quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Opinião do dia - Paulo Fábio Dantas Neto*

Além de formar a frente democrática, um desafio à política positiva é ser eficaz na conjuntura. Seus praticantes não podem ser uma zaga que olha para a bola, com foco eleitoral em 2022, sem marcar o atacante demolidor. Ataques do capitão convertem consensos civis em dissensos selvagens, rebaixando crenças democráticas, mesmo se ficam na ameaça. Por isso dão razões para processos de denúncia formal e pedidos de impeachment.

O realismo político descarta essa via legal preventiva, ainda mais com Lula solto. O script racional da sua política atual é negar tudo o que está no governo, mas complementa o script de um governo que nega a complexidade legal e social do País. O quadro é favorável a essa mútua negatividade bipolar. A campanha de 2022 já começou e a frente da política positiva não se construirá em ritmo de valsa. Tocando dobrado, terá de encarnar numa liderança a ideia de centro político, como em outros tempos encarnou em Tancredo e Ulysses, em FHC e no ex-Lula. Como não existe liderança natural, ela só pode sair de acordo político em torno de quem mais unir os fragmentos que hoje se supõe representarem 40% do eleitorado.

Para desmentir quem chamar essa solução de conluio sem programa, a voz do centro unificado precisará combinar realismo político, convicção democrática, responsabilidade econômica, pluralismo cultural e forte compromisso com reforma social. Para quem achar essa combinação impossível, ou indesejável, é simples: dobrar a aposta e alinhar-se a Lula ou a Bolsonaro.

*Cientista político, é professor da Universidade Federal da Bahia, - ‘Política negativa e política positiva’, O Estado de S. Paulo, 20/11/2019

Merval Pereira – Antes tarde do que nunca

- O Globo

Aras está tendo atuação impecável para quem entrou no cargo sob a suspeita de que seria mais um ‘engavetador-geral’

O voto do ministro Dias Toffoli começou a recolocar nos trilhos o Supremo Tribunal Federal (STF) que preside, dando, quatro meses depois, detalhes cruciais de sua liminar que acabou suspendendo os inquéritos baseados em informes do antigo Coaf (hoje Unidade de Inteligência Financeira) e da Receita Federal.

Embora tenha surpreendido a todos por ter dado uma reformulada nos termos de sua decisão inicial em linguagem sinuosa, o presidente do Supremo abriu caminho para a retomada do compartilhamento de dados entre os órgãos de fiscalização e os de investigação.

Os esclarecimentos de Toffoli começaram ao dizer que em nenhum momento impediu que os inquéritos prosseguissem, atribuindo a agentes públicos mal intencionados e a órgãos de imprensa usando de terrorismo as informações nesse sentido, segundo ele, erradas.

Bom saber disso, só estranhável que tenha levado tanto tempo para explicar. Se constatou que sua liminar estava sendo usada indevidamente, para atribuir a ele a obstrução das investigações de lavagem de dinheiro e corrupção, deveria o presidente do Supremo ter expedido uma nota oficial alertando para o equívoco, ou convocado uma entrevista coletiva para acabar com o “terrorismo” da imprensa.

Bernardo Mello Franco - Um ministro contra a República

- O Globo

O ministro Abraham Weintraub é um fanfarrão em tempo integral. Não descansa nem nos feriados. No 15 de Novembro, ele resolveu praguejar contra a República

O ministro da Educação, Abraham Weintraub, é um fanfarrão em tempo integral. Não dá trégua nem nos feriados. Na semana passada, ele tirou o 15 de Novembro para praguejar contra a República. “O que diabos estamos comemorando hoje? Há 130 anos foi cometida uma infâmia”, escreveu, nas redes sociais.

Uma seguidora respondeu que, em caso de volta da monarquia, o ministro seria nomeado bobo da corte. Ele se destemperou e reagiu como um menino enfezado: “Eu prefiro cuidar dos estábulos. Ficaria mais perto da égua sarnenta e desdentada da sua mãe”.

Falta de decoro à parte, a fala de Weintraub mostrou que a monarquia está em alta no bolsonarismo. As bandeiras do Império reapareceram nas manifestações a favor do impeachment de Dilma Rousseff. Eram empunhadas por grupos pequenos, que depois se incorporaram à campanha pelo atual presidente.

Guga Chacra - Bolsonaro se espelha em Orbán

- O Globo

O desafio será fazer em poucos anos o que o partido húngaro levou décadas para conseguir

Uma das maiores diferenças entre Jair Bolsonaro e líderes nacionalistas da direita internacional está na sua incapacidade de, ao menos até agora, ter conseguido construir um partido poderoso ou liderar uma agremiação pré-existente com força política para governar o Brasil. O presidente sequer integra uma sigla e apenas ambiciona lançar a Aliança pelo Brasil.

Basta observar lideranças populistas ao redor do planeta para ver o contraste. O húngaro Viktor Orbán, que talvez seja o mais bem-sucedido de todos, comanda o Fidesz. Este partido de direita conservadora nacionalista, que significa Aliança Cívica da Hungria, serve de exemplo para Bolsonaro com a sua ainda inexistente Aliança pelo Brasil. A diferença é que esta agremiação húngara surgiu como liberal nos anos 1980 para se opor ao regime comunista. Demorou anos para ser construída. Orbán assumiu o comando no final da década seguinte e foi um premier relativamente moderado até 2002, quando voltou para a oposição.

Ao longo dos oito anos seguintes, Orbán se tornou um vanguardista ao dar uma guinada nacionalista de direita, abdicando do liberalismo. Retornou ao poder com o Fidesz em 2010 e implementou o que ele próprio chama de democracia “iliberal”, com uma agenda ultraconservadora, contra o liberalismo — com o sentido americano de “progressista” da palavra. Virou símbolo do “antiglobalismo”, ou soberanismo. Das 199 cadeiras da Assembleia Nacional em Budapeste, o partido tem 117. Junto com um parceiro menor, a coalizão alcança 133 assentos, ou cerca de dois terços do total. Algo incomparável a Bolsonaro no Brasil.

Míriam Leitão - O esforço de fato e a promessa irreal

- O Globo

Na área fiscal, há boas notícias. Governo evitou relaxar a meta de déficit primário e terá o melhor resultado em cinco anos nas contas públicas

O melhor resultado primário em cinco anos é para se comemorar. E há mais notícia boa: o BNDES vai pagar R$ 40 bilhões da dívida que tem junto ao governo e isso será usado para abater dívida pública. “Será 0,4% do PIB de redução de dívida”, diz um integrante da equipe econômica. O resultado, contudo, mostra também alguns dos defeitos da maneira do Brasil de gastar.

Não apenas do governo federal. Imagine, por exemplo, o Funpen, um fundo de segurança pública que dá dinheiro a fundo perdido aos estados que queiram construir presídios. Todo ano sobra dinheiro, e o Brasil tem presídios dantescos.

Os governadores não querem construir, mesmo de graça, porque isso elevará os gastos correntes dos anos e décadas seguintes na manutenção do presídio.

Há dinheiro que não é usado porque o serviço não aconteceu por falha de gestão ou é investimento que o governante não quis executar. O descontingenciamento no fim do ano acaba na verdade virando corte porque o que não foi feito não tem mais tempo hábil.

Luiz Carlos Azedo - Que partido é esse?

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“O xis da questão do novo partido que será criado hoje pelo presidente Jair Bolsonaro é o seu ideário programático, ou seja, seu real compromisso com a ordem democrática”

Com 30 deputados, liderados por Eduardo Bolsonaro (SP), e um senador, Flávio Bolsonaro (RJ), o presidente Jair Bolsonaro deve fundar hoje, em convenção nacional, a Aliança pelo Brasil, seu novo partido, consolidando o rompimento com o PSL, de Luciano Bivar (PE). A criação da nova legenda está na contramão da legislação partidária vigente, que força a redução do número de partidos, por meio da cláusula de barreira, e do fim das coligações nas eleições proporcionais. O desafio da criação do novo partido não é a arregimentar quase 500 mil filiados em todo país, mas a transferência dos parlamentares do PSL para a nova legenda, anunciada ontem pelo líder do governo na Câmara, deputado Vitor Hugo (GO), sem perda de mandato, e também a obtenção de recursos do fundo partidário.

Bolsonaro não terá dificuldade para estruturar o partido nos estados e municípios, porque conta com apoio de grupos organizados nas redes sociais com grande poder de mobilização: evangélicos, caminhoneiros, garimpeiros, milicianos, agentes de segurança, militares reformados, etc. Tem a seu favor uma base eleitoral ainda muito robusta, apesar da relativa perda de popularidade, por causa do natural desgaste nos primeiros 10 meses de governo. Ou seja, conta com militantes e lastro eleitoral para viabilizar seu projeto. Ideologicamente, o perfil do partido também está resolvido: será uma organização política de direita, com viés reacionário, que mistura religião com política, ideias conservadoras e nacionalistas, de combate aberto à esquerda e aos movimentos identitários.

Sem dúvida, trata-se de uma nova direita. A narrativa política do novo partido, porém, lembra a radicalização política que antecedeu a II Guerra Mundial aqui no Brasil. Naquela época, na Europa, a carnificina havida na I Guerra Mundial (1914-1918) e a Grande Depressão de 1929 serviram de caldo de cultura para o surgimento de partidos de massas de direita, principalmente o fascista, na Itália, e o nazista, na Alemanha, que se opuseram aos social-democratas, socialistas e comunistas. No Brasil, essa polarização foi representada pela Aliança Nacional Libertadora (ANL), encabeçada pelo líder comunista Luiz Carlos Prestes, e pela Ação Integralista Brasileira (AIB), de Plínio Salgado. Essa radicalização resultou na chamada Intentona Comunista, de 1935, após a dissolução da ANL por Getúlio Vargas, e no Levante Integralista de 1938, após a instauração do Estado Novo, contra o qual os integralistas se insurgiram, atacando o Palácio Guanabara, por causa da dissolução da AIB. Em ambos os casos, houve mortos, feridos e milhares de ativistas presos.

Ricardo Noblat - Quando o porteiro mentiu?

- Blog do Noblat | Veja 

História mal contada
As polícias Federal e Civil do Rio de Janeiro estão empenhadas em descobrir quando foi que mentiu o porteiro do Condomínio Vivendas da Barra, onde têm casas Jair Bolsonaro (duas) e Ronni Lessa, o miliciano acusado da morte da vereadora Marielle Franco.

O porteiro mentiu no dia 7 de outubro último, e dois dias depois, quando disse e repetiu à Polícia Civil que em 14 de março de 2018 “seu Jair” autorizara a entrada no condomínio de Élcio Queiroz, também acusado da morte de Marielle?

Ou o porteiro mentiu anteontem à Polícia Federal ao negar que “seu Jair” tenha autorizado a entrada? À Polícia Federal, ele disse que em 14 de março de 2018 anotara errado o número da casa para onde Queiroz pretendia ir. Não foi a casa 58, mas a 66.

Na 58 morava Bolsonaro, ainda deputado federal. Na 66, Lessa. Queiroz chegou ao condomínio no final da tarde daquele dia. Saiu dali com Lessa. Horas mais tarde, Marielle foi executada a tiros no centro do Rio. Morreu também seu motorista, Anderson.

Por que o porteiro teria mentido nos dois depoimentos de outubro à Polícia Civil? Segundo ele contou à Federal, porque não quis admitir que errara ao registrar no livro da portaria do condomínio que o destino de Queiroz era a casa 58, e não a 66.

Que dizer: à Polícia Civil, mesmo sabendo que “seu Jair” já não era um mero deputado, mas o presidente da República, o porteiro, ao invés de confessar um erro de anotação, preferiu inventar a história de que “seu Jair” liberou a entrada de Queiroz.

Ora, ora, ora. Faz sentido? Em tempo: no dia da morte de Marielle, Bolsonaro estava em Brasília. Carlos Bolsonaro, que mora na outra casa do pai, estava no Rio, mas não em casa na hora em que Queiroz pediu licença para entrar no condomínio. É o que ele diz.

Segue o baile.

Maria Cristina Fernandes - Instinto de sobrevivência

- Valor Econômico

Suscitado pelos instintos mais primitivos, o extremismo bolsonarista só poderá ser moderado pela chance de sobrevivência na política

Em agosto, depois das críticas do ex-presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Ricardo Galvão, aos dados preliminares de que as queimadas na Amazônia haviam aumentado, o presidente da República demitiu o cientista, culpou organizações não- governamentais pelo fogo na mata e acusou governadores de conivência com o incêndio das florestas.

Três meses depois, Jair Bolsonaro, ao ser questionado pelos dados do mesmo Inpe que indicam desmatamento apontou o dedo para a gestão da ex-ministra Marina Silva no Meio Ambiente, quando se registrou um dado um terço superior ao desmatamento atual, disse que se trata de uma questão “cultural” e sugeriu que identificação da titularidade das propriedades nas florestas facilitará a responsabilização de seus autores. Ainda não está claro como, além de beneficiar grileiros, a medida pode vir a proteger o meio ambiente, mas o gesto traz menos danos à imagem do Brasil no exterior do que a demissão do presidente do Inpe.

O dinheiro e a política baixaram a bola e o tom do discurso e da ação governamental. Não é um Bolsonaro paz e amor que parece estar em curso, mas uma segmentação do seu comportamento para plateias e fins específicos e uma calibragem maquiada das políticas de governo - e não apenas ambientais - guiada pelo instinto de sobrevivência.

Ribamar Oliveira - Receita atípica bate recorde neste ano

- Valor Econômico

Os leilões de petróleo salvaram o governo mais uma vez

A União vai registrar, neste ano, um novo recorde. A receita atípica ou não recorrente (aquela que não se repete nos anos seguintes) será a maior da história e ficará próxima de R$ 100 bilhões. A arrecadação obtida com os leilões de petróleo, principalmente, salvou o governo mais uma vez, compensando com sobras a queda da receita com tributos em relação ao que estava previsto no Orçamento.

Mesmo com toda a arrecadação extra, o governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) deverá fechar um ano com déficit primário pouco abaixo de R$ 80 bilhões, de acordo com previsão do ministro da Economia, Paulo Guedes. Isso corresponde a mais de 1% do Produto Interno Bruto (PIB), o que é um “buraco” considerável, mostrando que um superávit primário, mesmo que pequeno, ainda está longe de ser obtido.

A receita atípica recorde ajudou o governo não só a melhorar o resultado primário deste ano, como também permitiu descontingenciamento das dotações orçamentárias, que estava sufocando os ministérios. Neste ano, o corte de verbas foi provocado pela frustração das receitas tributárias, e não pelo teto de gastos. Assim, as receitas não recorrentes ajudaram o governo a sair do aperto.

Pedro Cavalcanti Ferreira/ Renato Fragelli Cardoso* -Tributar mais para distribuir?

- Valor Econômico

Além da má distribuição de renda quando tributa, o Estado não prioriza os pobres ao gastar os recursos arrecadados

Neste momento em que a má distribuição de renda no mundo e no Brasil tem suscitado propostas agressivas de elevação de impostos, é preciso uma discussão objetiva sobre o tema da desigualdade.

O primeiro passo é compreender o inevitável conflito entre prosperidade e equidade. Para se gerar prosperidade, entendida como uma abundante produção física, é preciso eficiência na atividade produtiva. Esta resulta dos incentivos econômicos proporcionados pela economia de mercado. Neste regime econômico, entretanto, os cidadãos mais aptos, tudo mais constante, levam vantagem, de modo que a prosperidade traz consigo a desigualdade. Decorre desse conflito estrutural que, para se conciliar prosperidade com equidade, é preciso sacrificar parcialmente cada um dos dois objetivos, no intuito de se assegurar um pouco de ambos.

Cabe ao Estado tributar os cidadãos que mais se beneficiam da economia de mercado, transferindo os recursos para os menos capacitados ou para aqueles que por algum motivo externo - como choques negativos, falta de oportunidade, obstáculos institucionais, etc. - ficaram para trás. A tributação, por reduzir incentivos ao trabalho e ao empreendedorismo, reduz a prosperidade, mas é o preço a pagar para se diminuir a desigualdade.

Maria Hermínia Tavares* - Os chilenos se falam

- Folha de S. Paulo

Lá, como em outras partes, a radicalização serve à direita

É impossível —e, portanto, inútil— querer decifrar os motivos que continuam levando milhões de chilenos às ruas há quatro semanas. Como sempre, quando uma gigantesca massa humana se põe em movimento, nestes dias no Chile e em Hong Kong, ou em 2013 no Brasil, as razões são certamente múltiplas. E o melhor —e o muito pouco— que se pode dizer é que na sua origem pulsa um sentimento muito forte de injustiça. Tampouco conhecemos o ponto de ebulição que transforma um mal-estar difuso em protesto social multitudinário.

Por isso, vale mais a pena acompanhar a reação do sistema político à força e à cacofonia das ruas —uma reação que diz muito da maneira como governo e oposição jogam o jogo da democracia no Chile.

Enquanto a primeira-dama do país, trocando mensagens com uma amiga, se perguntava se as ruas de Santiago haviam sido tomadas por alienígenas, o presidente Sebastián Piñera, eleito pela direita, ordenou violenta repressão que deixou mais de uma dezena de mortos e muitas centenas de feridos. Um cenário mais do que propício à radicalização e ao confronto entre governo e partidos de oposição, com vistas a ganhos eleitorais futuros.

Fernando Schüler* - O detalhe esquecido da Constituição

- Folha de S. Paulo

Modelo misto de gestão da educação se transformou, numa alquimia bem tropical, em monopólio estatal

Lembrar de duas histórias nos ajuda um pouco a entender o que se passa hoje na educação brasileira. Uma delas nos leva a 1987, nos debates da Constituinte. Um dos temas em jogo era o monopólio ou não do Estado sobre a educação pública.

A questão era se os recursos para a educação deveriam ser usados apenas nas redes estatais de ensino, no modelo tradicional que todos conhecemos, ou se poderiam também ser investidos em escolas não estatais, sem fins lucrativos, a partir de contratos celebrados com estados e municípios.

A posição vencedora foi a segunda. Está lá, no artigo 213 da Constituição. Recursos públicos serão destinados “às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas”. Até hoje acho engraçado que muita gente boa desconhece, ou faz de conta que desconhece, esse trechinho da Constituição.

Esta é a primeira história. A segunda nos leva a exatos 20 anos depois, quando foi criado o Fundeb, o principal instrumento de financiamento da educação básica do país. Para resumir a história, a lei, por estas coisas bem brasileiras, decidiu restringir o uso dos recursos apenas para as redes estatais de ensino.

Bruno Boghossian - Após criar distração ambiental, Bolsonaro lava as mãos para desmatamento

- Folha de S. Paulo

Diversionismo parece ser o único método de um presidente que escolhe não agir

O presidente fabricou a própria crise na área ambiental: pôs em dúvida dados oficiais, demitiu o responsável pelo órgão de monitoramento do setor e comprou briga com países que ajudavam o Brasil a conter a derrubada das florestas. Agora, os números mostraram um recorde na devastação da Amazônia. Jair Bolsonaro não está nem aí.

Quando foram divulgadas as estatísticas, no início da semana, o presidente fingiu que não tinha nada a ver com o assunto. "Não pergunte para mim, não", disse, na terça (19).

No dia seguinte, instado mais uma vez a comentar a destruição de uma área equivalente a seis vezes o território da cidade de São Paulo, agiu como se fosse melhor deixar as coisas como estão. "Você não vai acabar com o desmatamento, nem com as queimadas. É cultural", afirmou.

Roberto Dias - #MaisComMenos ou #ComMaisPosts?

- Folha de S. Paulo

Posts vendem ilusão de que o governo atapeta o país a toque de caixa

A Folha mostrou que o investimento federal em rodovias está no menor nível desde 2014, e isso causou especial irritação em Brasília.

O governo valeu-se da hashtag #MaisComMenos para responder. “Dizer que há menos para investir é algo óbvio, herdamos um país quebrado”, afirmou o ministro Tarcísio Freitas, da Infraestrutura. “O que não é lógico é associar isso como demérito do governo. Tivemos que fazer muito com pouco.”

Uma ilha de ponderação na Esplanada, o ministro ganhou lugar cativo nas redes presidenciais. Entre seus méritos, está o de ter atraído para as rodovias uma atenção que havia muito não recebiam.

Mas seus posts vendem a ilusão de que o governo atapeta o país a toque de caixa e que o Exército é capaz de resolver problema desse tamanho e urgência —dimensionados pelos 75 mortos no feriado da República, número maior do que no ano passado.

Mariliz Pereira Jorge - Casa da Mãe Joana

- Folha de S. Paulo

O comportamento dos atuais congressistas tem sido deplorável

Fotos de sunga na praia e de cuecas samba-canção motivaram a primeira cassação de um parlamentar, no Brasil. O deputado Edmundo Barreto Pinto (PTB-DF) perdeu o mandato ao ser retratado nesses trajes, no ensaio “Barreto Pinto Sem Máscara”, na revista O Cruzeiro. Isso foi lá em 1949. Eu nem era viva, mas que saudade de um tempo em que quebra de decoro não era apenas levada a sério, mas causada por motivos dessa irrelevância.

O Código de Ética da Câmara, como conhecemos hoje, está em vigor desde 2002. As regras preveem os deveres fundamentais, os atos incompatíveis e os atentatórios ao exercício dos cargos. Basicamente, tem que exercer a função com dignidade, respeitar os coleguinhas, a Constituição, não perturbar a ordem ou infringir as regras de boa conduta, não usar dinheiro público para fins próprios, não tirar proveito do cargo.

Sabemos que nada disso é respeitado por parte deles desde sempre, mas o comportamento dos atuais congressistas tem sido deplorável. Os episódios de racismo desta semana, que envolveram os deputados Coronel Tadeu e Daniel Silveira, do PSL, são só os mais recentes de uma lista de episódios execráveis que deveriam ser severamente punidos.

William Waack - O STF e o senso comum

- O Estado de S.Paulo

Transformado em instância política, o STF enfrenta o descrédito da própria instituição

Dias Toffoli deu prosseguimento ao que o Supremo vem fazendo há anos – tratar de identificar o que é a repercussão política e popular daquilo que decide – quando praticamente instou o Congresso a alterar normas para permitir a execução de sentença condenatória antes do famoso “trânsito em julgado”. É o que o Congresso está fazendo, motivado sobretudo pelo próprio voto de Toffoli, segundo o qual não se trata de alterar (na pretendida modificação do Código Penal) uma cláusula pétrea da Constituição.

A questão jurídica é fascinante pois, como assinalou aqui Ives Gandra Martins na edição desta quarta-feira as duas teses que se opõem na discussão são consistentes. A saber: a) como alguém que, até o trânsito em julgado, é inocente, pode ser levado a cumprir pena? b) tribunais superiores não tratam mais das questões fáticas decididas nas duas instâncias iniciais de um processo, portanto recursos à terceira e quarta instâncias não se destinam mais a provar inocência.

O que está em jogo, no fundo, é uma questão sobretudo política, de central relevância para qualquer sociedade que pretende viver num Estado de direito, pois envolve o trato de princípios fundamentais como o da presunção da inocência. No campo da disputa política a discussão (como tudo que acontece hoje) descambou segundo a caracterização de uns como “fanáticos punitivistas” (os que defendem a execução de pena após a segunda instância) e de outros, seus oponentes, como “garantistas que favorecem corruptos e criminosos”.

Vera Magalhães -Toffoli tenta impor limites a órgãos de controle

- O Estado de S. Paulo

Em longo voto em que aparentou nervosismo e confusão, presidente do STF tentou justificar liminar controversa

Senta, que vai demorar. Dias Toffoli fez um voto longo. Muito longo. Longo, mesmo. Não é hábito do presidente da Corte se estender tanto em seus votos, e a exceção já permitia antever o que se viu: um voto na defensiva, procurando justificar decisões difíceis de defender, como a paralisação de mais de 900 procedimentos de investigação, e a extensão da decisão a dados da Receita - quando o próprio STF já tinha decidido a questão ao julgar uma Adin - e o apelo aos colegas a um argumento não jurídico, o de que os órgãos de controle fazem "assassinato de reputação" com o compartilhamento de dados.

Flávio? Que Flávio? No voto longo e confuso, Toffoli começou dizendo que o caso em discussão não tinha nada a ver com Flávio Bolsonaro, pelo fato de ser anterior ao seu pedido para sustar a investigação contra o ex-assessor Fabrício Queiroz. Imediatamente o argumento virou chacota nas redes sociais: afinal, sua liminar foi dada a partir de pedido de Flávio Bolsonaro, e depois Gilmar Mendes tratou por reforçá-la em outra decisão cautelar.

Como é? O voto foi tão tortuoso que os ministros pediram esclarecimentos ao final. Toffoli teve de reforçar que aprovava o compartilhamento de informações dos órgãos de controle, desde que mediante autorização judicial. O julgamento será retomado nesta quinta-feira, e dificilmente concluído, uma vez que a questão é espinhosa e pode haver votos com diferentes modulações.

Eugênio Bucci - Bom dia, escravo

- O Estado de S.Paulo

Perto do novo formato de exploração, dar espelhinho a índio é um gesto solidário

Nos EUA, a senadora democrata Elizabeth Warren abriu uma cruzada contra o Facebook e outros titãs da tecnologia digital (tech industry), como Amazon e Google. Possível candidata à sucessão de Donald Trump, ela pretende quebrar os monopólios exercidos por essas empresas.

Do outro lado do Atlântico, a União Europeia (UE) procura fazer a sua parte. Tentou proibir os gigantes Facebook e WhatsApp (ambos controlados pelo cyberimperador Mark Zuckerberg) de compartilhar dados sobre seus usuários, uma prática que, segundo o Parlamento Europeu, violaria as políticas de proteção de dados do continente e favoreceria ainda mais o mercado monopolista. A UE também vem exigindo que os conglomerados digitais adotem medidas mais efetivas contra as fake news, mas não impôs recuos significativos aos tais titãs.

No Velho Mundo, como no Novo, as democracias ainda estão longe de enquadrar os conglomerados. Ao contrário, eles é que ameaçam engolir a democracia de uma vez.

Não é difícil de entender por quê. Se uma sociedade que se pretende livre deixa os eleitores se afogarem na desinformação, as decisões aprovadas por esses mesmos eleitores tendem a perder racionalidade, legitimidade e sustentabilidade. Quando a desinformação é crônica, aflora o risco real de que o processo decisório da democracia deságue na negação da democracia. O risco, aliás, já está posto. Em diversos países, líderes nacionais, depois de ganharem eleições livres, passam a combater a ordem democrática: em várias partes do mundo a democracia vem gestando seu oposto.

Zeina Latif* - Perdas

- O Estado de S. Paulo

Escravidão deixou marcas na nossa sociedade pela violência e pelas posturas oportunistas

A escravidão esteve presente em várias civilizações ao longo dos séculos, geralmente por conta de conquistas e guerras. O que distingue o caso dos negros é o racismo e o fato de o tráfico de escravos ter sido uma atividade muito lucrativa, com ampla rede de negócios, fornecedores e prestadores de serviços, em terra e no mar. Um negócio que inclusive ajudou a financiar as viagens dos descobrimentos.

Os números do comércio de negros impressionam. Entre 1500 e 1850, 24 milhões de indivíduos foram tirados de seus lares em todo continente africano com destino às Américas. Algo como 11,5 milhões morreram antes mesmo de embarcar, em decorrência das condições precárias e maus tratos no caminho até o embarque, que poderia demorar vários meses. Apenas 10,7 milhões chegaram ao continente americano; cerca de 1,8 milhão não sobreviveu à travessia.

O ambiente insalubre nos navios, os maus tratos e suicídios explicam essa trágica mortalidade. Famílias e amigos eram separados, e procurava-se misturar os diferentes grupos, para evitar a uniformidade linguística, e assim reduzir fugas e rebeliões.

O Brasil era o principal destino. Ao longo de 350 anos, 47% do tráfico negreiro veio para o Brasil, dez vezes mais do que para a América do Norte, totalizando quase 5 milhões de pessoas.

Celso Ming - Até onde vai esse dólar?

- O Estado de S.Paulo

Parece temerário contar com importante deterioração das contas externas do Brasil, mas o governo precisa agir

Desde agosto, as cotações do dólar vêm subindo no câmbio interno (veja o gráfico) e a balança comercial dá sinais de enfraquecimento. Para esvaziar a procura mais forte de moeda estrangeira dos últimos dias, o Banco Central (BC) anunciou para esta quinta-feira três leilões de câmbio e promete a intervenção que vier a ser necessária para evitar a disparada que prejudique a economia.

Há questões no ar, nem sempre com respostas satisfatórias. A primeira procura identificar a origem das pressões por compra de moeda estrangeira. Há pelo menos cinco fontes diferentes. Vamos a elas.

A frustração com os leilões de áreas do pré-sal realizadas neste mês reduziram a expectativa de entrada de dólares, como apontou terça-feira o presidente do BC, Roberto Campos Neto. O governo esperava arrecadar pelo menos R$ 106,5 bilhões e terá apenas R$ 69,9 bilhões dessa operação. A crise da Argentina e o baixo desempenho da economia mundial derrubaram as exportações do Brasil, a mais importante fonte de entrada de moeda forte. A queda foi, neste ano até a terceira semana de novembro, de 9,6%. As importações vêm caindo bem menos, 1,5% até o último dia 9. Assim, o saldo comercial (exportações menos importações), embora ainda positivo em US$ 34,5 bilhões, caiu 33,8% no mesmo período.

Outra fonte de pressão por maior procura de dólares está na ação de grandes empresas, como Petrobrás, que vêm trocando dívida externa por dívida interna. Mas este é um movimento cujos números não se conhecem.

O que a mídia pensa – Editoriais

Desmatamento acelerado põe por terra álibis do governo – Editorial | Valor Econômico

O governo e o ministério da área empenharam-se em destruir a credibilidade do Ibama e do ICMBio.Não há mais política ambiental

O governo agrediu os fatos e os mensageiros das más notícias sobre aumento acelerado do desmatamento na Amazônia. O presidente Jair Bolsonaro exonerou o diretor do Inpe, Ricardo Galvão, que divulgou assustadores números preliminares, e insinuou que ele estava a serviço de ONGs do mal. Foi à tribuna da Organização das Nações Unidas (ONU) afirmar que a região “não está sendo devastada nem consumida pelo fogo, como diz mentirosamente a mídia”. Na segunda-feira, divulgou a maior taxa de desmatamento da década no período de 1 de agosto de 2018 a 31 de julho de 2019 - 9,76 mil km2, um avanço de 29,5% - e, candidamente, como se nada tivesse dito antes, prometeu vagas providências.

As condições em que o desflorestamento ocorrem agora são diferentes das do passado. A destruição se acelerou onde antes estava até certo ponto contida, como em Roraima, com avanço de 216,4%, com 617 km2 de florestas no chão, e no Acre, com aumento de 55% (688 km2), a maior área desde 2004. A gravidade do fato foi apontada pelo diretor do Inpe, Darcton Damião: “Há uma nova fronteira de desmatamento que merece atenção”. E a “velha fronteira” prosseguiu na rotina da devastação. Pará, Mato Grosso, Amazonas e Rondônia viram sumir 8.213 km2 de áreas florestais. O Pará continua à frente, com 39,5% da área total.

Livro | O Mundo Rural Brasileiro do Século XXI

Orelha do livro

Esta coletânea institucional faz parte das comemorações dos 40 anos do Programa de Pós-graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento Agricultura e Sociedade, da UFRRJ (CPDA/UFRRJ), celebrados em 2016 e 2017, reunindo, para tanto, uma série de capítulos de docentes, muito deles em parceria com orientandos discentes, ex-discentes e colaboradores.

A ideia é dar visibilidade e trazer para a reflexão uma produção ainda inédita e qualificada da casa, resultado das atividades de pesquisa, trabalhos de orientação, apresentações em congressos e em encontros, consultorias e assessorias etc.

Em comum aos autores, o reconhecimento da importância do olhar interdisciplinar – uma das marcas do CPDA – na reflexão dos processos sociais identificados com o nosso objeto de estudo e buscando, assim, assegurar um olhar plural sobre o tema e a preocupação em entender as significações e a atualidade de processos e questões.

Desde já agradecemos todos os que colaboraram com a realização e viabilização da coletânea, começando pelo apoio efetivo e imediato da Coordenação do próprio Programa, estendendo nosso reconhecimento à Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) e à Action Aid Brasil, que aportaram recursos financeiros para tanto. Somos gratos também a Délcio da Costa Peçanha Júnior pelo apoio na editoração preliminar do material.

A coletânea encontra-se dividida em três partes, ou blocos, que buscam dialogar entre si, além do prefácio de nossa sempre amiga e referência de reflexão, Maria de Nazareth Baudel Wanderley.

A primeira parte aborda de forma abrangente os diferentes os significados do rural contemporâneo, tratando de analisar situações específicas que marcam a compreensão e o reconhecimento desses processos em diferentes áreas de estudo. O último bloco da coletânea enfatiza o tratamento das políticas públicas em perspectiva histórica.

A parte subsequente volta-se sobre a análise de processos e mobilizações sociais que envolve um número expressivo de novos e velhos atores, bem como as diferentes redes estabelecidas a partir dos mesmos, buscando evidenciar a emergência de conflitos e disputas em diferentes áreas de estudo.

O último bloco da coletânea enfatiza o tratamento das políticas públicas em diversos setores e níveis, problematizando desde a concepção e o contexto político que caracterizam o Estado brasileiro até os processos de mediação examinados à luz da capacidade de implementação de um número diferenciado de instrumentos de programas governamentais.

(Fonte: O mundo rural brasileiro na perspectiva do século XXI, editora Garamond universitária, Rio de Janeiro, dezembro de 2019. Orelha.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade -Canção Amiga

Eu preparo uma canção
em que minha mãe se reconheça,
todas as mães se reconheçam,
e que fale como dois olhos.

Caminho por uma rua
que passa em muitos países.
Se não me vêem, eu vejo
e saúdo velhos amigos.

Eu distribuo um segredo
como quem ama ou sorri.
No jeito mais natural
dois carinhos se procuram.
Minha vida, nossas vidas
formam um só diamante.
Aprendi novas palavras
e tornei outras mais belas.

Eu preparo uma canção
que faça acordar os homens
e adormecer as crianças.

Música | Laura I Francis Hime com Chico Buarque