Desmatamento acelerado põe por terra álibis do governo – Editorial | Valor Econômico
O governo e o ministério da área empenharam-se em destruir a credibilidade do Ibama e do ICMBio.Não há mais política ambiental
O governo agrediu os fatos e os mensageiros das más notícias sobre aumento acelerado do desmatamento na Amazônia. O presidente Jair Bolsonaro exonerou o diretor do Inpe, Ricardo Galvão, que divulgou assustadores números preliminares, e insinuou que ele estava a serviço de ONGs do mal. Foi à tribuna da Organização das Nações Unidas (ONU) afirmar que a região “não está sendo devastada nem consumida pelo fogo, como diz mentirosamente a mídia”. Na segunda-feira, divulgou a maior taxa de desmatamento da década no período de 1 de agosto de 2018 a 31 de julho de 2019 - 9,76 mil km2, um avanço de 29,5% - e, candidamente, como se nada tivesse dito antes, prometeu vagas providências.
As condições em que o desflorestamento ocorrem agora são diferentes das do passado. A destruição se acelerou onde antes estava até certo ponto contida, como em Roraima, com avanço de 216,4%, com 617 km2 de florestas no chão, e no Acre, com aumento de 55% (688 km2), a maior área desde 2004. A gravidade do fato foi apontada pelo diretor do Inpe, Darcton Damião: “Há uma nova fronteira de desmatamento que merece atenção”. E a “velha fronteira” prosseguiu na rotina da devastação. Pará, Mato Grosso, Amazonas e Rondônia viram sumir 8.213 km2 de áreas florestais. O Pará continua à frente, com 39,5% da área total.
O futuro imediato é tenebroso para a Amazônia. Houve, pelos alertas do Deter, aumento significativo do desmatamento em agosto, setembro e outubro - estimativa de 3.704 km2 o que indica que muito provavelmente os números de 2019-2020 também serão ruins. A meta de redução do desflorestamento à qual o Brasil se comprometeu, de 3.800 km2 em 2020 não será cumprida, enquanto que a agenda anti-ambientalista do governo Bolsonaro dificilmente encaminhará outros objetivos, como reflorestar 12 milhões de hectares e recuperar 15 milhões de hectares de pastagens degradadas. Há um retrocesso em toda a linha.
Combater o desmatamento é muito difícil, mas houve êxitos temporários importantes. Eles indicam que é preciso agir com sabedoria, planejamento e persistência. O governo de Fernando Henrique, no ápice da devastação em 1995, respondeu com o aumento da exigência da reserva legal de 50% para 80% na Amazônia. Em contraposição, o senador Flavio Bolsonaro, filho do presidente, propôs o fim de qualquer reserva legal, uma alforria para motosserras.
Em 2004, foi a vez do governo Lula agir. Marina Silva, do Meio Ambiente, criou o Deter e executou um plano de prevenção e controle, complementado por aumento das sanções legais e disciplinamento do crédito bancário para a região, acoplado ao cumprimento das normas ambientais. Entre 2004 e 2011, o desmatamento caiu 77%.
Bolsonaro herdou a deterioração dos números desde 2012, com o descaso da presidente Dilma Rousseff pelo ambiente e as tentativas frustradas do presidente Michel Temer de reduzir a área protegida da Reserva Nacional de Jamanxim.
Bolsonaro teve 7 meses de mandato dos 12 cobertos pelos números divulgados pelo Inpe. Mas houve mudança qualitativa importante. O governo e o ministério da área empenharam-se em destruir a credibilidade do Ibama e do ICMBio, abriram fogo contra a “indústria das multas” e o ministro Ricardo Salles correu para criar instância, sobre seu poder, para revisar punições ambientais - como se as supostas vítimas estivessem pagando as sanções. Bolsonaro e Salles cercearam as ações contra o desmatamento feitas pelo Ibama. O presidente proibiu os fiscais de destruírem material dos exploradores ilegais da floresta e, falando a garimpeiros, mostrou seu desejo de ter mil Serras Peladas por aí.
A tarefa de destruição estendeu-se aos recursos do Fundo Amazônia, dinheiro da Noruega e Alemanha gerido pelo BNDES, sobre o qual Salles investiu para mostrar malfeitos inexistentes de ONGs. Conseguiu acabar com uma rara fonte de recursos externos contra a destruição da Amazônia.
Ontem, o presidente repetiu a incrível história de que o desmatamento acontece por uma “questão cultural”, uma espécie de vocação atávica dos nativos pela piromania. Disse que uma forma de atacar o problema é a titulação das terras, para identificar responsáveis pelo fogo. Anunciou uma MP para isso, na qual figurará a “autodeclaração” de posse. Sempre houve falsificação em massa de documentos, chantagem e assassinatos para obtê-los por grileiros. Pelo visto, nem isso será mais necessário. Não há mais política ambiental.
Confiança, mas condicional – Editorial | O Estado de S. Paulo
Empresários confiantes sinalizam tempos melhores, ensina a sabedoria tradicional. Se essa relação mais uma vez se confirmar, os brasileiros encontrarão uma boa notícia em pesquisa recém-apresentada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). Um título animador abre o material divulgado: “Confiança cresce e reforça expectativa de recuperação da economia”. A informação parece combinar muito bem com os dados positivos do terceiro trimestre – crescimento da produção industrial, aumento do consumo e expansão dos serviços, num ambiente de inflação contida e juros em queda. Mantendo a tendência de alta iniciada em julho, o Índice de Confiança do Empresário Industrial (Icei) subiu 3,2 pontos e atingiu em novembro o nível 62,5, puxado pela avaliação das condições presentes e também pela expectativa de melhores negócios nos próximos seis meses.
Os detalhes são estimulantes. O Índice de Condições Atuais, um dos dois componentes do Icei, é o mais alto desde outubro de 2010. O Índice de Expectativas subiu 2,8 pontos e chegou a 65,6 pontos, superando os níveis dos sete meses anteriores e ficando abaixo do indicador de março, de 66,1. O Icei e seus componentes variam de zero a cem e valores acima de 50 pontos denotam avaliações positivas.
Mas a aposta baseada nesses indicadores nem sempre é segura. O Brasil estaria bem melhor se atividade e emprego refletissem mais prontamente e mais fielmente os índices de confiança empresarial. Deve haver uma falha de comunicação entre a melhora de humor dos empresários, tal como apontada nas sondagens, e o dia a dia dos negócios.
Entre novembro de 2016 e o mês atual, a média do Icei foi de 54,6 pontos. No entanto, a recuperação da economia, depois da recessão, foi lenta e ainda perdeu impulso no primeiro semestre deste ano, com o desemprego sempre acima de 12% da força de trabalho.
O último levantamento, referente ao terceiro trimestre, mostrou 12,5 milhões de desempregados, equivalente a 11,8% da população ativa. As condições de emprego pouco refletiram, se tiverem refletido, as fases de maior confiança. O emprego, pode-se ponderar, sempre segue com atraso a retomada depois de uma recessão. Mas a recessão acabou há mais de três anos, há quase quatro, de fato.
O Índice de Condições Atuais subiu de 52,7 pontos em novembro do ano passado – logo depois das eleições – até 55,6 em fevereiro de 2019 e em seguida caiu, atingindo o mínimo de 47 em julho. A partir daí houve recuperação até 56,3 em novembro. O Índice de Expectativas seguiu trajetória paralela, mas sempre acima de 60 pontos, até bater em 65,6 na sondagem recém-divulgada. Os números podem parecer cansativos e áridos, mas seria imprudente deixá-los de lado.
Entre a eleição presidencial e o começo do ano, o Icei e seus componentes seguiram uma rota ascendente. Os sinais de confiança eram fortes, mas nunca se traduziram em efetiva melhora da economia ou em redução significativa do desemprego. Tudo se passou como se os empresários, embora otimistas em relação ao novo governo, tivessem esperado até o começo do ano sinais claros de recuperação econômica – ou, pelo menos, de medidas claras de estímulo. Não houve a resposta esperada. Depois de fevereiro, o Índice de Condições Atuais despencou e atingiu o mínimo de 47 pontos em julho. Entre abril e julho, ficou sempre abaixo de 50, que é a linha divisória – sempre, portanto, dentro da área negativa.
O Índice de Expectativas ficou sempre acima de 60 e chegou ao mínimo de 60,8 pontos em maio, oscilando, a partir daí, em valores mais altos. A esperança, portanto, sempre superou a percepção das condições presentes, mas nunca foi recompensada até os sinais de melhora no terceiro trimestre. Detalhes importantes: o emprego industrial continuou estagnado e os estoques, embora com ajuste, permaneceram acima do nível desejado. Convém lembrar esses pontos ao avaliar os indicadores de confiança do empresário industrial. Os índices podem de fato prenunciar uma recuperação mais firme. Mas a conexão está longe de ser imediata. O governo deveria levar isso em conta.
Não se pode retardar a reforma administrativa – Editorial | O Globo
Bolsonaro erra ao adiar projeto de mudanças que visam a melhorar o atendimento à população
A aprovação da reforma da Previdência em oito meses de tramitação no Congresso, com mudanças essenciais sempre barradas por resistências políticas, indicou uma rara abertura de espaço de negociação para viabilizar outros projetos de modernização do país. Foi com surpresa, então, que o presidente Bolsonaro anunciou que colocara em “banho-maria” uma outra reforma, a administrativa, destinada a modernizara emperrada máquina burocrática da União, tripulada por cerca de 650 mil servidores, gerenciados sem qualquer política lógica de recursos humanos, e de elevado custo para o contribuinte—o segundo maior do Orçamento( mais de R $300 bilhões ), inferior a penas aos gastos previdenciários.
Analistas entendem que fantasmas das manifestações que têm feito tremer cidades latino-americanas — a chilena Santiago, as bolivianas La Paz e Cochabamba, entre outras — teriam passado a assombrar Bolsonaro.
Atmosferas de mal-estar social podem levar a esses movimentos. Aconteceu no Brasil em 2013, ocasião em que o aumento em 20 centavos na tarifa de ônibus em São Paulo serviu de senha para grupos ocuparem as ruas na cidade e no resto país. Foi identificada à época a insatisfação de uma faixa de emergentes da “nova classe média” que desejavam mais, e o país em crise, no governo Dilma, não podia atendê-los.
Em Santiago, no Chile, o rastilho foi o reajuste em 15 centavos do metrô. Coincidências pontuais, no entanto, não ajudam análises com maiores margens de acerto. Devem-se buscar as diferenças entre cada caso. O Chile convive com altos índices de desníveis sociais —situação conhecida dos brasileiros —e tem uma Constituição ainda do final da era Pinochet. O Brasil não é nenhum campeão em igualdades, mas refez o pacto político em 1988.
O presidente Bolsonaro recuar em reformas é se conformar com a existência de dificuldades para se executar o que precisa ser feito. A reforma administrativa contraria fortes interesses da burocracia estatal, não surpreende. Ela sempre se oporá a qualquer mudança no sistema irracional de estabilidade no emprego, no método ineficaz de avaliação da eficiência de cada servidor, na criação de um plano de cargos e salários realista e eficaz, e assim por diante. O choque é inevitável. Como ocorreu na Previdência.
O caminho da negociação política seguido na reforma da Previdência é o que precisa continuar a ser percorrido. O ano chega ao fim, mas não se deve deixar de aproveitar os canais de negociação que, apesar da leniência do Planalto, foram desobstruídos. O segundo semestre do ano que vem será integralmente tomado pelas eleições municipais. E Bolsonaro chegará à metade do mandato. Não pode se deixar travar por indecisões.
Em vez de manifestações que ocorrem pelo continente, deve servir de alerta a Bolsonaro o que aconteceu com o presidente Mauricio Macri, da Argentina, ao não ir fundo nas reformas com as quais se comprometera. Não se reelegeu.
Bancada do atraso – Editorial | Folha de S. Paulo
Forças de esquerda e de regiões pobres travam avanço do marco do saneamento
Dados os indicadores vergonhosos do país em saneamento básico, impressiona a dificuldade de fazer avançar no Congresso o novo marco regulatório do setor. Interesses políticos mesquinhos e preconceitos ideológicos continuam a bloquear medidas para levar coleta de esgoto aos 100 milhões de brasileiros ainda desassistidos.
O projeto em tramitação na Câmara dos Deputados, aprovado em comissão especial, traz aperfeiçoamentos consideráveis diante da versão votada pelo Senado.
Além de fixar a autoridade da Agência Nacional de Águas (ANA) para definir padrões técnicos de contratos e metas de universalização, o texto abre caminho para maior participação do setor privado por meio de concessões.
Este último é o ponto que gera maior resistência entre parte dos deputados e governadores, que parecem mais preocupados em manter os monopólios estatais ineficientes. Curiosamente, o bloqueio parece partir justamente das regiões mais atrasadas no provimento de água tratada e coleta de esgoto —o Norte e o Nordeste.
Acrescente-se a parcela mais retrógrada da esquerda, que insiste em classificar qualquer abertura como privatização desumana. Escoram-se, para tanto, na tese enganosa de que as regiões menos desenvolvidas ficarão abandonadas, por serem pouco rentáveis.
O projeto, na verdade, não força a venda de estatais. Simplesmente abre espaço para que a renovação dos contratos existentes, realizados sem licitação, seja feita no regime de concessão, com metas claras de expansão dos serviços e arcabouço regulatório único, definido em âmbito nacional.
Hoje, 94% do atendimento cabe a empresas controladas pelo poder público —natural, portanto, que um novo regime mais concorrencial reduza essa participação.
O status jurídico das empresas, se privadas ou não, é o que menos importa. Interessa, isso sim, que o vencedor de uma licitação siga regras estipuladas nos editais.
Tais condições precisam assegurar a universalização a preços razoáveis para todas as comunidades. O maior risco, de abandono de áreas mais carentes, está mitigado no projeto de lei, que prevê a formação de regiões e unidades economicamente viáveis. Os parâmetros serão fixados pelo Executivos estaduais ou pela União.
Outros pontos de atrito, como metas de cobertura, podem ser negociados para levar em conta peculiaridades regionais.
A carência de saneamento está intimamente ligada à morte de crianças e à perpetuação da pobreza —eis o que deveria nortear o debate. Continuar a impedir a modernização do setor configura inaceitável negligência das forças políticas.
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