Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Não é coisa que se admita, a não ser a boca pequeníssima, mas um dos principais motivos que animam o Congresso a votar uma apressada reforma na legislação eleitoral é a presença, em 2010, do ministro Joaquim Barbosa na presidência do Tribunal Superior Eleitoral.
O temor em relação à atuação do ministro é difuso, não se prende a uma razão objetiva, mas tem ligação direta com a personalidade, digamos, polêmica de Joaquim Barbosa, que tem se notabilizado pelos atritos com diversos de seus pares no Supremo Tribunal Federal.
Entre os conflitos públicos, o mais famoso é também o mais recente, com o presidente do STF, Gilmar Mendes. Ao ter sua competência questionada pelo presidente, Barbosa simplesmente o acusou de "destruir a Justiça do País" e mandou que confirmasse essa afirmação "nas ruas".
O polêmico ministro não aceita a pecha de encrenqueiro, mas numa de suas primeiras entrevistas avisou que não seria na Corte, porque nunca foi na vida, "um negro submisso".
Junte-se a esse espírito, o ativismo do Poder Judiciário, o rigor da Justiça Eleitoral e chega-se à motivação de suas excelências para mexer na legislação e fechar todas as brechas por onde poderiam ser impostas a eles indesejáveis restrições.
Aproveitam o ensejo para legislar sobre novas liberações. Ainda não totalmente definidas. Na realidade, estão totalmente indefinidas.
Fala-se de tudo: em reduzir o prazo de filiação partidária de um ano para seis meses, abrir espaço para o troca-troca partidário sem justa causa, antecipar a data legal para o início das campanhas, aumentar o valor do fundo partidário (na prática, financiamento público), proibir doações de pessoas jurídicas, permitir donativos via internet, fala-se até em Congresso Revisor para aprovar a reforma política em 2011.
Há uma comissão encarregada de organizar as demandas até depois de amanhã e, havendo acordo, a ideia é votar a "reforma" em 15 dias. O prazo seria seguro, daria tempo de as novas regras entrarem em vigor na próxima eleição e os congressistas sairiam para o recesso do meio do ano com a vida ganha.
Com as regras do sistema eleitoral (falido e anacrônico, mas bom para elegê-los) mantidas, as normas bem nítidas (ao molde do interesse do legislador, claro) de forma a limitar a interferência da Justiça Eleitoral ao estritamente necessário e todas as inovações consideradas oportunas.
Não que o esforço legislativo não seja meritório. Seria bem mais louvável, é verdade, se se manifestasse como prática, não como exceção para resolver aflições ocasionais, como é agora o temor da atuação da Justiça Eleitoral, em particular da condução a ser dada pelo ministro Joaquim Barbosa.
Evidentemente que ninguém receia que ela seja liberal demais na interpretação da lei. O receio prende-se à presunção de austeridade. O que abona a conduta do ministro, mas desabona os propósitos dos congressistas.
Tiveram todo o tempo do mundo para fazer a reforma política. Há anos, quase 15, enrolam, maquiam, mas sempre se desviam das questões de fundo.
Para não ir longe nem insistir em alterações inexequíveis, tomemos só a proposta do governo enviada ao Congresso em fevereiro último.
Dos seis pontos sugeridos - segundo a exposição de motivos, indispensáveis para pôr um freio no fisiologismo e melhorar a qualidade da representação - três foram liminarmente deixados de lado.
O veto a candidatos condenados em duas instâncias judiciais, a proibição da soma dos tempos das legendas coligadas para os programas do horário eleitoral no rádio e na televisão e a exigência da obtenção de 1% dos votos do País para o acesso do partido ao Parlamento.
Dois deles durante 15 dias foram chamados de "reforma política", mas não chegaram sequer a ser debatidos por força da reação dos pequenos partidos, com os quais os grandes concordaram docemente constrangidos. A lista fechada para candidatos a deputado e vereador, e o financiamento público. Este pode ser ressuscitado na forma do aumento das verbas do fundo partidário.
Apenas um sobreviveu: aquele que permite a troca de partido durante determinado período antes da eleição seguinte.
No balanço, arquivaram-se os que de algum modo poderiam criar desconfortos aos parlamentares e mantiveram-se os que lhes atendiam os interesses.
Não sendo coincidência, só resta como hipótese a má-fé.
Papel passado
O presidente Lula semeia em terreno fértil quando salienta que a oposição não tem discurso.
Quem se propõe a mudar a Constituição para proibir a privatização da Petrobrás, a fim de desmentir a acusação do adversário, realmente trabalha com a agenda alheia.
É a maneira mais cartorial e menos politizada de responder. A busca de escora na lei equivale a um recibo reconhecendo a força do argumento contrário e a insuficiência de capacidade - ou credibilidade - para rebater a tacada.
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Não é coisa que se admita, a não ser a boca pequeníssima, mas um dos principais motivos que animam o Congresso a votar uma apressada reforma na legislação eleitoral é a presença, em 2010, do ministro Joaquim Barbosa na presidência do Tribunal Superior Eleitoral.
O temor em relação à atuação do ministro é difuso, não se prende a uma razão objetiva, mas tem ligação direta com a personalidade, digamos, polêmica de Joaquim Barbosa, que tem se notabilizado pelos atritos com diversos de seus pares no Supremo Tribunal Federal.
Entre os conflitos públicos, o mais famoso é também o mais recente, com o presidente do STF, Gilmar Mendes. Ao ter sua competência questionada pelo presidente, Barbosa simplesmente o acusou de "destruir a Justiça do País" e mandou que confirmasse essa afirmação "nas ruas".
O polêmico ministro não aceita a pecha de encrenqueiro, mas numa de suas primeiras entrevistas avisou que não seria na Corte, porque nunca foi na vida, "um negro submisso".
Junte-se a esse espírito, o ativismo do Poder Judiciário, o rigor da Justiça Eleitoral e chega-se à motivação de suas excelências para mexer na legislação e fechar todas as brechas por onde poderiam ser impostas a eles indesejáveis restrições.
Aproveitam o ensejo para legislar sobre novas liberações. Ainda não totalmente definidas. Na realidade, estão totalmente indefinidas.
Fala-se de tudo: em reduzir o prazo de filiação partidária de um ano para seis meses, abrir espaço para o troca-troca partidário sem justa causa, antecipar a data legal para o início das campanhas, aumentar o valor do fundo partidário (na prática, financiamento público), proibir doações de pessoas jurídicas, permitir donativos via internet, fala-se até em Congresso Revisor para aprovar a reforma política em 2011.
Há uma comissão encarregada de organizar as demandas até depois de amanhã e, havendo acordo, a ideia é votar a "reforma" em 15 dias. O prazo seria seguro, daria tempo de as novas regras entrarem em vigor na próxima eleição e os congressistas sairiam para o recesso do meio do ano com a vida ganha.
Com as regras do sistema eleitoral (falido e anacrônico, mas bom para elegê-los) mantidas, as normas bem nítidas (ao molde do interesse do legislador, claro) de forma a limitar a interferência da Justiça Eleitoral ao estritamente necessário e todas as inovações consideradas oportunas.
Não que o esforço legislativo não seja meritório. Seria bem mais louvável, é verdade, se se manifestasse como prática, não como exceção para resolver aflições ocasionais, como é agora o temor da atuação da Justiça Eleitoral, em particular da condução a ser dada pelo ministro Joaquim Barbosa.
Evidentemente que ninguém receia que ela seja liberal demais na interpretação da lei. O receio prende-se à presunção de austeridade. O que abona a conduta do ministro, mas desabona os propósitos dos congressistas.
Tiveram todo o tempo do mundo para fazer a reforma política. Há anos, quase 15, enrolam, maquiam, mas sempre se desviam das questões de fundo.
Para não ir longe nem insistir em alterações inexequíveis, tomemos só a proposta do governo enviada ao Congresso em fevereiro último.
Dos seis pontos sugeridos - segundo a exposição de motivos, indispensáveis para pôr um freio no fisiologismo e melhorar a qualidade da representação - três foram liminarmente deixados de lado.
O veto a candidatos condenados em duas instâncias judiciais, a proibição da soma dos tempos das legendas coligadas para os programas do horário eleitoral no rádio e na televisão e a exigência da obtenção de 1% dos votos do País para o acesso do partido ao Parlamento.
Dois deles durante 15 dias foram chamados de "reforma política", mas não chegaram sequer a ser debatidos por força da reação dos pequenos partidos, com os quais os grandes concordaram docemente constrangidos. A lista fechada para candidatos a deputado e vereador, e o financiamento público. Este pode ser ressuscitado na forma do aumento das verbas do fundo partidário.
Apenas um sobreviveu: aquele que permite a troca de partido durante determinado período antes da eleição seguinte.
No balanço, arquivaram-se os que de algum modo poderiam criar desconfortos aos parlamentares e mantiveram-se os que lhes atendiam os interesses.
Não sendo coincidência, só resta como hipótese a má-fé.
Papel passado
O presidente Lula semeia em terreno fértil quando salienta que a oposição não tem discurso.
Quem se propõe a mudar a Constituição para proibir a privatização da Petrobrás, a fim de desmentir a acusação do adversário, realmente trabalha com a agenda alheia.
É a maneira mais cartorial e menos politizada de responder. A busca de escora na lei equivale a um recibo reconhecendo a força do argumento contrário e a insuficiência de capacidade - ou credibilidade - para rebater a tacada.
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