terça-feira, 16 de dezembro de 2008

A importância da memória da ditadura

Dalmo de Abreu Dallari
DEU NA GAZETA MERCANTIL


Este ano foi marcado por duas comemorações jubilosas: os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e os 20 anos da Constituição brasileira de 1988, documentos de extraordinária importância para afirmação da prioridade da pessoa humana, de sua dignidade e de seus direitos fundamentais. Embora tendo sentido tremendamente negativo, não deve passar sem registro outro aniversário, que marca a interrupção da caminhada do povo brasileiro no sentido da busca de uma sociedade democrática e justa. Há quarenta anos, no dia 13 de Dezembro de 1968, foi editado o Ato Institucional número 5, o AI 5, que ampliou as violências implantadas com o estabelecimento da ditadura em 1º de Abril de 1964, favorecendo, além de tudo, o aumento da corrupção no setor público e sua ocultação, pela imposição de uma censura ainda mais rigorosa sobre os meios de comunicação, impedindo a publicação de denúncias e a revelação dos desvios de dinheiro público e das associações fraudulentas entre governantes e empresários, tudo mantido em segredo sob pretexto de interesse da segurança nacional. Aliás, as maiores resistências à abertura dos arquivos da ditadura têm justamente essa motivação: impedir que o povo brasileiro conheça a verdade sobre os subterrâneos dos governos ditatoriais.

Para registro da história é oportuno lembrar que no dia 1º de Abril de 1964 foi imposto ao Brasil um governo militar, substituindo o Presidente da República que havia sido eleito nos termos da Constituição de 1946. Para simular uma simples alteração da ordem legal, foi publicado no dia 10 de Abril de 1964 um comando ditatorial que foi denominado Ato Institucional número 1, dizendo que ficava mantida a Constituição de 1946, mas, contraditoriamente, quem assinava o ato era um Comando

Supremo da Revolução, não previsto na Constituição, e por ele impunham regras flagrantemente inconstitucionais. Basta assinalar que o artigo 4º daquele ato dispunha que o Presidente da República, "sem as limitações previstas na Constituição, poderá suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais". Mais tarde, em 13 de Dezembro de 1968, com a intenção de aumentar as violências e arbitrariedades contra os brasileiros que se opunham à ditadura, foi editado o Ato Institucional número 5, que suspendeu todas as garantias constitucionais e implantou no Brasil uma censura rigorosa, iniciando-se aí uma fase trágica, com muitas prisões arbitrárias, mortes e desaparecimentos de pessoas, generalização da tortura, invasões de domicílio, intensificação das cassações de direitos e muitas outras violências contra a vida, a dignidade e os direitos fundamentais das pessoas. E muitos dos que haviam apoiado a implantação da ditadura acabaram figurando entre suas vítimas.

Para que o Brasil voltasse a ter uma ordem civilizada foram necessários tremendos sacrifícios. O aumento das violências abriu as consciências de muitos brasileiros, que por ingenuidade, acreditando nos propósitos moralizadores apregoados pelo governo ditatorial, ou por temor de represálias, não manifestavam oposição à ditadura. E, afinal, o povo brasileiro, esclarecido e estimulado por líderes que não se intimidaram nem se acomodaram, expulsou a ditadura e conquistou a Constituição democrática de 1988. Tudo isso deve ficar bem vivo na memória dos brasileiros, para que ninguém, por desinformação ou pela ilusão de que a ditadura lhe será mais proveitosa, dê apoio a qualquer aventura antidemocrática e anticonstitucional que se apresente como salvadora da Pátria.

Dalmo de Abreu Dallari é jurista e professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo)

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