Suely Caldas
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
A crise financeira global e os trilhões de dólares, euros, libras, ienes e yuans com que os governos têm socorrido instituições financeiras ou que têm feito circular nos EUA, na Europa, no Japão e na China levaram os ideólogos da auto-regulação a recuar. Hoje os mais radicais fundamentalistas do mercado reconhecem ter sido um erro acreditar que agentes financeiros privados prescindem de regulação e fiscalização, que são capazes de zelar pela transação saudável e eficaz da profusão de derivativos que a globalização fez circular mundo afora e que os fundos de hedge dão conta sozinhos de equilibrar a liquidez de seus papéis.
O mais brilhante desses ideólogos, o economista Alan Greenspan, que presidiu a maior agência reguladora do mundo, o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA), por quase 20 anos, prega em seu livro A Era da Turbulência (Editora Campus, 2007): “Na minha visão, de 1995 em diante, os mercados globais, em grande parte não regulamentados, com algumas notáveis exceções, parecem avançar com tranqüilidade de um a outro estado de equilíbrio (...). Infelizmente, sempre que os problemas dos fundos de hedge chegam aos noticiários, intensificam-se as pressões pela regulamentação do setor (...) não consigo depreender os benefícios que resultariam da regulamentação.” E carimba com sua vastíssima experiência: “Digo isso depois de ter atuado como regulamentador durante 18 anos.”
A violência desta crise, que não pára de recorrer à intervenção do Estado e ao dinheiro do contribuinte, mostrou que Greenspan estava errado. Reunidos há dias em Washington, as 20 mais poderosas nações do planeta, o G-20 (Brasil entre elas), reconheceram o erro e recomendaram a cada país criar normas de regulação e monitoramento do mercado. Sobre o FMI e o Banco Mundial, que falharam e não detectaram a crise a tempo, o G-20 avaliou que precisam ser modernizados, atualizados e mais ágeis em sua ação. O presidente eleito dos EUA, Barack Obama, fez coro e cobrou de sua equipe econômica normas de controle do mercado.
E o que aconteceu depois da reunião do G-20? Até agora, nada, não há notícias de novas e consistentes regras de regulação. Mas será fácil conceber essas regras? Afinal, elogiado em todo o mundo como economista formulador, criativo e brilhante, Greenspan não passou de um incompetente?
Em primeiro lugar, é um equívoco imaginar que o mercado será sempre responsável e que a ação transparente de seus agentes, por si só, garante eficácia e lisura nos negócios. Instituições financeiras visam sempre o lucro, disputam clientes com taxas cada vez mais rentáveis e a concorrência é acirrada. Nem bom nem ruim, simplesmente é o papel do agente privado. Como é papel do Estado zelar pelo interesse público do investidor, das velhinhas que aplicam suas economias, do fundo de pensão de milhares de professores da Califórnia. E, principalmente, não permitir que a eclosão de uma crise financeira se espalhe pela economia real, desempregando e gerando problemas sociais. Cabe aos bancos centrais e às agências do mercado de capitais criar regras preventivas e fiscalizar seu cumprimento pelos agentes privados.
Mas, se a solução é tão simples, por que o Fed e outros BCs dela abdicaram? Esse era um dilema que atormentava Greenspan, que tantas vezes o levou a alertar contra a “exuberância do mercado”, a corrente de felicidade que garantiu prosperidade nos últimos anos, a bolha que agora murchou. É o próprio Greenspan que, no livro, traz a dúvida e a resposta: “Será que estamos sendo tolos em confiar na estabilidade do mercado? Ou, como um dia perguntou um ministro das finanças recém-ungido, ‘como podemos controlar o caos inerente ao comércio e às finanças internacionais sem regulamentação e sem intervenções governamentais expressivas’?
Considerando os trilhões de dólares das transações fronteiriças diárias, das quais poucas estão sujeitas a algum tipo de registro público, como alguém pode ter certeza quanto ao funcionamento de um sistema global não-regulamentado? No entanto, ele funciona, entra dia, sai dia. Obviamente, não é impossível que ocorram colapsos sistêmicos, mas tais ocorrências são extremamente raras.”
Greenspan calculou mal. O sistema global não-regulamentado ruiu e o colapso (raro) tragou as economias mais importantes do mundo - até levou um país inteiro, a Islândia, à falência.
Mas num ponto Greenspan tem razão: não será nada fácil criar regras de regulação neste mundo diferente e globalizado.
*Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-RJ
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
A crise financeira global e os trilhões de dólares, euros, libras, ienes e yuans com que os governos têm socorrido instituições financeiras ou que têm feito circular nos EUA, na Europa, no Japão e na China levaram os ideólogos da auto-regulação a recuar. Hoje os mais radicais fundamentalistas do mercado reconhecem ter sido um erro acreditar que agentes financeiros privados prescindem de regulação e fiscalização, que são capazes de zelar pela transação saudável e eficaz da profusão de derivativos que a globalização fez circular mundo afora e que os fundos de hedge dão conta sozinhos de equilibrar a liquidez de seus papéis.
O mais brilhante desses ideólogos, o economista Alan Greenspan, que presidiu a maior agência reguladora do mundo, o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA), por quase 20 anos, prega em seu livro A Era da Turbulência (Editora Campus, 2007): “Na minha visão, de 1995 em diante, os mercados globais, em grande parte não regulamentados, com algumas notáveis exceções, parecem avançar com tranqüilidade de um a outro estado de equilíbrio (...). Infelizmente, sempre que os problemas dos fundos de hedge chegam aos noticiários, intensificam-se as pressões pela regulamentação do setor (...) não consigo depreender os benefícios que resultariam da regulamentação.” E carimba com sua vastíssima experiência: “Digo isso depois de ter atuado como regulamentador durante 18 anos.”
A violência desta crise, que não pára de recorrer à intervenção do Estado e ao dinheiro do contribuinte, mostrou que Greenspan estava errado. Reunidos há dias em Washington, as 20 mais poderosas nações do planeta, o G-20 (Brasil entre elas), reconheceram o erro e recomendaram a cada país criar normas de regulação e monitoramento do mercado. Sobre o FMI e o Banco Mundial, que falharam e não detectaram a crise a tempo, o G-20 avaliou que precisam ser modernizados, atualizados e mais ágeis em sua ação. O presidente eleito dos EUA, Barack Obama, fez coro e cobrou de sua equipe econômica normas de controle do mercado.
E o que aconteceu depois da reunião do G-20? Até agora, nada, não há notícias de novas e consistentes regras de regulação. Mas será fácil conceber essas regras? Afinal, elogiado em todo o mundo como economista formulador, criativo e brilhante, Greenspan não passou de um incompetente?
Em primeiro lugar, é um equívoco imaginar que o mercado será sempre responsável e que a ação transparente de seus agentes, por si só, garante eficácia e lisura nos negócios. Instituições financeiras visam sempre o lucro, disputam clientes com taxas cada vez mais rentáveis e a concorrência é acirrada. Nem bom nem ruim, simplesmente é o papel do agente privado. Como é papel do Estado zelar pelo interesse público do investidor, das velhinhas que aplicam suas economias, do fundo de pensão de milhares de professores da Califórnia. E, principalmente, não permitir que a eclosão de uma crise financeira se espalhe pela economia real, desempregando e gerando problemas sociais. Cabe aos bancos centrais e às agências do mercado de capitais criar regras preventivas e fiscalizar seu cumprimento pelos agentes privados.
Mas, se a solução é tão simples, por que o Fed e outros BCs dela abdicaram? Esse era um dilema que atormentava Greenspan, que tantas vezes o levou a alertar contra a “exuberância do mercado”, a corrente de felicidade que garantiu prosperidade nos últimos anos, a bolha que agora murchou. É o próprio Greenspan que, no livro, traz a dúvida e a resposta: “Será que estamos sendo tolos em confiar na estabilidade do mercado? Ou, como um dia perguntou um ministro das finanças recém-ungido, ‘como podemos controlar o caos inerente ao comércio e às finanças internacionais sem regulamentação e sem intervenções governamentais expressivas’?
Considerando os trilhões de dólares das transações fronteiriças diárias, das quais poucas estão sujeitas a algum tipo de registro público, como alguém pode ter certeza quanto ao funcionamento de um sistema global não-regulamentado? No entanto, ele funciona, entra dia, sai dia. Obviamente, não é impossível que ocorram colapsos sistêmicos, mas tais ocorrências são extremamente raras.”
Greenspan calculou mal. O sistema global não-regulamentado ruiu e o colapso (raro) tragou as economias mais importantes do mundo - até levou um país inteiro, a Islândia, à falência.
Mas num ponto Greenspan tem razão: não será nada fácil criar regras de regulação neste mundo diferente e globalizado.
*Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-RJ
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