domingo, 30 de novembro de 2008

Novamente o terror


Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE
)

O alívio mundial foi iniciado na noite de 4 de novembro, tão logo foi confirmada a vitória de Barack Obama e estendeu-se até a última quarta-feira, 26. A distensão durou somente três semanas. A sensação de que o mundo estava prestes a mudar não resistiu à implacável realidade: além das dimensões cada vez mais dramáticas do crash financeiro, o terrorismo islâmico voltou a exibir sua infinita capacidade de inventar táticas sanguinárias para matar inocentes.

Enquanto especialistas e autoridades indianas discutem as hipóteses sobre a identidade e motivações do grupo islâmico que executou a chacina em Mumbai, está evidente que novembro de 2008 inseriu-se no circuito de terror iniciado em Nova Iorque em 11 de setembro de 2001. Madri (11 de março de 2004) e Londres (7 de julho de 2005) foram lances complementares, menores nas conseqüências, mas inseridos na monstruosa rede global de terrorismo.

Pouco importa se os "Mujahedin de Deccan" são fundamentalistas paquistaneses engajados no acirramento das explosivas relações entre duas potencias nucleares. Ou são fundamentalistas indianos tentando chamar a atenção para uma suposta discriminação do governo de Nova Déli contra seus cidadãos muçulmanos. Ou, terceira hipótese, se fazem parte da mesmíssima Al-Qaeda exibindo um novo formato da sua bestialidade anti-ocidental.

É irrelevante a inexistência de homens-bomba na ação contra os três grandes hotéis, hospital, estação ferroviária e centro religioso judaico na segunda mais importante cidade indiana. Os terroristas eram suicidas, sabiam que não escapariam com vida, chegaram de barco justamente porque não contavam com o regresso. Pretendiam imolar-se, chegar ao paraíso empurrados por jatos de sangue.

Difícil ignorar que este massacre em Mumbai foi um aviso claro e direto ao presidente eleito Barack Obama. O intervalo entre o entusiasmo da eleição e as emoções da sua posse em 20 de janeiro seria ideal para uma ação espetacular.

O terror tem a sua racionalidade, seu marketing, seus cronogramas. O erro de Bush foi apostar na repressão estúpida, equiparar-se ao adversário, abrir mão da superioridade moral daqueles que respeitam a vida e a inteligência.

Barack Obama, que há dias declarou o terrorismo como inimigo número um, agora convenceu-se de que não foi uma declaração convencional, rotineira. Existem apenas quatro BRICs – Brasil, Rússia, Índia e China – os três últimos já envolvidos em conflitos locais com grupos islâmicos. A geopolítica do terror acaba de colocar a Índia na zona conflagrada do antigo Primeiro Mundo – o chamado Ocidente – alvo preferencial da Al-Qaeda. Acabaram-se os limites entre Ocidente e Oriente.

Distante mas não distanciado, o Brasil tem obrigação de prestar atenção ao surpreendente lance da inclusão da sua companheira de grupo no tabuleiro mundial do terror. Inebriados com a visão de uma nova Era, de repente estamos sendo sacudidos por um perverso despertador. É preciso ouvi-lo, prestar a atenção.

O sonho e as esperanças desfraldadas na memorável campanha eleitoral americana apenas começaram a tremular, mas convém dar um tempo até que se materialize a profecia de Isaías a respeito das espadas transformadas em arados.

O mundo pós-racial e pós-ideológico esboçado com a vitória de Obama necessita da indispensável complementação representada pelo pós-clericalismo. Religiões podem ser remédios para o espírito, mas transformadas em projetos de poder acabam por desaguar no turbilhão da violência política.

Mumbai trouxe a religião de volta aos campos de batalha.

» Alberto Dines é jornalista

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