Yoshiaki Nakano
DEU NO VALOR ECONÔMICO
A crise financeira parece ter ultrapassado o seu momento mais crítico. As intervenções decididas e abrangentes do governo inglês, com a nacionalização e recapitalização dos bancos problemáticos, gerou um modelo de intervenção e uma ação coordenada dos governos europeus, asiático e americano. Isto parece ter afastado a catástrofe que poderia ser causada por uma corrida bancária generalizada e falências em massa dos bancos. O próprio governo dos Estados Unidos mudou a sua estratégia, passando a seguir o modelo estabelecido por Gordon Brown. A garantia de liquidez e injeção de novos capitais do Estado parece ter afastado o pânico extremo. Agora os efeitos da crise financeira sobre a economia real começam a aparecer. A recessão nas economias desenvolvidas deverá ser profunda e duradoura.
Um estudo de três economistas do FMI (Claessens, Kose e Perrones, 2008) nos dá algumas referências empíricas sobre a profundidade e duração das crises financeiras. Episódios de colapso do sistema de crédito duram, em média, dois anos e meio e provocam uma contração real no volume de crédito de cerca de 20%. Crises imobiliárias duram em média quatro anos e meio e provocam uma queda no preço real dos imóveis de 30%. E a quebra das bolsas de ações dura cerca de três anos e o valor real cai para metade. As recessões associadas às crises financeiras podem ocorrer com lags e têm duração média de um ano a um ano e meio e resultam em perdas de 4% a 6% de PIB entre o pico e o fundo do poço.
Entretanto, é bom lembrar que a recessão que aí vem resulta de uma crise rara, uma combinação de colapso da bolha imobiliária, quebra das bolsas e crise bancária que resultam em bancarrota do sistema de crédito. Não foi uma recessão cíclica que desencadeou a crise, mas a crise foi engendrada dentro do próprio setor financeiro pelas inovações financeiras, com a utilização indiscriminada e não supervisionada de derivativos e a securitização.
No momento, a crise atingiu um ponto em que um novo círculo vicioso foi acionado: o feed back entre crise financeira e recessão e desta para novas perdas financeiras. A última rodada de queda nas bolsas de valores do mundo inteiro começou a captar este processo. Daí a reação coordenada dos bancos centrais dos Estados Unidos, Europa e da Ásia reduzindo a taxa de juros. Com a forte queda nos preços das principais commodities e do petróleo, o controle da inflação saiu do cenário.
Isto coloca não só a política monetária brasileira em xeque, como trouxe mudanças extraordinárias no cenário econômico brasileiro para os próximos anos. Não se trata de desaparecimento passageiro das linhas de crédito do exterior ou para os exportadores, como nas crises recentes causadas pelas paradas súbitas no fluxo de capitais do exterior. A contração de crédito vem de uma crise estrutural e representa claramente o fim de um longo ciclo de forte expansão no crédito com baixas taxas reais de juros de longo prazo e o fim de um modelo de negócios bancários que se desenvolveu a partir da década de 80. Os governos, tanto dos EUA como da Europa, vão ter que redesenhar um novo sistema financeiro, o que deverá levar anos.
Em épocas de crise financeira como a que estamos vivendo, os mecanismos normais de mercado deixam de funcionar, convenções são quebradas, as visões sofrem transfigurações e comportamentos sofrem mudanças. Surgem descontinuidades que demandam mudanças nas instituições e nas regras de operação. É por isso que o próprio Banco Central do Brasil foi obrigado a rapidamente mudar as regras de depósito compulsório, uma anomalia herdada da época de hiperinflação que havia se transformado numa convenção imutável, para evitar contração maior de crédito. É hora de deixar de lado as convenções do período de normalidade e aprender as novas lições que o novo mundo nos oferece. Com a crise, num piscar de olhos, as prioridades mudaram, colocando em xeque a própria política monetária do BC. A redução das exigências de depósito compulsório significa aumentar a oferta de crédito, portanto a liquidez no mercado monetário, o que equivale rigorosamente a uma redução nos juros. De fato, o BC está disponibilizando recursos adicionais aos bancos a custo zero dos depósitos à vista e reduzindo o custo de captação dos depósitos a prazo e de poupança. Desta forma, a não ser que o Banco Central do Brasil seja esquizofrênico, a Selic deveria ser reduzida, como tem feito a quase totalidade dos bancos centrais em todo o mundo, para dar certo alívio na contração de crédito e encorajar o nível de atividade em 2009.
Da mesma forma, a dramática redução nos movimentos de capitais em todo mundo, que deverá perdurar até que a crise financeira se resolva e se construa um "novo Bretton Woods", exige uma nova taxa de câmbio, menos apreciada e mais competitiva. O mercado já fez a "maxidepreciação", mas riscos de aceleração persistente na inflação estão afastadas. A queda nos preços das commodities, a recessão nos Estados Unidos e Europa, a desaceleração econômica na Ásia e a contração global de crédito criaram, subitamente, um cenário deflacionário mundial, pelo menos no curto prazo. Assim, é preciso administrar a flutuação da taxa de câmbio num novo patamar para retirar do horizonte a nuvem negra que estava se formando com o explosivo crescimento do déficit em transações correntes do país.
Para concluir, a crise nos oferece uma oportunidade única para fazer as mudanças que, em épocas de normalidade, seriam muito difíceis. De um lado, consolidar um novo modelo de crescimento revelado pela recuperação recente da economia brasileira, baseado na inclusão de novos segmentos da população ao mercado de consumo, com geração de novos empregos, aumento de produtividade e dos salários. O mercado doméstico dinâmico passa a ser o pólo de crescimento. De outro, consolidar um real forte e estável com uma taxa de câmbio competitiva que equilibre ao longo do tempo o saldo nas transações correntes do país com resto do mundo e retire definitivamente as possibilidade de crise de balanço de pagamentos e ataques especulativos contra o real. Momentos de crise revelam a oportunidade de criar convergências na questão fiscal, estabelecendo metas de redução gradual e relativa das despesas de consumo do governo e a carga tributária, estabelecendo meta de déficit nominal num horizonte temporal não muito longo. Com isso, o Brasil poderia entrar para o grupo de países sérios, com moedas sólidas e confiáveis, com crescimento acelerado e sustentado por longos anos.
Yoshiaki Nakano , ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP, escreve mensalmente às terças-feiras.
DEU NO VALOR ECONÔMICO
A crise financeira parece ter ultrapassado o seu momento mais crítico. As intervenções decididas e abrangentes do governo inglês, com a nacionalização e recapitalização dos bancos problemáticos, gerou um modelo de intervenção e uma ação coordenada dos governos europeus, asiático e americano. Isto parece ter afastado a catástrofe que poderia ser causada por uma corrida bancária generalizada e falências em massa dos bancos. O próprio governo dos Estados Unidos mudou a sua estratégia, passando a seguir o modelo estabelecido por Gordon Brown. A garantia de liquidez e injeção de novos capitais do Estado parece ter afastado o pânico extremo. Agora os efeitos da crise financeira sobre a economia real começam a aparecer. A recessão nas economias desenvolvidas deverá ser profunda e duradoura.
Um estudo de três economistas do FMI (Claessens, Kose e Perrones, 2008) nos dá algumas referências empíricas sobre a profundidade e duração das crises financeiras. Episódios de colapso do sistema de crédito duram, em média, dois anos e meio e provocam uma contração real no volume de crédito de cerca de 20%. Crises imobiliárias duram em média quatro anos e meio e provocam uma queda no preço real dos imóveis de 30%. E a quebra das bolsas de ações dura cerca de três anos e o valor real cai para metade. As recessões associadas às crises financeiras podem ocorrer com lags e têm duração média de um ano a um ano e meio e resultam em perdas de 4% a 6% de PIB entre o pico e o fundo do poço.
Entretanto, é bom lembrar que a recessão que aí vem resulta de uma crise rara, uma combinação de colapso da bolha imobiliária, quebra das bolsas e crise bancária que resultam em bancarrota do sistema de crédito. Não foi uma recessão cíclica que desencadeou a crise, mas a crise foi engendrada dentro do próprio setor financeiro pelas inovações financeiras, com a utilização indiscriminada e não supervisionada de derivativos e a securitização.
No momento, a crise atingiu um ponto em que um novo círculo vicioso foi acionado: o feed back entre crise financeira e recessão e desta para novas perdas financeiras. A última rodada de queda nas bolsas de valores do mundo inteiro começou a captar este processo. Daí a reação coordenada dos bancos centrais dos Estados Unidos, Europa e da Ásia reduzindo a taxa de juros. Com a forte queda nos preços das principais commodities e do petróleo, o controle da inflação saiu do cenário.
Isto coloca não só a política monetária brasileira em xeque, como trouxe mudanças extraordinárias no cenário econômico brasileiro para os próximos anos. Não se trata de desaparecimento passageiro das linhas de crédito do exterior ou para os exportadores, como nas crises recentes causadas pelas paradas súbitas no fluxo de capitais do exterior. A contração de crédito vem de uma crise estrutural e representa claramente o fim de um longo ciclo de forte expansão no crédito com baixas taxas reais de juros de longo prazo e o fim de um modelo de negócios bancários que se desenvolveu a partir da década de 80. Os governos, tanto dos EUA como da Europa, vão ter que redesenhar um novo sistema financeiro, o que deverá levar anos.
Em épocas de crise financeira como a que estamos vivendo, os mecanismos normais de mercado deixam de funcionar, convenções são quebradas, as visões sofrem transfigurações e comportamentos sofrem mudanças. Surgem descontinuidades que demandam mudanças nas instituições e nas regras de operação. É por isso que o próprio Banco Central do Brasil foi obrigado a rapidamente mudar as regras de depósito compulsório, uma anomalia herdada da época de hiperinflação que havia se transformado numa convenção imutável, para evitar contração maior de crédito. É hora de deixar de lado as convenções do período de normalidade e aprender as novas lições que o novo mundo nos oferece. Com a crise, num piscar de olhos, as prioridades mudaram, colocando em xeque a própria política monetária do BC. A redução das exigências de depósito compulsório significa aumentar a oferta de crédito, portanto a liquidez no mercado monetário, o que equivale rigorosamente a uma redução nos juros. De fato, o BC está disponibilizando recursos adicionais aos bancos a custo zero dos depósitos à vista e reduzindo o custo de captação dos depósitos a prazo e de poupança. Desta forma, a não ser que o Banco Central do Brasil seja esquizofrênico, a Selic deveria ser reduzida, como tem feito a quase totalidade dos bancos centrais em todo o mundo, para dar certo alívio na contração de crédito e encorajar o nível de atividade em 2009.
Da mesma forma, a dramática redução nos movimentos de capitais em todo mundo, que deverá perdurar até que a crise financeira se resolva e se construa um "novo Bretton Woods", exige uma nova taxa de câmbio, menos apreciada e mais competitiva. O mercado já fez a "maxidepreciação", mas riscos de aceleração persistente na inflação estão afastadas. A queda nos preços das commodities, a recessão nos Estados Unidos e Europa, a desaceleração econômica na Ásia e a contração global de crédito criaram, subitamente, um cenário deflacionário mundial, pelo menos no curto prazo. Assim, é preciso administrar a flutuação da taxa de câmbio num novo patamar para retirar do horizonte a nuvem negra que estava se formando com o explosivo crescimento do déficit em transações correntes do país.
Para concluir, a crise nos oferece uma oportunidade única para fazer as mudanças que, em épocas de normalidade, seriam muito difíceis. De um lado, consolidar um novo modelo de crescimento revelado pela recuperação recente da economia brasileira, baseado na inclusão de novos segmentos da população ao mercado de consumo, com geração de novos empregos, aumento de produtividade e dos salários. O mercado doméstico dinâmico passa a ser o pólo de crescimento. De outro, consolidar um real forte e estável com uma taxa de câmbio competitiva que equilibre ao longo do tempo o saldo nas transações correntes do país com resto do mundo e retire definitivamente as possibilidade de crise de balanço de pagamentos e ataques especulativos contra o real. Momentos de crise revelam a oportunidade de criar convergências na questão fiscal, estabelecendo metas de redução gradual e relativa das despesas de consumo do governo e a carga tributária, estabelecendo meta de déficit nominal num horizonte temporal não muito longo. Com isso, o Brasil poderia entrar para o grupo de países sérios, com moedas sólidas e confiáveis, com crescimento acelerado e sustentado por longos anos.
Yoshiaki Nakano , ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP, escreve mensalmente às terças-feiras.
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