terça-feira, 21 de outubro de 2008

A sucessão de ponta-cabeça


Raymundo Costa
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Lula adiou a reunião de ontem da coordenação política do governo, mas entre os partidos da base aliada, especialmente entre aqueles situados mais à esquerda do espectro político, já se dispõem de avaliações bem acabadas dos resultados eleitorais. E elas não são favoráveis ao governo, muito menos à candidata do peito do presidente, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil). O segundo turno dará os contornos definitivos, mas o quadro riscado até ontem parece pouco suscetível a mudanças, até domingo.

Há uma certa excitação entre os padrinhos da candidatura do PSB à Prefeitura de Belo Horizonte, Márcio Lacerda, que estaria em processo de franca recuperação. Algo raro, porque o adversário abrira 18 pontos de vantagem e estava em curva geométrica ascendente.

Aparentemente a mudança se deve ao fato de o governador Aécio Neves e o prefeito Fernando Pimentel terem tirado de cena "o poste" Márcio - que os dois praticamente haviam nomeado prefeito - e em seu lugar colocado Márcio Lacerda, do PSB. Deram identidade própria ao candidato. Se a virada de fato ocorrer, Aécio voltará a ser um "player" importante na sucessão.

Na prática, os resultados do primeiro turno, segundo partidos aliados ao Planalto, indicam até agora dois grandes vencedores: politicamente, o governador de São Paulo, José Serra; partidariamente, o PMDB, que chegará à próxima segunda-feira com um crescimento "extraordinário".

O presidente Lula não aumentou nem diminuiu. Ele continua popular. Mas acabou a mística de que o carisma do presidente é bastante para eleger um "poste". Independentemente de todas as qualidades que Dilma possa ter, ela não dispõe de votos.

O crescimento "extraordinário" do PMDB é o que mais chama a atenção dos partidos que integram a coalizão governista, inicialmente 11, mas que hoje já beiram os 14. É certo que os pemedebistas já dispunham do maior número de prefeituras do país, mas a curva da legenda era descendente, a cada eleição.

Em 2008, essa curva voltou a apontar para cima com a eleição de mais de 1,2 mil prefeitos. Mais que isso, pode vir a se transformar de um partido dos grotões - que ainda detém - em uma sigla urbana. Pode deixar de ser coadjuvante para se tornar protagonista. Mas não tem um nome.

No primeiro turno, o PMDB manteve fincada sua bandeira em duas capitais: Campo Grande (MS) e Goiânia (GO). No próximo domingo, é favorito em Porto Alegre (RS), Florianópolis (SC) e, pelo que indicavam as pesquisas do último fim de semana, Belo Horizonte.

A avaliação dos aliados do governo contabiliza também, entre os favoritos, a candidata a vice-prefeito de Gilberto Kassab, que é do PMDB. Além dessas capitais, os pemedebistas disputam em pé de igualdade no Rio de Janeiro, Salvador e Belém.

Some-se a isso o que o PMDB já tem: as duas maiores bancadas do Congresso, cinco ministérios e, a partir de fevereiro, por um acordo com o PT, o presidente da Câmara, provavelmente o deputado Michel Temer, atual presidente da sigla.

"Isso tudo tem um preço dentro do governo para 2010", reflete, não sem algum desalento, um dirigente de esquerda da base de sustentação política do governo Lula. Por enquanto, os pemedebistas mantêm o discurso tradicional do partido empenhado em assegurar "a governabilidade".

O outro vencedor apontado na avaliação dos aliados é José Serra. O governador de São Paulo fez a aposta certa ao optar pela candidatura Gilberto Kassab (o tucano Geraldo Alckmin nem sequer foi ao segundo turno) e o DEM é favorito para ganhar a eleição na cidade de São Paulo, no domingo.

Serra também estabeleceu cabeças-de-ponte em outras cidades e partidos. No Rio, por exemplo, desde a primeira hora esteve ao lado de Fernando Gabeira (PV). Em São Paulo, amarrou o PMDB com a aliança firmada com o ex-governador Orestes Quércia.

Para os partidos aliados de Lula, além da voracidade natural do PMDB por espaços de poder, preocupa a opção que o partido fará na sucessão presidencial, entre o PSDB e o PT. Principalmente porque Lula não será mais candidato, e a conversa dos pemedebistas com o presidente é uma, e outra com os petistas.

Na análise dos aliados, a sucessão ganhou ainda outro ingrediente novo, além dos resultados eleitorais: a incerteza na economia. Enfim, o jogo que era armado antes da eleição virou de ponta-cabeça e recomeça na segunda- feira em outras bases.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

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