Merval Pereira
DEU EM O GLOBO
NOVA YORK. A repercussão da quebra dos fundos geridos por um dos maiores investidores de Wall Street, o ex-presidente da Nasdaq Bernard Madoff, calculada em US$50 bilhões, que se espalha em prejuízos pelas bolsas dos Estados Unidos e da Europa e atingiu até mesmo investidores brasileiros, trouxe novamente ao debate o tema da regulação das atividades financeiras, que havia saído do radar diante da necessidade de medidas urgentes que ainda são necessárias para tentar reequilibrar a economia mundial.
Chama a atenção o fato de que tenha funcionado durante tantas décadas, sem que nem investidores nem os distribuidores, como os bancos Santander e HSBC, nem qualquer órgão regulamentador tenha detectado o golpe, o que está sendo considerado um gigantesco "esquema Ponzi", nome do fraudador Charles Ponzi, que criou operação financeira que pagava rendimentos anormalmente altos aos investidores, com dinheiro de outros investidores, como se fossem lucros de um negócio real.
Um dos problemas graves apontados é que os órgãos regulamentadores poderiam ter dificuldades na supervisão, porque os "hedge funds" são absolutamente livres de fiscalização.
Há um consenso de que uma nova regulamentação do mercado financeiro deverá surgir dessa crise, com um acompanhamento mais próximo e firme de agências reguladoras, que terão poderes reforçados e deverão trabalhar mais conectadas, para melhorar a eficiência da supervisão.
Parece inevitável que o mercado financeiro não seja mais o mesmo a partir da crise que se tornou explícita com a quebra do banco Lehman Brothers, em setembro deste ano. Alguns investimentos simplesmente desaparecerão por falta de ambiente favorável a alavancagens estratosféricas como vinha acontecendo.
O temor é que, a cada caso desses que surge, o ânimo de repúdio aos "especuladores" de Wall Street leve a decisões equivocadas que a curto prazo atendam aos anseios da opinião pública, mas prejudiquem o funcionamento do sistema financeiro a longo prazo.
A década de 1980 foi marcada pela desregulamentação do mercado, que produziu novos produtos financeiros e espalhou o lema "Greed is good" ("Ganância é bom").
Michael Milken e Ivan Boesky, financistas controversos do moderno capitalismo, eram as figuras de proa dessa fase. Milken, criador dos "junk bonds", e Boesky, reinando no setor de fusões e aquisições, acabaram na cadeia, mas por pouco tempo. Estão livres e milionários, mas proibidos de atuar no mercado financeiro.
Nos últimos quatro a cinco anos, com a formidável onda de liquidez e prosperidade que se espalhou pela economia internacional, as instituições financeiras ficaram sob forte pressão para obter resultados diante do apetite por risco do mercado. Em conseqüência, houve uma redução generalizada das margens de segurança, não acompanhada pelas agências de risco, seja por cumplicidade, seja por deficiências técnicas.
O economista Paulo Vieira da Cunha, ex-diretor do Banco Central, diz que a questão é separar "corrupção crassa", como classifica o caso Madoff, do problema mais complexo de regulação financeira. "No caso Madoff acreditaram na figura, sem examinar com cuidado sua cozinha. E o fato de que grandes instituições acreditaram só serviu para aumentar a falsa credibilidade de um esquema que aqui, no Brasil e na Cochinchina seria fechado por ilegal, uma vez descoberto".
Regulação é mais difícil, segundo ele, porque arbitra dois objetivos conflitantes: "proteger o sistema, em particular os investidores, e estimular o maior volume e maior extensão possível do crédito, inclusive para idéias que ainda não são empresas. Tudo dentro do esquema normal de leis e responsabilidades".
Ele lembra que Alain Greenspan (ex-presidente do Fed, banco central americano) finalmente admitiu que não dá para acreditar apenas na auto-regulação do mercado. "Os incentivos que surgem são perversos e incompatíveis, em última instância, com a estabilidade do sistema". Para Vieira da Cunha, "o problema é a análise de risco. Como fazê-la? Quem a faz? Quem supervisiona? Quais são os parâmetros mínimos e as sanções? E o mais difícil: quem guarda os guardiões?"
No livro "Como reagir à crise? Políticas econômicas para o Brasil", do Iepe/Casa das Garças, há um artigo dos economistas Dionisio Dias Carneiro e Monica Baumgarten de Bolle que trata da questão "Eficiência versus Risco" e chama a atenção para questões que têm que ser levadas em conta na hora da definição das novas regras de regulamentação do mercado:
"O custo de um sistema mais ágil, menos regulado, e mais capaz de gerar ganhos de eficiência é aumentar o risco de uma grande ruptura destes mesmos mecanismos, com implicações devastadoras sobre a economia real, como vimos acontecer na atual crise", dizem os autores.
"Ou seja, o mundo menos regulado está mais exposto aos extremos: períodos de forte crescimento e criação de riqueza, contrabalançado por grandes choques destrutivos".
Em contrapartida, "o mundo mais regulado, caracterizado por um sistema de multiplicação de crédito menos flexível, está menos sujeito a choques financeiros cataclísmicos, mas também gera menores ganhos de produtividade e perspectivas de crescimento bem menos exuberantes".
O problema é definir como deve ser regulado o futuro sistema financeiro, para que tenha eficiência e gere prosperidade, sem os níveis de irresponsabilidade que estavam sendo tolerados em Wall Street. Esta será uma das principais tarefas da equipe econômica do governo Barack Obama e do novo Congresso com maioria democrata.
O ex-secretário do Tesouro Larry Summers, um dos papas da futura equipe econômica de Obama, sabe do que se trata. É dele a frase: a emergência dos mercados financeiros globais de hoje pode ser comparada à invenção do avião a jato. Podemos ir aonde quisermos com muito mais rapidez, podemos chegar ao nosso destino com mais conforto e de maneira mais barata, e quase sempre com mais segurança. Porém, os desastres, quando acontecem, são muito mais espetaculares.
DEU EM O GLOBO
NOVA YORK. A repercussão da quebra dos fundos geridos por um dos maiores investidores de Wall Street, o ex-presidente da Nasdaq Bernard Madoff, calculada em US$50 bilhões, que se espalha em prejuízos pelas bolsas dos Estados Unidos e da Europa e atingiu até mesmo investidores brasileiros, trouxe novamente ao debate o tema da regulação das atividades financeiras, que havia saído do radar diante da necessidade de medidas urgentes que ainda são necessárias para tentar reequilibrar a economia mundial.
Chama a atenção o fato de que tenha funcionado durante tantas décadas, sem que nem investidores nem os distribuidores, como os bancos Santander e HSBC, nem qualquer órgão regulamentador tenha detectado o golpe, o que está sendo considerado um gigantesco "esquema Ponzi", nome do fraudador Charles Ponzi, que criou operação financeira que pagava rendimentos anormalmente altos aos investidores, com dinheiro de outros investidores, como se fossem lucros de um negócio real.
Um dos problemas graves apontados é que os órgãos regulamentadores poderiam ter dificuldades na supervisão, porque os "hedge funds" são absolutamente livres de fiscalização.
Há um consenso de que uma nova regulamentação do mercado financeiro deverá surgir dessa crise, com um acompanhamento mais próximo e firme de agências reguladoras, que terão poderes reforçados e deverão trabalhar mais conectadas, para melhorar a eficiência da supervisão.
Parece inevitável que o mercado financeiro não seja mais o mesmo a partir da crise que se tornou explícita com a quebra do banco Lehman Brothers, em setembro deste ano. Alguns investimentos simplesmente desaparecerão por falta de ambiente favorável a alavancagens estratosféricas como vinha acontecendo.
O temor é que, a cada caso desses que surge, o ânimo de repúdio aos "especuladores" de Wall Street leve a decisões equivocadas que a curto prazo atendam aos anseios da opinião pública, mas prejudiquem o funcionamento do sistema financeiro a longo prazo.
A década de 1980 foi marcada pela desregulamentação do mercado, que produziu novos produtos financeiros e espalhou o lema "Greed is good" ("Ganância é bom").
Michael Milken e Ivan Boesky, financistas controversos do moderno capitalismo, eram as figuras de proa dessa fase. Milken, criador dos "junk bonds", e Boesky, reinando no setor de fusões e aquisições, acabaram na cadeia, mas por pouco tempo. Estão livres e milionários, mas proibidos de atuar no mercado financeiro.
Nos últimos quatro a cinco anos, com a formidável onda de liquidez e prosperidade que se espalhou pela economia internacional, as instituições financeiras ficaram sob forte pressão para obter resultados diante do apetite por risco do mercado. Em conseqüência, houve uma redução generalizada das margens de segurança, não acompanhada pelas agências de risco, seja por cumplicidade, seja por deficiências técnicas.
O economista Paulo Vieira da Cunha, ex-diretor do Banco Central, diz que a questão é separar "corrupção crassa", como classifica o caso Madoff, do problema mais complexo de regulação financeira. "No caso Madoff acreditaram na figura, sem examinar com cuidado sua cozinha. E o fato de que grandes instituições acreditaram só serviu para aumentar a falsa credibilidade de um esquema que aqui, no Brasil e na Cochinchina seria fechado por ilegal, uma vez descoberto".
Regulação é mais difícil, segundo ele, porque arbitra dois objetivos conflitantes: "proteger o sistema, em particular os investidores, e estimular o maior volume e maior extensão possível do crédito, inclusive para idéias que ainda não são empresas. Tudo dentro do esquema normal de leis e responsabilidades".
Ele lembra que Alain Greenspan (ex-presidente do Fed, banco central americano) finalmente admitiu que não dá para acreditar apenas na auto-regulação do mercado. "Os incentivos que surgem são perversos e incompatíveis, em última instância, com a estabilidade do sistema". Para Vieira da Cunha, "o problema é a análise de risco. Como fazê-la? Quem a faz? Quem supervisiona? Quais são os parâmetros mínimos e as sanções? E o mais difícil: quem guarda os guardiões?"
No livro "Como reagir à crise? Políticas econômicas para o Brasil", do Iepe/Casa das Garças, há um artigo dos economistas Dionisio Dias Carneiro e Monica Baumgarten de Bolle que trata da questão "Eficiência versus Risco" e chama a atenção para questões que têm que ser levadas em conta na hora da definição das novas regras de regulamentação do mercado:
"O custo de um sistema mais ágil, menos regulado, e mais capaz de gerar ganhos de eficiência é aumentar o risco de uma grande ruptura destes mesmos mecanismos, com implicações devastadoras sobre a economia real, como vimos acontecer na atual crise", dizem os autores.
"Ou seja, o mundo menos regulado está mais exposto aos extremos: períodos de forte crescimento e criação de riqueza, contrabalançado por grandes choques destrutivos".
Em contrapartida, "o mundo mais regulado, caracterizado por um sistema de multiplicação de crédito menos flexível, está menos sujeito a choques financeiros cataclísmicos, mas também gera menores ganhos de produtividade e perspectivas de crescimento bem menos exuberantes".
O problema é definir como deve ser regulado o futuro sistema financeiro, para que tenha eficiência e gere prosperidade, sem os níveis de irresponsabilidade que estavam sendo tolerados em Wall Street. Esta será uma das principais tarefas da equipe econômica do governo Barack Obama e do novo Congresso com maioria democrata.
O ex-secretário do Tesouro Larry Summers, um dos papas da futura equipe econômica de Obama, sabe do que se trata. É dele a frase: a emergência dos mercados financeiros globais de hoje pode ser comparada à invenção do avião a jato. Podemos ir aonde quisermos com muito mais rapidez, podemos chegar ao nosso destino com mais conforto e de maneira mais barata, e quase sempre com mais segurança. Porém, os desastres, quando acontecem, são muito mais espetaculares.
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