficialização da candidatura e a eleição.

Os pretendentes apoiados pelos ocupantes do poder não estão submetidos a essa premência. Podem se utilizar (acabou de autorizar o TSE) da condição de governantes, usar todos os instrumentos à disposição de governos e, quando chega a data oficial apenas informa, também oficialmente, que daquele momento em diante não governam, buscam votos. Por mais que as ações sejam semelhantes.

Trata-se, obviamente, de um faz-de-conta. Seria inócuo e meramente formal caso não representasse um efetivo desequilíbrio nas condições de igualdade entre candidatos preconizada pela Constituição.

Mas significa mais ainda. Incentiva a prática do caixa 2, pois trabalha com o prazo irrealista de três meses para arrecadação de recursos pelos meios legais.

A atual legislação brasileira anula, por exemplo, qualquer argumento em favor do modo de arrecadação adotado pelo então candidato a presidente dos Estados Unidos Barack Obama.

Lá, Obama dispensou o financiamento público e optou pelas contribuições de pessoas físicas via internet. Não há termo de comparação possível com o nosso sistema, pois Obama começou esse movimento em fevereiro de 2007 para uma eleição que aconteceria em novembro de 2008.

Quase dois anos antes, em contraposição aos três meses permitidos no Brasil. Noventa dias de prazo, convenhamos, é um elogio à improvisação. Ou um incentivo à contabilidade paralela, como, na realidade, ocorre.

Fala-se em reforma política, mas não se fala na revisão de prazos eleitorais que obrigam o ocupante de um cargo público a se desincompatibilizar 60 dias antes do prazo para o início da campanha oficial. O governante precisa deixar o posto em abril, mas fica no limbo até junho, sendo candidato sem ser.

Essas talvez sejam distorções cuja correção mereça mais urgência e atenção por parte do Congresso. Principalmente agora que o TSE deixou o governo livre para transgredir.

Tudo dominado

É natural que o governo se mobilize contra a CPI da Petrobrás. Mas, em princípio, não há razão para temer coisa alguma. Isso independentemente do mérito das alegações da oposição e do fundamento das irregularidades a serem investigadas.

A questão, por ora, resume-se aos métodos e às circunstâncias, amplamente favoráveis ao Planalto.

Primeiro, havia o recurso da retirada das assinaturas até meia-noite da última sexta-feira.

Mesmo na improvável hipótese de o governo não ter conseguido a desistência de seis senadores, há o fato de a oposição estar dividida. O DEM favorável ao cumprimento do acordo de esperar a audiência do presidente da Petrobrás, Sergio Gabrielli, daqui a uma semana, e o PSDB no patrocínio da CPI.

Além disso, o histórico recente de comissões de inquérito é uma conta de soma zero. Seja porque os governistas detêm o controle de todas elas, seja porque a oposição já mostrou que só vai até um determinado ponto e não ultrapassa nenhum limite que possa esbarrar nos interesses de quem já foi e pretende voltar a ser governo.

Outro motivo que não autoriza grandes expectativas é a crescente irrelevância das CPIs, autodesmoralizadas pela ação das tropas de choque e pelos acordões avalizados pela oposição.

Finalmente, e assaz importante, há o cotejo - já usado por Lula na queixa de falta de "patriotismo" do PSDB - entre o prestígio de que dispõe a Petrobrás junto à opinião pública e o descrédito em relação ao Congresso, em particular à sua autoridade para investigar o alheio.

Subtração moral levada a termo pelo Legislativo por longo tempo de serviço prestado à insensibilidade social.

Fechou o tempo

Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Saio de férias com a sensação de que tudo mudou nos ares da política. Aquele marasmo todo de Serra versus Dilma, aliança PSDB-DEM, PMDB comportado nos braços do governo, Lula paz e amor, tudo isso está sendo chacoalhado pelas ventanias, inclusive as ventanias do destino.

A notícia do linfoma de Dilma não só abriu incertezas como fez emergir insatisfações dissimuladas e ambições ocultas e coincidiu com o furacão causado no Congresso pela eleição de Sarney. Lula deve estar profundamente arrependido de ter precipitado o processo eleitoral. Com a doença de Dilma, ficou evidente o vácuo de nomes nacionais no PT e na base governista, como ficou explícita a guerra entre PT e PMDB.

Na Bahia, Geddel vive às turras com o PT de Jaques Wagner. No Pará, Jader pula do barco da petista Ana Júlia. No RS, a debacle tucana reacende a cobiça do PT de Tarso Genro, contra o favoritismo do PMDB de Fogaça. No Rio, o caos de sempre. E o clima de guerra se expande para o resto do país.

Qualquer coisa vira tempestade, como a demissão de irmãos e ex-mulheres na Infraero. Sarney, Renan, Temer, Geddel, Jucá, Henrique Alves abandonam o bom-mocismo da época do marasmo (e da candidatura Dilma virtualmente consagrada) e mostram a cara.

O pipocar da CPI da Petrobras, portanto, combina perfeitamente com o clima. A misteriosa alteração contábil e a política de ocupação de espaços do PT nas estatais apenas vieram bem a calhar, deram o pretexto que faltava. A única surpresa é que esse clima e esse pretexto são tudo que qualquer oposição pediu aos céus, mas justamente agora o DEM, que sempre primou por uma ação muito mais viril contra o governo, está miando. Aí, tem!

Até a volta!

Zorra total

Panorama Econômico :: Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO

Nilton tem uma caderneta de poupança para a educação dos netos. Já juntou R$117 mil. Mandou e-mail para a CBN para saber se teria que pagar imposto de renda. No site do "Bom Dia Brasil", uma telespectadora contou que foi demitida e depositou o FGTS na caderneta. Queria saber se haveria exceção para ela. A diferença com outras mudanças de regras é que, agora, as dúvidas chegam por e-mail.

No mais, é tudo igual àquelas alterações feitas na época pré-internet. As mudanças repentinas e confusas de regras, os planos que fracassaram porque foram anunciados antes e pensados depois, as normas que não contemplam as múltiplas situações da vida real, tudo parecia estar de volta na semana passada. Com eles, as dúvidas dos poupadores. Cada um é uma história, cada um tem uma particularidade que não foi pensada pelo Ministério da Fazenda.

Nilton não terá como fugir, por mais nobre que seja o motivo pelo qual está poupando. Terá que pagar imposto que vai incidir sobre a rentabilidade de R$67 mil do dinheiro da educação dos netos. Todo o conforto que se pode dar a ele é que só no ano que vem ele precisa saber o que fazer. Mas saber quanto pagar não é trivial. A base de cálculo vai depender da Selic, na ordem inversamente proporcional à taxa de juros: quanto menores os juros, menor o redutor da base de cálculo e, portanto, maior o imposto a ser recolhido pelo poupador. Tente explicar isso para uma velhinha que tenha como renda a pensão deixada pelo marido e uma antiga caderneta, na qual ela guarda sua garantia para dias piores. Terão todos esses 894.856 poupadores que excedem os emblemáticos R$50 mil que torcer para que os juros não caiam, porque a queda dos juros aumentará seu imposto. Os outros donos de caderneta terão que se limitar aos R$50 mil, não poupar nada mais, porque em lei estará um valor imutável a partir do qual se paga imposto de renda. Serão punidos se pouparem mais.

Quanto à telespectadora do "Bom Dia Brasil", para ela fugir do imposto terá que não conseguir outro emprego, ou, se conseguir, torcer para que não lhe assinem a carteira, para ter oficialmente apenas o rendimento da caderneta. Para ela, a informalidade será o melhor negócio.

As mudanças anunciadas pelo governo criaram inesperados aliados dos juros altos e da informalidade, e produziram outras esquisitices. Os aplicadores dos fundos de investimento tinham, antes, um incentivo fiscal para investir a longo prazo, porque a alíquota do imposto caía nas aplicações mais longas. A redução da alíquota, agora, dá a eles a possibilidade de saque imediato. Quem tinha que esperar três anos pelo benefício de só pagar 15% de imposto poderá pagar 15% já. Liquidez imediata e saques para trafegar para outros ativos. Na caderneta de poupança, 41% do dinheiro aplicado pertencem a contas que excedem os R$50 mil. Poupadores podem ter a ideia de sacar tudo e se mudar para outros produtos financeiros tão logo o imposto seja aprovado. Não é nada, não é nada, eles tem quase R$111 bilhões no produto.

Outra esquisitice é que como os juros da caderneta de poupança não vão cair, mesmo que a Selic caia bastante, os financiamentos imobiliários não vão se beneficiar da queda, porque os bancos captam em caderneta para aplicar no mercado imobiliário. Se vão pagar mais numa ponta, não reduzirão os juros na outra ponta, a de quem vai pegar financiamento para comprar imóvel.

Tharcísio de Souza Santos, economista e professor da Faap, que respondeu a um chat no G1, se surpreendeu com a quantidade de pessoas que não sabiam que as regras da poupança não são pra já, e com a confusão das pessoas em relação à incidência do imposto, se é sobre o rendimento ou sobre o principal aplicado. Ele achava que esses dois pontos já estavam claros, e que as confusões seriam com outras partes da proposta.

- As regras vieram complicadas mesmo. Um ponto é a relação da Selic com os fundos de investimento e a taxação da poupança. Eu entendi que quando entrar em vigor a taxação da poupança, deixará de valer a redução da taxação dos fundos. Mas tem gente achando que não, que tudo continua. O governo ainda não falou nada, e eu acho que eles também não sabem como vai ficar - diz Tharcísio.

Na verdade, o governo disse que a renúncia fiscal deixaria de valer no ano que vem, mas agora pensa em deixar por mais tempo se não conseguir aprovar a taxação da poupança.

Há velhas lições dos tempos dos planos econômicos mais toscos e da rupturas de regras mais drásticas que foram ignorados agora. Não fazer regras complexas, não acreditar que o que dá certo nos laboratórios do Ministério da Fazenda se reproduz da mesma forma na vida real, não subestimar a multiplicidade de situações do cotidiano, não contornar um problema quando ele aparece: a reta é, na economia também, a menor distancia entre dois pontos. O governo, no caso da poupança, quis contornar a necessidade de acabar com a remuneração fixa que impõe um piso a partir do qual os juros não podem mais cair. Ao sair pela tangente, criou mais um daqueles monstrinhos que no passado eram fabricados no Ministério da Fazenda.

Transparência e tapeação

Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO(PE)

A vida política tem sido a grande fomentadora do nosso enriquecimento vocabular. A despeito da ausência de grandes tribunos e da sucessão de vexames e escândalos, fabricamos e disponibilizamos na linguagem corrente um número cada vez maior de arcaísmos e neologismos.

Para a vergonha dos moralistas e euforia dos linguistas.

O verbo "lixar" (polir, desbastar) que segundo os etimologistas foi incorporado ao idioma português no século 15, ganhou no Brasil conotação menos restrita. Lixar-se, significa não se incomodar, não ligar, mas na boca de um deputado membro da Comissão de Ética da Câmara, lixar-se e, sobretudo, lixar-se para a opinião pública converteu-se em grave infração, atentado ao sistema representativo. O jornalista Jânio de Freitas, da Folha de S.Paulo, em boa hora resgatou do baú das velharias idiomáticas um precioso verbo e o seu respectivo substantivo, "tapear" e "tapeação", muito apropriados a estes tempos de factóides, mistificações publicitárias e promessas enganosas. Fazem parte do rico manancial de regionalismos brasileiros, significam contornar, mas também blefar, embromar.

Os portugueses têm o seu equivalente em aldrabice e ao tapeador designam de aldrabão que soa como ofensa, mas também significa trapalhão. Transparência é a palavra-chave. Com ela não se brinca, não se presta a relativizações. Conceito indiscutível: coisas, atos e pessoas ou são transparentes ou opacas. Quando uma entidade ou autoridade compromete-se com a transparência não há como tergiversar. Quando a ministra Dilma Rousseff, em 20 de abril, anunciou num seminário organizado pela Unesco em Brasília que o governo apresentaria dentro de um mês os instrumentos legais que garantiriam o acesso universal à informação todos exultaram e não apenas os jornalistas presentes ao evento. A partir da sua promulgação qualquer cidadão poderia obter dos três poderes, sem constrangimentos, os dados que desejasse, sobretudo no tocante a gastos e, de posse deles, questionar a sua aplicação. Passo decisivo em matéria de transparência deverá reverter a histórica tradição da malversação do erário que tantas crises e tanto palavreado já produziu

A ministra cumpriu o prometido: na última quarta-feira, 13 de maio, em evento com a merecida pompa e circunstância, foi anunciado um pacote do qual fazem parte a prometida Lei de Acesso à Informação e também a criação do portal Memórias Reveladas com o edital destinado a recolher a documentação referente à ditadura militar.

O presidente Lula mais de uma vez expressou sua ojeriza aos pacotes, este não escapa ao caráter difuso, um tanto deletério, dos conjuntos de atos oficiais, muitas vezes contraditórios. Este não foge à regra e os problemas que suscita começam a partir da própria concepção da solenidade em que foram anunciados. Colocar um inovador estatuto cívico, prometido há mais de quatro anos, junto com um ato simbólico relativo aos anos de chumbo e convidar para a ocasião as duas mais importantes figuras do cenário político-eleitoral, vítimas da repressão – a ministra Dilma Rousseff e o governador José Serra – foi uma forma criativa de desviar as atenções e minimizar os impactos de uma Lei de Acesso à Informação insuficientemente maturada.

Tapeação ou embromação, não importa o termo, a verdade é que atraída pelo valor mítico de tudo o que diz respeito à repressão política do período 1964-1985, a imprensa foi na onda e fixou-se na subjetividade sugerida pela presença tão próxima dos possíveis candidatos à sucessão do presidente Lula.

A criação do portal Memórias Reveladas é extremamente importante para impedir que o período 1964-1985 seja esquecido ou desvirtuado. Mas ao secundarizar a primeira medida concreta e efetiva na direção de gestão pública transparente o governo expõe uma falta de convicção, alguma inapetência e muitas reservas.

O governo, evidentemente, não está se lixando, mas a sua primeira incursão na era da transparência foi frustrante.

» Alberto Dines é jornalista

O PAI DOS POBRES (charge)

Mais uma do Pai dos Pobres e Mãe da Banca

Elio Gaspari
DEU EM O GLOBO

A Ekipekonômica e o comissariado de informações do governo conseguiram transformar a limonada da remuneração das cadernetas de poupança num limão azedo. O que é uma questão ainda remota virou grande barafunda. Querem cobrar Imposto de Renda de quem tem mais de R$ 50 mil na caderneta, mas pretendem baixar em 30% o mesmo tributo para quem tem dinheiro aplicado em fundos de investimentos.

Algumas mudanças vêm logo, outras, só ano que vem. Alguns descontos serão feitos na fonte, outros nas declarações de renda. Como se isso fosse pouco, a oposição diz que a medida tunga a classe média. Quem mantém R$ 100 mil numa caderneta durante um ano não pode ser chamado de especulador, mas, com esse saldo, que lhe concede um rendimento mensal de R$ 575, pagará R$ 13,75 ao Imposto de Renda. Isso não o mandará ao andar de baixo.

Como há 90 milhões de cadernetas de poupança e só 1% dos aplicadores têm depósitos superiores a R$ 50 mil, pode-se dizer que a confusão está restrita ao andar de cima. Falso.

Sempre que a caderneta ameaçar o cofre dos fundos de investimento, coisa que ainda não ocorreu, a ekipekonômica avançará sobre o seu rendimento. Fará isso porque o governo inovou a piada do pudim. Ele quer comê-lo (pedindo dinheiro aos bancos para financiar suas despesas), guardá-lo (garantindo a renda dos pequenos depositantes) e vendê-lo (protegendo as taxas cobradas pelos administradores dos fundos).

Os sábios querem preservar a convivência irracional de duas taxas de remuneração dos investimentos, a Bolsa Copom (8% líquidos ao ano) e o rendimento das cadernetas (cerca de 7,5%, em valores de hoje). Enquanto esse regime remunerou o andar de cima, tudo bem. Agora que as quedas da Selic aproximam as taxas, o céu ameaça cair. O problema continua do mesmo tamanho: juros flutuantes só podem conviver com remunerações tabeladas se uma se destinar a cevar os cavalcantis e outra a ferrar os cavalgados. O rendimento das contas do FGTS continua negativo, mas falar no pecúlio compulsório da patuleia é falta de educação.

Todo mundo quer juros baixos para seus empréstimos e taxas altas para suas aplicações. O papel do governo é reconhecer que esse jogo não existe. O atrelamento da renda das cadernetas à Selic é inevitável. Por enquanto, o que a ekipekonômica quer é preservar o brilho do rentismo que financia as arcas do governo. Seus sábios protegem os fundos sabendo que a Caixa Econômica cobra apenas 1,5% de taxa de administração, enquanto os bancos cobram, na média, acima de 2%. (O Tesouro Direto, do Banco Central, remunera pela Selic e cobra 0,4% no primeiro ano e 0,3% daí em diante.)

Se o problema estivesse na defesa do rendimento dos 45 milhões de cadernetas com até R$ 100 no saldo, o governo não precisaria fabricar uma barafunda. Nosso Guia poderia fazer o que bem entendesse, distribuindo um rendimento adicional de 10% sobre os saldos de todas essas cadernetas, e o mimo custaria, no máximo, R$ 450 milhões por ano. Reduzindo em 30% o Imposto de Renda dos aplicadores em fundos de investimento, a ekipekonômica impõe à Viúva uma renúncia fiscal estimada cerca de R$ 3 bilhões.

O comissariado de informações do governo tem uma opção preferencial pela construção de realidades virtuais. Desta vez, transformaram as cadernetas em ameaça. Há um mês, com algum sucesso, converteram dissimulação em transparência. Em abril, montaram um teatro, fingindo que a ministra Dilma Rousseff anunciou seu câncer linfático logo depois da confirmação do diagnóstico. Lorota. Quando a ministra revelou a doença, os repórteres Mônica Bergamo e Diógenes Campanha já haviam contado que ela colocara um cateter para receber medicação quimioterápica. Pior: em seguida, a repórter Adriana Dias Lopes mostrou que o tratamento da ministra começara quatro dias antes. Há algo de compulsivo na enganação. Na quinta-feira, a agenda da doutora dizia que durante a manhã ela se ocupou com "despachos internos". Já o hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, informou que ela passou pela segunda sessão de quimioterapia.

“Hoje existe o coronelismo urbano”

ENTREVISTA » ANDRÉ HERÁCLIO DO RÊGO
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

O coronelismo existe desde o início da colonização brasileira. Esta é uma das ideias defendidas por André Heráclio do Rêgo em seus estudos. Em sua conversa com a reportagem do JC, o autor de Família e Coronelismo no Brasil falou ainda sobre as relações deste com outros movimentos, como o cangaceirismo, e fez um paralelo dos antigos com os atuais coronéis.

JORNAL DO COMMERCIO – Qual a importância dos portugueses no surgimento do coronelismo no Brasil?

ANDRÉ HERÁCLIO – O coronelismo faz parte de um fenômeno mais amplo, que seria o mandonismo, que se manifestou no Brasil desde o primeiro momento da colonização. Os portugueses, objeto de tantas piadas de nossa parte, têm uma visão de mundo maravilhosa. Foram por exemplo pioneiros na globalização, já que andaram nos cinco continentes, na privatização, pois montaram um sistema de capitanias hereditárias no Brasil. Eu diria que o coronelismo, de um modo mais abrangente, começaria daí, das capitanias hereditárias. Os donatários, que comandavam as capitanias, não tinham todos, mas quase quase todos os poderes do rei. E nas suas terras, ele era o juiz, o delegado, o prefeito. Isso no começo da colonização

JC – Que características principais do coronelismo?

HERÁCLIO – Ter família grande é uma característica, embora admita-se exceções. E a família grande não é só a família de sangue, são também os afilhados, os agregados, etc. Faz parte também a capacidade de liderança. E essa capacidade de liderança não é necessariamente territorial, não necessitava ser um dono de terra, podia ser um comerciante, um promotor, um padre... Veja que um exemplo de coronel é o Padre Cícero Romão Batista.

JC – Qual a relação do coronelismo com outros movimentos, como o cangaceirismo?

HERÁCLIO – Frederico Pernambucano de Mello passou bem essa relação da imagem do coronel e do cangaceiro. Em seu livro Guerreiros do Sol, ele disse que o cangaceiro era um coronel sem-terra. Outra coisa que os aproximam é o rótulo, a patente. Por outro lado eles tinham uma liderança muito importante. Lampião e Antônio Silvino não dominaram o Sertão só porque matavam e extorquiam, eles também tinham uma legião de seguidores e admiradores.

JC – Como é o coronelismo hoje em relação ao de meio século atrás?

HERÁCLIO – É semelhante na questão da liderança, da vontade de poder. Tem muita gente que gosta do poder, não pra ganhar dinheiro, mas pela simples vontade de ser poderoso. Mas existem diferenças. Os coronéis de hoje se “civilizaram”, eles são formados, alguns com pós-graduação e doutorado. E a forma de dominação é outra, muito mais sofisticada hoje em dia. Existem os meios de comunicação, os jornais, as rádios. Fala-se muito no coronelismo eletrônico e, mais além disso, existe o coronelismo urbano. O coronel se urbanizou.

A política, essa donna mobile

Renato Lessa*
DEU EM O ESTADO DE S.PAULO / ALIÁS

Recusada pelo presidente, a hipótese do terceiro mandato vaga pelo mundo da opinião e da política

Primeiro, ao que parece, nunca como antes na história deste país o capitalismo esteve tão consolidado. Há disso sinais eloquentes, todos inscritos no que há tempos designávamos como "a dimensão objetiva da vida social": o mundo da produção, das trocas e da economia política, em geral. Os termos do mundo do mercado estão, no entanto, inscritos, para além da chamada vida material, na configuração das expectativas dos cidadãos da República. O horizonte natural da "boa sociedade" parece não mais colidir com os assim chamados aspectos estruturais e com os valores daquela ordem. A demanda por inclusão, por exemplo, fixada nos semblantes e no vozerio de expressões políticas tidas como de maior radicalidade, está a indicar os contornos do horizonte de expectativas nos quais nos inserimos.

A semântica da inclusão opera na falha - ou na exaustão - da semântica da transformação. É mesmo de uma viragem político-existencial que se trata: a inclusão neste mundo dispensa o salto alucinatório na direção de outro mundo. Com efeito, a passagem entre as duas ordens semânticas, se vier, dependerá da operação mágica de uma megaalquimia: os efeitos mecânicos e de escala da inclusão acabarão por reconfigurar a forma e o sentido da experiência social, transformando-a, ao final. A hipótese traz consigo a tese de sabor fideísta e espontaneísta de que a democratização é antes propulsionada pelo volume material da incorporação do que por alguma direção político-cultural que venha a lhe conferir identidade política concreta. O tema, como sabemos, é vasto e aberto à imparável controvérsia, com implicações fortes para uma teoria da agência política e social.

Em segundo lugar, o cenário de consolidação capitalista, no entanto, é assaltado por uma curiosa assincronia: no âmbito econômico, os valores e as práticas do livre mercado; na esfera pública, valorização do Estado. É certo que os ventos da crise permitiram certa demonização retórica oficial dos efeitos deletérios de uma concepção de mundo que pensa a sociedade na ótica dos negócios. Mas, a despeito da conjuntura aziaga, a assincronia está posta desde 2003 (e mesmo desde antes). O interessante é que não se trata de uma oposição cujos polos estejam fixados respectivamente na sociedade e no Estado. É no núcleo mesmo da gestão do Estado que estão abrigados os que expressam, de forma tipificada, aquelas orientações díspares. Uma coalizão elástica e generosa incorpora um arco improvável que transita dos segmentos mais duros da direita social - os seres do agrobusiness e do mundo agrário, por exemplo - a hirsutas expressões do igualitarismo (um tanto desorientadas, é certo, pela linguagem do "reconhecimento"), nas hostes da esquerda.

Entre os antípodas desse arco, uma atualização prática de um mito brasileiro generoso: há lugar para todos. Mas, no lugar da harmonia e do "jogo cooperativo", a guerra de posições do interior do Estado. Nada de mobilização autônoma de forças sociais, o que implicaria a quebra do equilíbrio frágil daquilo que Luiz Werneck Vianna, em ensaio iluminado, identificou com a antiga imagem do "estado de compromisso". Se fosse outro o desenho, quanto mais os incluídos no arco reforçassem suas posições no âmbito da sociedade, mais difícil seria a administração política do governo.

Menos do que "Estado de Compromisso", parece-me ser o caso de uma "situação de compromisso" : uma forma de administrar o conflito político e social que depende do desempenho de seu principal operador pessoal. Estamos menos aqui na chave do pacto que deu origem ao consenso social europeu dos anos 50 e 60 e mais em um universo que exige as artes de um operador virtuoso.

Lula, ícone do presidencialismo de animação, veste bem a fatiota. Ninguém melhor do que ele se apresenta como protagonista de um mito de integração básica. Tem-se aqui o ator que estabelece as linhas de sutura - nunca de ruptura. Da assincronia entre economia e política passamos, pois, para a presença de um grande operador de sincronias, o presidente. É de se perguntar, a sustentabilidade do arranjo pode prescindir da presença física do seu operador?

O terceiro ponto: a pergunta precipita o diagnóstico geral sobre uma questão de conjuntura. O calendário eleitoral é uma das interpelações que o curto prazo impõe ao modo lulista de governar e a sua aparente imprescindibilidade na gestão sistêmica do país. Negada expressamente pelo presidente, a hipótese do terceiro mandato parece ainda assim errar, de algum modo, pelo mundo da opinião e da política, sem desaparecer inteiramente do horizonte e sem que inexistam dinâmicas propiciadoras, de ordem mais geral.

Mesmo como hipótese velada, o terceiro mandato poderá gerar efeitos imediatos. Não é absurdo imaginar benefícios para a oposição, em temporada de baixa qualificação política e cognitiva. Um governo não ultrapassável à direita não encontra na oposição conservadora reparos maiores, a não ser os de ocasião ou fundados em desvios - reais ou suspeitados - de conduta moral. A tese do terceiro mandato, se explicitamente posta, dará à oposição uma referência vertebradora. Dar-lhe-á ensejo a que abandone a guerrilha insincera do varejo e uma oportunidade para afirmações compungidas, e talvez não menos inautênticas, de apego à legalidade, com direito, por certo, a farto pugilato judiciário.

Desde o Golpe da Maioridade, em 1840, até os dias que correm, o País experimentou uma associação entre o enfrentamento de desafios macropolíticos, econômicos e sociais com o alongamento do calendário político, no sentido da maior durabilidade quer dos mandatos, quer dos arranjos que os sustentam. Da Maioridade resultou a plena instalação do Poder Moderador, e seu papel crucial para a consolidação do Estado Nacional. A viabilidade institucional da Primeira República resultou de um arranjo extralegal, estabelecido pelo presidente Campos Salles (1898-1902), que, a despeito da Constituição, eliminou do horizonte a possibilidade de vitória eleitoral das oposições. Os cenários de 1930, do Estado Novo e do experimento-64 têm todos como fulcro a perspectiva de congelamento e de extensão do ciclo político, em nome das transformações fundas na ordem social. Fernando Henrique Cardoso, por fim, submeteu o calendário político do País a seu diagnóstico que era imprescindível para a felicidade geral. Foi um dos pioneiros de recente prática sul-americana. Em todos esses momentos, dimensões sistêmicas fundamentais para o País estavam a ser tratadas.

Não parece ser trivial a associação entre a consolidação das dinâmicas básicas do mundo capitalista e a presença de mecanismos de minimização dos conflitos sociais "naturais". Lula, avesso à luta de classes, tem cumprido papel inestimável a tal respeito. Tal como nos momentos anteriormente mencionados, aqui estão a ser dados passos cruciais para a definição do que é e será o País. De tal cenário poderá resultar a alucinação da imprescindibilidade.

Viável ou não, em termos políticos e legais, o tema do terceiro mandato poderá vir a ser afetado, no entanto, pelo comportamento do principal personagem. Lula tem demonstrado aversão à hipótese. Apesar da ação de áulicos aflitos e gulosos, não há como apostar na insinceridade presidencial. Por certo, a política "è mobile", mas Lula, como um dos mais importantes personagens da história da República, sabe que sua bela biografia não terá acréscimo positivamente notável diante da mácula de haver modificado a Constituição, com finalidades idênticas às de seu antecessor.

*Professor titular de filosofia política do Instituto Universitário de Pesquisas do RJ (Universidade Candido Mendes) e da Universidade Federal Fluminense. Presidente do Instituto Ciência Hoje

Reforma política

Sérgio da Costa Franco
DEU NO ZERO HORA (RS)

Sem dúvida alguma, vivemos uma gripe política mais grave do que a suína e mais alarmante que a crise econômica. Quando se apuram, no Senado e na Câmara Federal, parasitoses tão alastradas e difundidas quanto a já célebre farra das passagens aéreas ou a dos cento e tantos diretores a serviço do Senado, forma-se a convicção de que há doença muito séria no organismo político da nação. Isto num diagnóstico sumário, em operação de análise macroscópica. No microcosmo, o que se vê é um deputado federal que declara se lixar para a opinião pública, o outro que subvenciona com verba pública as suas próprias empresas. Para não falar no batalhão de consumidores do mensalão, vendedores de apoio político, mercenários da opinião e do voto.

Existe consenso, segundo cremos, quanto à necessidade de uma reforma das instituições, ou, pelo menos, de uma faxina eleitoral mais radical do que as renovações quadrienais periódicas. Nestes pleitos de quatro em quatro anos, quase nada se altera. Até as limpezas domésticas, de balde e vassoura, são mais eficientes. Lavam-se as vidraças, sacodem-se os tapetes, removem-se as teias de aranha, passa-se o aspirador de pó embaixo dos armários, aplica-se algum inseticida nos focos mais visíveis. Na renovação das câmaras, reaparecem para o público as mesmas figuras, nem sempre de roupa nova ou de barba feita, às vezes com as mesmas promessas e os mesmos relatos.

A faxina de que carecemos implica uma reforma constitucional profunda, que certamente não há condições de ver realizada na prática. A mudança das regras de representação no Senado e na Câmara, com a redução dos membros das duas Casas, certamente nunca será aprovada pelos atuais congressistas. Também é difícil a amputação dos fantasmais suplentes de senador, que ninguém conhece, e que são eleitos na carona dos titulares. Igualmente, a eleição majoritária de deputados, por distritos, controvertida, não tem condições de viabilidade.

Sobram agora, como se anuncia, duas únicas emendas possíveis: a representação proporcional por escrutínio de lista fixa e o custeio oficial das campanhas eleitorais. Até certo ponto, uma coisa está ligada à outra, pois as campanhas individualizadas e personalistas que hoje se praticam nas eleições parlamentares são incompatíveis com o financiamento público. Este, é certo, não impedirá, nos pleitos majoritários, o clássico apelo ao “caixa 2”... Entretanto, o escrutínio em lista partidária fechada, ainda antes de ser explicado e divulgado, já está sendo objeto de críticas, como se fosse grave atentado à liberdade dos eleitores.

Sempre fomos contrários ao atual sistema de votação individual nos pretendentes a postos nas câmaras, sistema que desfigura os partidos, que estimula a luta interna nas legendas, e que promove o estrelismo e o recrutamento generalizado dos “bons de voto”, mesmo quando destituídos de qualquer aptidão e de maior identificação com o partido.

O escrutínio de lista foi o consagrado pelo Código Eleitoral de 1932, inspirado por Assis Brasil, e cremos que colheu bons frutos nos poucos pleitos eleitorais em que foi praticado. É verdade que ele abria o flanco ao sufrágio individualizado, fora das listas partidárias, mas na prática este não prosperou, pois não era fácil um candidato avulso alcançar isoladamente o quociente eleitoral. O referido Código de 1932 foi obedecido apenas nas eleições federais e estaduais de 1933 e 1934, porque o golpe de Estado de 1937 e a implantação do Estado Novo o derrogaram.

Desde que assegurado um clima de democracia interna nos partidos, o que não é impossível de alcançar, a elaboração das listas fixas pode dar prioridade aos candidatos mais representativos do pensamento partidário e mais afinados com os objetivos da legenda. As “estrelas”, que vencem eleições porque cantam bonito, jogam bom futebol ou fazem milagres televisivos teriam menores oportunidades.

*Historiador

Seminário da UGT: sociedade vive momento de “despertar crítico”, diz Freire

Por: Assessoria da UGT
DEU NO PORTAL DO PPS

Presidente do PPS chama atenção para os desafios para o futuro. "Nem o mundo sindical, nem o mundo político e social serão os mesmos depois dessa crise", disse.

O presidente nacional do PPS, ex-senador e ex-deputado federal Roberto Freire, participou na sexta-feira (15) da abertura do Seminário /“Cem Anos de Movimento Sindical Brasileiro — Balanço Histórico e Desafios Futuros”/, organizado pela UGT – União Geral dos Trabalhadores, no auditório da Faap, em São Paulo.

O seminário, que prossegue neste sábado (16), tem como objetivo estimular uma reflexão sobre a trajetória do sindicalismo no século passado, sua história e suas bandeiras.

Em seu discurso, Roberto Freire lembrou que a sociedade vive um momento de “despertar crítico”. “Foi necessária a chegada da crise (econômica) para vermos o início de uma movimentação crítica, pois muitos viviam uma euforia exagerada”, pontuou.

Para o líder do PPS, “esse seminário é realizado no momento em que existe um despertar da crítica, de discutir a realidade e de se posicionar”. O ex-senador afirmou que o debate promovido pela UGT resgata o passado, mas traz o mais importante: “os desafios para o futuro, pois nem o mundo sindical, nem o mundo político e social serão os mesmos depois dessa crise”.

No final, Freire lembrou a grande contribuição que o antigo PCB deu para a luta e o avanço do sindicalismo no Brasil: “Nós representamos como sucessores um ‘velho’ Partido Comunista Brasileiro, que participou ativamente de pelo menos mais de 80 anos do sindicalismo brasileiro”.

Além do presidente nacional do PPS, estiveram presentes no primeiro dia de debates o presidente estadual do PPS/SP, deputado estadual Davi Zaia; o líder do PPS na Câmara Municipal, Professor Claudio Fonseca; a deputada federal pelo PSB, Luiza Erundina, entre outras lideranças políticas e sindicais.

Reflexão

Segundo o presidente da UGT, Ricardo Patah, a decisão de realizar o seminário partiu do anseio dos dirigentes da entidade de contribuírem com o processo de criação de novas perspectivas e caminhos para o movimento sindical no mundo contemporâneo. “Com base no balanço e nos desafios apontados pelo Seminário Nacional, também acreditamos estar dando uma contribuição significativa para ação político-sindical da UGT”, avalia o dirigente.

Patah assinala que o seminário oferece um momento singular, que propiciará aos dirigentes da central uma profunda reflexão sobre o papel que devem assumir no enfrentamento dos desafios da conjuntura política, econômica e social brasileira.

Com base na avaliação de que o movimento sindical brasileiro é um dos mais ativos do mundo e que, ao longo de sua história fortaleceu sua atuação colocando-se no debate das grandes questões da política nacional, o programa Câmera Aberta Sindical da última quarta-feira (6) antecipou alguns temas que serão debatidos no seminário.

Poderosas tentações

Laura Greenhalgh e e Flávia Tavares
ENTREVISTA - GUILLERMO O"DONNELL
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS

Advogado, cientista político,professor da Universidad Nacional de San Martín, em Buenos Aires;

Ideia de perpetuação no poder seduz quem acredita ser imprescindível. Mas, em política, ninguém o é

- O tema, de tão sério, é tratado de forma distraída, minimizada, camuflada. Estariam os ouvidos de Lula emprenhados de "conselhos" que o incentivam a se manter no poder? Entre o estapafúrdio e o perigoso, circula uma ideia que vez ou outra se torna audível. Como na passagem do presidente pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, dias atrás, na festa dos 50 anos da entidade. Companheiros de lutas operárias pregaram a tese. Lula desconversou, claro. E manteve seu compromisso com a candidatura presidencial da ministra Dilma Rousseff, hoje em luta contra o câncer. Enquanto isso, na Colômbia... sim, Lula e seus interlocutores devem estar acompanhando atentamente as manobras políticas com o intuito de levar o presidente Álvaro Uribe a se reeleger pela segunda vez, em 2010. Até tu, Uribe.

É o poder e as tentações. Para o cientista político argentino Guillermo O?Donnell, que fez da democracia o foco de seus estudos mais recentes, esses dois elementos se atraem. "Qualquer mandatário está sujeito à tentação de acreditar quando lhe dizem que é imprescindível, indispensável e, se deixar o poder, vai ser um desastre para o país", afirma, desejando que Lula resista a essa conversa tão cara aos bajuladores e interesseiros de plantão. Nesta entrevista ao Aliás, concedida de sua casa em Buenos Aires, O?Donnell faz uma análise do quadro político latino-americano valendo-se de duas categorias distintas de democracia, desenvolvidas em seus estudos: a democracia representativa, que ele consegue ver em evolução positiva no Brasil, e a democracia delegativa, que ele situa em países vizinhos como Argentina, Equador, Bolívia, Venezuela. Trata-se de uma democracia meio estranha que embute o entendimento de que, por ter sido eleito, o presidente pode escolher o que é melhor para o país, sem dar muita trela às instituições e poderes constituídos. Caminho para o autoritarismo? "Com Chávez, certamente."

Guillermo O?Donnell, advogado de formação, fez doutorado em Ciência Política na Universidade Yale, foi professor da Cátedra Hellen Kellog da Universidade de Notre Dame - além dessas duas instituições americanas, passou também por Stanford -, lecionou na USP e atuou no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Hoje leciona e pesquisa na Universidad Nacional de San Martín, em Buenos Aires. Tem uma filha brasileira e, até por conta dos laços afetivos, torce para que o País continue construindo uma democracia de causar inveja no continente latino-americano: "O Brasil está vacinado contra as tentações".

Como avaliar a qualidade das democracias latino-americanas?

São muito irregulares. Alguns países alcançaram um patamar democrático, mas outros ainda têm dívidas a saldar para completar e aperfeiçoar o processo. Há os que têm se movido na direção de uma democracia representativa, ainda que imperfeita, como o Brasil. E outros que seguem o que chamo de "democracia delegativa". Esse conceito diz respeito a regimes em que o presidente eleito se sente no direito e na obrigação de fazer o que achar melhor para o país, sem obstáculos do Congresso, do Judiciário ou de organizações civis.

Caminho para o autoritarismo?

Não necessariamente. Pensando, por exemplo, na Argentina: em comparação com os horrores e abusos de poder já vividos no país, a democracia delegativa de hoje não é pior do que o que se viu no passado. Não houve regressão democrática. Mas o país ainda está distante de consolidar a representação na política. E isso acontece não só na Argentina. Outros países da América Latina andam testando os limites da democracia delegativa: o Equador, certamente a Venezuela, que flerta com o autoritarismo, e, com suas particularidades, a Bolívia.

Trata-se de uma democracia esvaziada de princípios?

É um sistema em que o presidente eleito acha que o eleitorado delegou a ele autoridade para tomar as decisões que achar melhor para o país, sem impedimentos institucionais. Ele só fica sujeito ao crivo de uma futura eleição, num contexto, por sinal, hiperpresidencialista e hipermajoritário. Instituições da democracia representativa são percebidas como um obstáculo que esse presidente tem que domesticar, cooptar, subordinar, para fazer com que sua ambição de "salvador da pátria" seja atingida. Ainda assim, persiste nesse jogo o componente democrático, porque esses mandatários estão dispostos, em princípio, a se sujeitar a eleições futuras e não suprimem inteiramente liberdades clássicas da democracia, como a liberdade de opinião e o direito à livre associação. É um tipo estranho de democracia, que pode ir ao encontro do autoritarismo. Alberto Fujimori, no Peru, começou como presidente delegativo, Vladimir Putin, na Rússia, também, e ambos se tornaram claramente autoritários. Hugo Chávez segue esse percurso.

Como nascem os presidentes na democracia delegativa?

Uma constatação empírica é a de que esses presidentes nascem de profundas crises de seu país, quando cresce a demanda por algum tipo de ordem e poder. Alguns presidentes chegam ao topo e fracassam rapidamente. Um exemplo claro disso é Fernando Collor de Mello, no Brasil. Outros têm sucesso ao dar respostas, pelo menos aparentes, a muitas das urgências da população. Isso lhes dá uma popularidade temporária e a chancela para governar como bem entendem. Eu acho que o Brasil ficou vacinado contra tudo isso, depois de Collor. A Argentina, não: insiste nessa linha com Carlos Menem, Néstor Kirchner e, agora, com Cristina.

No quadro das democracias delegativas em regimes presidencialistas, vemos que os Parlamentos podem funcionar como balcão de negócios e defesa de interesses de grupos. O que leva ao esvaziamento político do próprio Legislativo. No Brasil, diz-se que o Judiciário hoje está mais ativo que o Legislativo. Como o senhor vê isso?

Presidentes "delegativos" consideram que o Congresso tem a obrigação de aprovar qualquer lei enviada pelo Executivo. Aqueles que têm a sorte de conseguir maioria no Congresso fazem a fórmula funcionar bem, e até por longo tempo. Sei que o Judiciário no Brasil é muito ativo, o que é obviamente consequência da Constituição do País, que deu proeminência a esse poder. Pior que isso são os países onde o Judiciário é subordinado ao Executivo. Daí as consequências são gravíssimas. O ponto de equilíbrio entre um Judiciário subordinado e um independente demais é o dilema.

No jogo da delegação de poder, o povo se desinteressa da política?

As democracias contemporâneas não pressupõem grande participação do chamado "povo". Há participação de grupos sociais, entidades, organizações da sociedade civil e o grau desse envolvimento varia de país para país. Tivemos exemplos de forte mobilização, como as "Diretas Já!", no Brasil, mas isso depende da conjuntura política, é algo muito flutuante.

Hoje o eleitor segue votação de leis contra o fumo, que regulamentam o uso de bebidas, que falam das regras de trânsito, enfim, leis que normatizam sua vida. E existe uma agenda de reformas de Estado parada. É tempo da política miúda?

Sim, mas essa pequenez é responsabilidade das lideranças políticas. Elas é que têm de recolocar as preocupações maiores na agenda nacional. É importante perguntar que ambições nos levam a essa visão política privatizada e desinteressada da população. Culpar este ou aquele pode ser perigoso e injusto.

Relativizam-se os limites do mandato presidencial pela América Latina, com tantos mandatários tentando se perpetuar no poder. No Brasil, embora a ideia de propor um terceiro mandato ao presidente seja uma espécie de tabu, o tema tem aparecido de forma camuflada. O que o senhor acha disso?

O poder carrega enormes tentações. Qualquer pessoa que esteja na cúpula está sujeita à tentação de acreditar quando alguém lhe diz que ela é imprescindível, indispensável e que, se deixar o poder, haverá um desastre no país. Isso é uma constante. Aqui mesmo, na Argentina, temos um exemplo: o Menem fabricou sua reeleição com uma reforma constitucional e depois tentou um terceiro mandato que, felizmente, foi impedido pela mobilização da sociedade civil e de parte da classe política. Já Patricio Aylwin, o primeiro presidente da transição chilena, ia governando muito bem quando seus aliados tentaram convencê-lo a promover uma reforma constitucional para poder ser reeleito. Ele teve um comportamento exemplar ao dizer: "Jurei cumprir uma Constituição que estabelece o tempo de mandato, portanto, não posso agir contra isso". Ricardo Alfonsín, da Argentina, também foi tentado e se recusou. Acho que seria gravíssimo para a democracia de alta qualidade que vem sendo construída no Brasil, democracia que nós, argentinos, invejamos como padrão de funcionamento institucional, se o presidente Lula e seus aliados caírem nessa tentação demoníaca. Como amigo do Brasil, sinceramente espero que isso não aconteça.

Mas sabemos que a política também é feita de circunstâncias. Agora há uma situação adversa, que é a candidata do presidente ter de lutar contra uma doença grave. Dependendo da evolução de seu estado de saúde, poderá vir daí uma ação coordenada de apoio à ideia do terceiro mandato.

A doença da candidata é uma coisa triste e motiva a solidariedade de todos. Mas as circunstâncias não podem ser tão fortes para abalar os pilares constitucionais. É impossível crer que um partido invejado pela esquerda de todo o continente, como é o PT, não tenha outra pessoa que possa representá-lo competentemente em uma eleição, caso a ministra Dilma Rousseff não siga adiante na disputa.

O presidente Lula nega pretender ficar no poder. Mas temos o precedente do presidente Fernando Henrique Cardoso, que construiu a aprovação do projeto da reeleição, que o beneficiou.

Morei no Brasil e tive o privilégio de conhecer o presidente Fernando Henrique, por quem tenho a maior admiração. Mas quando se aventou a possibilidade de sua reeleição, discordei. Também tive o privilégio de conhecer o presidente Lula, ainda que brevemente, e o respeito muito tanto como pessoa quanto como presidente. Mas justamente pelo seu peso na consolidação da democracia no Brasil e por ser personagem de destaque na política latino-americana será essencial que se mantenha dentro das normas. O presidente Lula tem o privilégio, e a obrigação, de se converter no estandarte da realidade democrática que ajudou a construir. Como latino-americano, espero que ele não ceda às tentações. Se ceder, será uma terrível sedução sobre os Kirchners, e mesmo sobre Chávez, que poderão pensar: "Se o Lula faz, por que eu não posso fazer?"

Hoje parece que o desempenho dos países é mais avaliado por padrões econômico-financeiros do que por padrões políticos.

Acho que não. Países capazes de lidar com importantes crises econômicas são aqueles governados com padrões normais de sucessão, de eleição, de alternância de poder. Sempre haverá algo para justificar a violação das normas quando o governante se sente tentado a ficar. Pode ser a justificativa econômica, pode ser outra. O Brasil não é assim. E muitos países têm sobrevivido a crises graves em plena normalidade. Não aceitam a condição da exceção, pois isso não cabe numa democracia.

O que dizer da China, um país fora da normalidade democrática, com o qual o mundo quer negociar?

Para mim é mais um exemplo de que um regime autoritário pode ser bem-sucedido, mas por algum tempo. A imensa população e a economia pujante dos chineses convidam o mundo a negociar com eles. Porém, o mundo aceita conviver com isso por saber que a China não vai mudar de fora para dentro. Daí a importância de frisarmos, sempre, os terríveis abusos dos direitos humanos cometidos pelo regime chinês.

O avanço e o aperfeiçoamento das democracias têm futuro incerto?

Há democracias fracas, completamente delegativas. Há regimes autoritários que fazem eleições para se disfarçar de democracias. Como há intervencionistas achando que produzem democracia, mas agem de maneira ignorante, até reproduzindo padrões imperialistas. A democracia é uma tarefa que carrega desafios enormes. É produto autóctone, resultado de experiências históricas e, uma vez que sua semente exista de fato, então sua evolução poderá ser ajudada por fatores externos, que não se resumem a governos, mas abrangem relações entre atores sociais.

Nos anos 60 e 70, a esquerda latino-americana tinha um discurso muito ácido em relação aos Estados Unidos e sua hegemonia no continente. Como isso está hoje?

O termo hegemonia é muito forte, indica um poder quase absoluto e uma situação em que os outros atores ficam completamente subordinados. É um conceito que ajuda pouco a entender as relações internacionais.

Poderíamos falar em liderança?

Prefiro influência. Claramente a influência dos EUA tem decrescido no mundo. Mas, em termos políticos, ideológicos e militares, os EUA continuam tendo enorme influência na América Latina. Porém o Brasil, pela confiança crescente em sua democracia representativa, cujas bases foram construídas nos governos FHC e Lula, surge também como o poder mais influente na América do Sul. A visita de Hillary Clinton ao Brasil, nos próximos dias, é sinal disso. Ela não vem para visitar o Chile ou a Argentina. É o Brasil.

O Chile deve continuar a transição democrática desenhada pela Concertación, ou poderá haver uma volta da direita ao poder?

Acredito que a Concertación será vitoriosa nas eleições, mas o candidato da direita, Sebastián Piñera, expressa um campo que tem se democratizado, com um partido mais respeitável (Renovação Nacional). Algo semelhante ao Partido Popular (PP) espanhol que, ao ganhar as eleições com José María Aznar, não retomou o franquismo e fez um governo que conservou a democracia. No Chile, não há tragédias a vista.

O presidente Barack Obama nomeou Arturo Valenzuela, um chileno, para assessorá-lo em assuntos da América Latina. Significa alguma coisa?

Valenzuela não é chileno... Nasceu no Chile, mas foi naturalizado americano aos 16 anos. Eu o conheço bem, é ótima pessoa, tem tido uma posição consistente pró-América Latina e conhece os países da região, com excelentes contatos no mundo político e acadêmico. Escolha acertada. O que não está claro é o peso da América Latina entre as prioridades de Obama. Por enquanto, ele tem dado sinais de que deseja pôr fim à administração Bush por aqui também.

México e Cuba serão prioridades americanas?

México é tema importante e o governo americano sabe que Cuba tem grande valor simbólico para a América Latina, pelas políticas sociais que implantou, pelo enfrentamento a um bloqueio duríssimo. Mas a situação de Cuba, do ponto de vista da repressão e do autoritarismo, é insustentável. Não tenho a mais vaga ideia do que vai acontecer. Nem se a transição democrática já começou por lá. Em termos de prioridades americanas, o que posso afirmar é que o Brasil se firmou como uma delas. Por sua importância na região e no mundo.

EXEMPLO
"Lula tem obrigação de se converter no estandarte da democracia que ajudou a construir"
FIRMEZA
"As circunstâncias não podem ser tão fortes para abalar os pilares constitucionais"

Remover o entulho

Yoshiaki Nakano
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

As mudanças propostas na poupança são um bom sinal, ainda que sejam uma solução transitória e precária

AS GRANDES crises financeiras internacionais, ao provocarem rupturas estruturais na economia mundial, criaram para o Brasil oportunidades de mudança que marcam épocas históricas. Foi assim na crise dos anos 70 do século 19, período que assinalou o início da nossa transformação em uma economia de mercado, resultando na Abolição da Escravidão e na grande onda de imigração estrangeira. Da mesma forma, a crise dos anos 30 do século passado permitiu nossa transição de economia primária exportadora (café) para a construção de uma base produtiva industrial. A atual crise também está abrindo grande oportunidade para fazermos as reformas necessárias e iniciarmos a construção de uma nova trajetória econômica para alcançarmos status de economia desenvolvida.

Da mesma forma que nas crises anteriores, a construção e a implementação de tal projeto levará décadas, mas tudo depende de as nossas elites políticas serem ou não capazes de surpreender positivamente o país, assumindo seu papel histórico.

Vamos torcer para que nossas elites políticas sejam pelo menos tão competentes quanto as elites do passado, que, no final do século 19, aboliram a escravidão, ainda que tardiamente, e proclamaram a República e que, na década de 30, construíram e levaram adiante o projeto de industrialização acelerada do Brasil.

As mudanças propostas pelo governo na poupança, que removem o piso para a atual trajetória de queda na taxa real de juros fixada pelo Banco Central, são um bom sinal, ainda que sejam uma solução transitória e precária. Podem significar o início de um processo de remoção do entulho herdado do período de hiperinflação no Brasil (taxa Selic, LFTs, depósitos compulsórios elevados, títulos públicos financiados no mercado de moeda etc.), que ainda persiste no nosso sistema monetário e financeiro e que faz com que as taxas de juros no país sejam as mais altas do mundo, constituindo o maior entrave para iniciarmos a mencionada transição.

Nosso potencial de crescimento e oportunidades reais é imenso. Falta vontade política para assumirmos e construirmos coletivamente nosso futuro. Temos não só uma base industrial moderna como também grandes riquezas naturais, que podem ser convertidas em vantagem estratégica se bem planejada a sua exploração. A grande mudança demográfica de meados da década de 80 vem impactando o mercado de trabalho nos últimos cinco anos e permitindo a criação de um novo polo dinâmico e endógeno de crescimento. Isso permitirá a construção de um imenso mercado de consumo de massa com a incorporação das classes C e D ao mercado.

Com o Estado deixando de ser entrave (por impor tributação excessiva e a mais alta taxa de juros do mundo) e com a reconstrução da capacidade de planejamento estratégico, podemos desenvolver projetos capazes de impulsionar a economia brasileira por décadas. Infraestrutura física, saneamento básico, habitação, exploração de petróleo no pré-sal, agroenergia e muitas outras áreas podem gerar programas maciços de investimento, dando longo fôlego ao crescimento. É possível construir convergência política com tal projeto.

Yoshiaki Nakano, 64, diretor da Escola de Economia de São Paulo, da FGV (Fundação Getulio Vargas), foi secretário da Fazenda do Estado de São Paulo no governo Mario Covas (1995-2001).

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ENTREVISTA FERNANDA MONTENEGRO

Lucas Neves
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
DEU NA FOLHA DE S. PAULO / Ilustrada

Fernanda de Beauvoir
ENTREVISTA FERNANDA MONTENEGRO


Na pele da porta-voz do feminismo, Fernanda Montenegro retorna aos palcos e defende uma mulher na Presidência

"O ator é o demônio que dá passagem a outra entidade esquizofrênica dentro dele", costuma dizer Fernanda Montenegro, 79, aos jovens intérpretes que lhe perguntam como se constrói um personagem.

Quem a vê em cena, no monólogo "Viver sem Tempos Mortos", na pele da porta-voz do feminismo, Simone de Beauvoir (1908-1986), e depois conversa com ela "à paisana" sobre a peça que estreia em São Paulo nesta quinta entende perfeitamente a descrição. Sob o sol forte da tarde de outono, há em Fernanda um rastro palpável da filósofa francesa.

A ternura com que, no palco, Beauvoir recorda os primeiros encontros com o futuro companheiro Jean-Paul Sartre é análoga à de Fernanda ao falar, num sorriso saudoso, do começo do casamento com Fernando Torres, morto em 2008.

"Numa pensão na rua Rui Barbosa [em São Paulo], em 54, comendo bife estorricado com folha de alface e vinagre, a gente sonhava com uma companhia de teatro", lembra a atriz. As percepções da maturidade também são espelhadas. Em cena, Beauvoir se surpreende com a impressão de não ter envelhecido, embora se sinta "instalada na velhice". Com maquiagem sóbria, Fernanda observa que "seria mentiroso dizer que me sinto melhor do que quando tinha 20 anos", mas "os anos dão uma consciência que não tem preço".

Na entrevista a seguir, ela defende a atualidade do discurso de Beauvoir. Na política, acha que o Brasil está pronto para ter uma mulher na Presidência -sem endossar a candidatura de Dilma Rousseff. E afirma que se faz hoje no país apenas o "teatro possível", por conta das dificuldades de financiamento.

FOLHA - Oito anos separam sua última peça, "Alta Sociedade" (2001), de "Viver sem Tempos Mortos". A que se deve esse longo hiato?

FERNANDA MONTENEGRO - Há dez anos, "Central do Brasil" estourou. Não tinha como ficar pensando em projeto. Depois, seguiram-se quatro filmes. Mas nunca deixei de vê-los como trabalhos teatrais, com origem no que vivi em cena. E também passei a gostar de cinema. Mas ainda não sei fazer.

FOLHA - Como o projeto de montar, com o ator Sergio Britto, uma peça sobre Anton Tchecov (1860-1904) se transformou em um monólogo sobre Simone de Beauvoir?FERNANDA - Fomos pelos caminhos mais malucos. Queríamos primeiro fazer um texto sobre as cartas do Tchecov para a [atriz] Olga Knipper [mulher do autor]. Soubemos que havia dois textos, ambos na mão de alguém. Aí o Sergio se lembrou do Sartre e da Simone, porque tinha saído o livro "Tête-à-Tête" [biografia do casal]. E são duas personalidades ligadas à nossa memória mais jovem. Comecei a organizar esse material, e o tempo correu: Sergio estreou com sucesso "A Última Gravação de Krapp/Ato sem Palavras 1", de Beckett. De repente, nos separamos. Fiquei com a Simone, ele com o Beckett.

FOLHA - Em que momento entrou o diretor Felipe Hirsch?

FERNANDA - Tenho um papo com ele de dez anos para fazermos algo juntos. O problema maior era se ele via possibilidade naquele texto, porque era uma compilação de uma compilação, um pequeno trabalho de uma loja da esquina. Quando ele disse que o texto daria não um espetáculo, mas uma encenação sensibilizada, vi que estávamos harmonizados. Aí veio o processo de achar a encenação. Pusemos mesas, máquinas, cigarro, uísque, remédio... Esperei a intuição do Felipe. E ele foi dizendo: "Olha, acho que isso está sobrando...". Um dia, ele chegou: "Vou radicalizar, vou tirar tudo". [A montagem] É mais uma voz, um roçar, um arranhar a vida intensa e inesgotável que foi a dessa mulher.

FOLHA - Muito se fala hoje em pós-feminismo, em conquistas femininas consolidadas, espaços sociais e profissionais ganhos. O discurso de Beauvoir sobre a igualdade entre os sexos não parece anacrônico?

FERNANDA - Acho que não, porque o discurso da liberdade e do autoconhecimento nunca será algo fora de cogitação. Esse conceito de liberdade, que é complexo -até onde você se aprisiona na sua consciência ou na sua neurose?-, traz um mistério que uma teoria radicalizada muitas vezes não quer ver.

FOLHA - Beauvoir defende que a mulher seja entendida segundo parâmetros próprios, e não masculinos. Num país como o Brasil, em que ainda resiste o machismo, é possível pensar em uma mulher presidente?

FERNANDA - Ah, completamente. Não que eu esteja endossando ou não a [candidatura da ministra da Casa Civil] Dilma [Rousseff]. É interessante não quando a mulher vem para o poder no velho esquema, de substituir o homem no seu temperamento de agir. A gente está esperando que as mulheres que chegarem ao poder tenham pelo menos o sentimento do feminino à frente de qualquer outra coisa, e não que sejam imitações acentuadas, mais contundentes do homem.

FOLHA- E qual seria essa marca do feminino no poder?

FERNANDA - É um sentimento. Tem algo na mulher que é o seu olhar para as entranhas. O homem é um pau levantado para o horizonte. A mulher, não. Ela é incubada, obrigada a entrar em contato com o interior do seu sexo todo mês, tem esse ventre. Isso não quer dizer que vá ser mole, que a delicadeza não possa ser absolutamente poderosa.

FOLHA - O que mudou no ofício de ator desde que a sra. começou no radioteatro (em meados dos anos 40)?

FERNANDA - A fase áurea foi a chegada [nos anos 30 e 40] de encenadores europeus que tinham boa formação acadêmica, como Ziembinski. Eles formaram uma frente de encenadores com capacidade de ir à geração seguinte. A partir de certa hora, com a contracultura e o domínio dessa segunda geração, aquela disciplina de corpo de balé, de companhias ensaiando 12 horas foi perdendo força. Surgiram grupos de criatividade mais comunal, de um jogo menos acadêmico. Hoje, por causa do processo econômico do teatro, temos o teatro que se pode fazer. Para se concretizar o processo de presença artística, vamos para os monólogos. Não se faz isso porque a gente queira estar sozinho em cena. É o teatro possível.

Em Hollywood, latinidade é "destino cravado"

Para atriz, visão dos EUA sobre os atores brasileiros não escapa ao estereótipo

Indicada ao Oscar em 1999, por "Central do Brasil", Fernanda Montenegro diz, nesta entrevista, que já passou da idade de ter ilusões hollywoodianas. E aconselha Rodrigo Santoro e Alice Braga, os atores brasileiros em ascensão na indústria norte-americana: "Não adianta se iludir". A atriz também critica a proposta de reforma da Lei Rouanet e contesta a ideia de que artistas consagrados têm mais facilidade em obter patrocínio. (LUCAS NEVES)

FOLHA - Os atores Rodrigo Santoro e Alice Braga estão em ascensão em Hollywood, cenário em que a sra. transitou na esteira do sucesso de "Central do Brasil". Que caminho eles devem buscar ali?

FERNANDA MONTENEGRO - Somos sul-americanos contaminados pela visão mexicana que o americano tem de toda a América Latina. Lá fora, não saímos disso. É importante ter essa consciência. O que puderem aproveitar desse espaço, ótimo. São jovens talentosos já com excelentes resultados. Mas há um destino cravado, que é a latinidade. Não adianta se iludir.

FOLHA - A sra. recebeu vários convites para papéis desse tipo, não foi?

FERNANDA - Sim. Salvadorenhas, chilenas, madrilenas, até uma iraniana. Onde é que isso vai me levar? Não tenho mais 20 anos para ter ilusão hollywoodiana.
FOLHA - Com que diretores estrangeiros gostaria de trabalhar?

FERNANDA - Nos EUA, queria ter trabalhado com o [Robert] Altman e o [Stanley] Kubrick. Na Europa, com [Ingmar] Bergman. Sobrou só Pedro Almodóvar, um criador imenso.

FOLHA - E brasileiros?

FERNANDA - Beto Brant. Os filmes dele têm nervo, inteligência, clareza.

FOLHA - O que pensa das telenovelas de hoje? Há quem veja um esgotamento do gênero.

FERNANDA - Acompanho, na medida do possível, "Caminho das Índias". É tão kitsch que vejo. É um pulo no abismo, sem rede. Vejo que os atores começaram estranhando as roupas, os cenários. Mas, meses depois, já não têm mais problema, aceitaram um tipo de jogo.

FOLHA - Por que, nos últimos 20 anos, os produtores culturais brasileiros passaram a depender tanto de patrocínios e leis de renúncia fiscal?

FERNANDA - É impressionante como não se estuda isso no Brasil: o que todo esse movimento que vem desde a morte de Getúlio até agora -esse mundo político inseguro, com jogadas de sobrevivência ideológica, censura e perseguições- custou para a cultura brasileira, principalmente as artes cênicas. Estamos envergonhadamente estatizados. Alegam que os que têm nome vão e recebem patrocínios.

FOLHA - Não é verdade?

FERNANDA - Não necessariamente. Porque as verbas são entregues ao diretor do setor de marketing. Tanto o consagrado quanto o alternativo recebem um "não". Para dividir e poder reinar, criou-se a expectativa de que o consagrado chega e abre todas as portas. Isso não é verdade. Falo por experiência.

FOLHA - Os artistas consagrados levam tantos "nãos" quanto os grupos de pesquisa?

FERNANDA - O diretor do grupo experimental não vai ser alugado como o nome dito consagrado, que tem de dar autógrafo para todo o sistema de atendimento daquele andar [da gerência de marketing da empresa], para o presidente da organização, para a mãe, a mulher.

FOLHA - E como vê o debate atual sobre a reforma da Lei Rouanet?

FERNANDA - É uma reforma que não precisa existir. A lei tem de ter um apuro, ajuste. O Fundo Nacional de Cultura é fundamental, assim como é deixar uma brecha para quem queira atender por fora dele [por renúncia fiscal]. Por que confinar todos num só guichê?

FOLHA - No fim de "Viver sem Tempos Mortos", a personagem de Simone de Beauvoir diz: "Meu passado é a referência que me projeta e que devo ultrapassar". Com que projetos a sra. pretende ultrapassar o que fez até aqui?

FERNANDA - Olha, se disser a você que não tenho projeto nenhum... É que já vivi mais do que possa viver. Quando você tem muito a viver, naturalmente tem projetos. Mas chega uma hora em que o meu projeto primeiro é estar inteira. Para o futuro, tenho uma novela do Silvio de Abreu, um convite do Teatro do Porto (Portugal) para atuar em "A Amante Inglesa", de Marguerite Duras. E o sonho de 50 anos de fazer alguma coisa da Clarice Lispector.
Mas sempre tem tantas Clarices sendo feitas que deixo para daqui a pouco. Mas não tenho mais tempo de experimentar o que experimentei, de passar por mais 50 personagens. Então não é uma visão festiva.

FOLHA- Isso lhe traz angústia?

FERNANDA - Seria idiota se dissesse que não. Seria mentiroso dizer que me sinto melhor do que quando tinha 20 anos. Isso não existe. Os anos dão uma consciência que não tem preço, ou que tem o preço da sua juventude. Mas não sei se trocaria a minha vivência de 80 anos pelo tempo não vivido quando a gente tem 20. Nessa idade, a gente nem se vê vivendo.