quarta-feira, 6 de junho de 2018

Cristiano Romero: Lições não aprendidas do outono de 2013

- Valor Econômico

País parece não estar preparado para ter economia de mercado

Não há sociedade de consumo de massa mais parecida com a americana do que a brasileira. A exemplo dos americanos, os brasileiros poupam muito pouco e, quando a conjuntura permite, consomem além do necessário. Nos tempos de bonança, endividam-se sem prudência alguma para consumir já, agora, sem nenhuma preocupação com o futuro que legarão a seus descendentes.

A semelhança que faz do Brasil uma espécie de Estados Unidos com 50 anos de atraso - o avanço tecnológico lá está aumentando de forma muito rápida a distância entre as duas economias em termos de desenvolvimento - decorre do fato de americanos e brasileiros não possuírem traços culturais ou religiosos que amaldiçoem o consumo. Uma diferença é que, aqui, o lucro é visto como sinônimo de ganância, enquanto, no país mais rico do mundo, trata-se de uma virtude. De toda forma, abençoados pela natureza, EUA e Brasil são os países da abundância, logo, do gasto excessivo, do consumo inconsequente e insustentável, do desperdício - tudo isso está mudando, mas as características típicas da exuberância de ambos seguem hegemônicas.

No último boom econômico (2004-2010), milhões de brasileiros tiraram proveito do aumento da renda e da taxa de câmbio valorizada para passar férias nos EUA. A maioria voltava intrigada com alguns fatos: os preços de produtos de qualidade bem superior aos encontrados aqui são bem menores lá; a variedade de marcas oferecidas no mercado americano é infinitamente superior; serviços como hotel, em geral, são melhores e mais baratos; a infraestrutura de estradas, trens, metrôs e aeroportos, por onde trafegam os turistas, é incomparavelmente mais ampla, funcional e arrojada.

É natural que, depois de conhecerem Miami, Nova York, Chicago, San Francisco ou Los Angeles, brasileiros se perguntem por que as coisas deram certo lá e aqui, não; por que o Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA é mais de dez vezes o do Brasil; por que nascem no ambiente universitário americano as principais inovações tecnológicas; por que os gringos conseguiram ficar tão ricos e nós continuamos sendo "o país do futuro" que nunca chega - a profecia de Stefan Zweig tem mais de 80 anos -, uma vez que os dois países são tão parecidos - em território, riquezas naturais, sistema político (presidencialismo), regime econômico, sociedade de consumo de massa, valores culturais etc.

Historiadores dedicados ao tema dirão que a distinção se deu pelo processo histórico específico de cada nação, e eles estão certos. O Brasil, porém, funde a cuca de qualquer analista. O país tem uma população que, aparentemente, convive bem com a ideia de economia capitalista. Gostamos de consumir e, mesmo não tendo os melhores incentivos, também de empreender. O brasileiro comum, ao contrário de preconceitos disseminados por setores da elite cultural, não é empecilho ao progresso.

O que nos impede, então, de alcançar o futuro tão almejado? Talvez, uma parte da resposta ou toda ela esteja nas ruidosas manifestações populares que tomaram o país em meados de 2013. Os protestos começaram na capital paulista por causa do aumento da passagem de ônibus. Diante da repressão policial, milhares de pessoas começaram a tomar as ruas para gritar não apenas contra o preço da passagem, mas contra tudo o que as incomodava desde sempre - a baixa qualidade dos serviços prestados pelo Estado em áreas como saúde, educação e segurança pública, apesar da onerosa carga tributária, que desestimula o investimento privado e diminui a renda disponível, principalmente, da parcela mais pobre da população.

É interessante revisitar o contexto em que eclodiram aqueles movimentos de caráter difuso, sem liderança organizada, embora precisos nos temas abordados. De 2004 a 2010, a economia brasileira viveu um dos períodos de maior prosperidade de sua história. A inflação foi domada, o ritmo de expansão anual do PIB mais que dobrou na média - de 2% para mais de 4% -; o "exército de reserva", que fazia do índice de desemprego do país um dos mais altos do planeta, começou a ser contratado pelas empresas - e com carteira assinada -; com a melhora da situação fiscal, o setor público superou simbolicamente a crise da dívida (de 1982) ao ganhar das agências de classificação de risco o selo de bom pagador; e o combate às desigualdades sociais ganhou prioridade no orçamento público.

Em 2010, a economia brasileira cresceu 7,5%, a taxa mais alta desde 1986. O ritmo se mostrou insustentável e, por essa razão, no ano seguinte, o primeiro da gestão Dilma Rousseff, o governo adotou medidas para moderar o crescimento. Em agosto de 2011, porém, desistiu da moderação e começou a implantar a "Nova Matriz Econômica", modelo de intervenção do governo nos principais preços da economia (taxas de juros e câmbio) para acelerar o PIB, em detrimento do combate à inflação; na prática, destruiu a credibilidade das contas públicas, acabou com a previsibilidade dos principais indicadores econômicos, o que acabou desestimulando o investimento privado e, assim, jogando a nação na mais longa recessão de sua história.

Em 2013, os ventos da "Nova Matriz" já não sopravam tão fortemente. Depois de cortar a taxa básica de juros (Selic) de forma insustentável - graças ao aumento da inflação e à piora das expectativas -, o Banco Central começou a subir os juros. Apesar disso, milhões de pessoas foram às ruas, a partir de junho daquele ano, não para reclamar da economia, afinal, a taxa de desemprego estava no menor patamar da história.

Os brasileiros foram protestar contra o Estado que tributa de forma implacável e, em troca, não oferece serviços de qualidade. Gritou-se também contra a corrupção, todavia, tampouco esse tema foi central no "outono brasileiro" de 2013 - a Operação Lava-Jato só começou no segundo trimestre do ano seguinte. Atônitos, a presidente Dilma e o Congresso Nacional responderam às manifestações com uma lei anticorrupção. E só. Nada de discutir os principais motivos dos protestos: a educação pública que custa caro e não ensina (nos níveis fundamental e médio), a saúde de baixa qualidade, o saneamento que não se faz, a segurança pública que não nos protege da chaga da violência, que em 2016 abreviou a vida de 62 mil pessoas.

As ruas parecem adormecidas, mas não esqueceram 2013. E de lá para cá, o que era para melhorar - o Estado - piorou.

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