terça-feira, 16 de setembro de 2008

Terremoto em Wall Street


Luiz Gonzaga Belluzzo
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Nos anos 90, Goldman Sachs, Merrill Lynch, Bear Stearns, Lehman Brothers, Morgan Stanley, JP Morgan et caterva desfilavam sua sabedoria e ofereciam seu aconselhamento ao mundo embevecido. Hoje, dia sim, outro também, os barões de Wall Street exibem suas misérias nas esquinas do centro financeiro do mundo. O Tesouro e o Federal Reserve despejam dólares a mancheias para salvar alguns façanhudos das próprias imprudências. Primeiro, o Bear Stearns foi adquirido pelo JP Morgan com grana subsidiada do Federal Reserve.

Logo depois, as gêmeas Fannie e Freddie receberam os favores do secretário Paulson e do presidente Bernanke. Apavorados com a possibilidade da desvalorização dos bônus emitidos pelas agências, os dois senhores trataram de impedir que o prejuízo chegasse aos credores estrangeiros, soberanos e privados.

Já a holding do Lehman Brothers não contou com o mesmo tratamento. Foi obrigada a recorrer ao chapter 11, o que significa apresentar-se aos costumes, ou seja, aos procedimentos de liquidação. O Lehman Brothers Holdings, vai se abrigar sob a proteção da lei americana de falências concordatas, enquanto suas subsidiárias se manterão solventes sob o patrocínio de um consórcio de bancos e do Federal Reserve, sempre disposto a aceitar ativos de baixa qualidade em troca de empréstimos de liquidez.

Na mesma noite tenebrosa, o Merrill Lynch conseguiu safar a onça, adquirido pelo Bank of América, aparentemente sem contribuição dos tax payers.

Na segunda-feira, o Federal Reserve adicionou US$ 70 bilhões nas reservas do sistema bancário - a maior operação desde o 11 de setembro de 2001 - com o propósito de conter a elevação das taxas do mercado interbancário que chegaram a 6% depois do colapso do Lehman Brothers Holdings Inc.

Na atual conjuntura, o mercado está aterrorizado com o chamado risco do contraparte nas operações com CDS (Credit Defaul Swaps) negociadas fora dos mercados organizados e, portanto, sem a supervisão e a garantia dos sistemas de compensação. Os derivativos de crédito, quase todos, nasceram da securitização de empréstimos, sobretudo hipotecários. Os bons, os maus, os feios eram fatiados, empacotados e transferidos como carne de primeira para as criaturas de sua sagacidade, os Veículos Especiais de Investimento (SIVs).

Os SIVs emitiram commercial papers para financiar posições em ativos securitizados - os Asset Backed Commercial Papers. Instrumentos de curto prazo emitidos para "carregar" posições em papéis mais longos, os commercial papers são especialmente sensíveis às mudanças nas condições de liquidez dos mercados financeiros. Sendo assim, os bancos estavam obrigados, nos momentos de stress, a prover liquidez para manter suas criaturas à tona. O colapso de preços dos créditos subprime detonou os mercados de commercial papers e deixou os bancos em má situação.

Numa situação de stress e de estreitamento da liquidez, os mercados desconfiam que a gororoba é de segunda. A desconfiança é suficiente para lembrar os administradores de carteira que não há como descarregar a mercadoria sob suspeita. Tratam de vender os ativos de maior "qualidade" e, assim, jogam seus preços para baixo. Desgraçadamente, em situações extremas, os riscos de desvalorização dos ativos baseados em créditos mais do que duvidosos e outros de qualidade superior não são independentes, mas estão fortemente correlacionados.

Paul Samuelson observou que os mercados financeiros competitivos são eficientes do ponto de vista microeconômico, porquanto as divergências de preços entre ativos da mesma classe podem ser eliminadas pela arbitragem. São, no entanto, "ineficientes" do ponto de vista macroeconômico porque as bolhas afetam "todos" os ativos da mesma classe e não há possibilidade de arbitragem. Imagino interpretar corretamente o velho Samuelson: os "fundamentos" microeconômicos não se sustentam diante das idiossincrasias do comportamento coletivo dos investidores, marcado por processos miméticos de formação de expectativas. Uns se apóiam nas expectativas dos outros.

Os movimentos extremos de preços - aqueles que nos modelos estocásticos gaussianos estariam na cauda da distribuição de probabilidades - não podem ser considerados versões ampliadas das pequenas flutuações. Os episódios de euforia e desilusão deformam a própria distribuição de probabilidades.

As inovações financeiras prosperam com a formação de um consenso sobre o ineditismo das circunstâncias. Tudo parece justificar a valorização rápida dos ativos reais e financeiros (sempre há uma "nova economia") que avança com o envolvimento dos bancos na maré de otimismo. A alavancagem imprudente dos investidores é disfarçada por valores cada vez mais inflados das empresas nos mercados de ações e dos títulos de dívida que financiam as suas operações.

O desaparecimento súbito da liquidez nunca está no horizonte dos administradores da riqueza quando os mercados estão inundados de otimismo.

A revista The Economist relata uma reunião de gestores de risco realizada em janeiro de 2007. Um deles indagou de onde poderia vir a crise de liquidez. Ninguém arriscou uma previsão pessimista diante de quatro anos de compressão dos spreads, taxas de juros camaradas, nenhum default relevante nos portfólios e volatilidade historicamente baixa. "O ambiente mais benigno dos últimos 20 anos", concluíram os participantes.

É difícil adivinhar quantos mais se juntarão ao desfile dos quebrados. Seja como for, são fortes os indícios de que os Estados Unidos enfrentam a maior crise financeira depois da Grande Depressão dos anos 30. O crash de 1929 deixou algumas lições. Entre tantas, ensinou que o desespero da "desalavancagem" generalizada promove a degradação do balanço de todos os envolvidos: bancos, empresas e famílias .

Luiz Gonzaga Belluzzo ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, escreve mensalmente às terças-feiras.

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