domingo, 7 de junho de 2009

Enigma monetário

Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO

O dólar aqui no Brasil caía 2% na manhã de sextafeira.
Aí, saiu a notícia de que 365 mil empregos haviam sido destruídos em maio nos Estados Unidos.

Tudo mudou: o dólar subiu no mundo todo.

Fechou em alta de 1% frente ao real; e se recuperou do ponto mais baixo atingido frente ao euro. Fez algum sentido essa história? Pois assim está o dólar: um preço que oscila como uma onda no mar.

Há um explicação pontual para cada movimento.

No caso de sexta-feira, é que se temia que o desemprego tivesse apontado corte de 450 mil ou até 600 mil vagas. Se o índice mostrou menos destruição de emprego é porque a economia americana está melhor do que se imaginava. Se ela está melhor, os juros americanos terão que subir em algum momento.

Estamos no terreno ainda da especulação, incerteza e volatilidade. Muitos fatores, suposições e variáveis influenciam o dólar, que por sua vez influenciam decisões ou paralisias dos agentes econômicos. Ainda é o preço para o qual todos olham, mas não está com lógica, nem rumo certo.

Em pouco mais de dois meses, a moeda americana caiu quase 15%. Era R$ 2,28 em primeiro de abril e na quinta estava em R$ 1,94.

Em um mês, a queda foi de 9%. A empresa exportadora brasileira que está pensando algo do tipo “assim não dá” deve esperar para ouvir a conta da África do Sul: em pouco mais de dois meses, o dólar caiu 25% frente ao rand sul-africano.

O que há de comum entre Brasil e África do Sul é que os dois países são produtores de commodities. O Chile também, e contra o peso chileno, o dólar caiu 11,26% este ano, como caiu 7,63% frente ao dólar neozelandês.

Duas das razões do fortalecimento dessas moedas são que as commodities subiram, em parte porque a China voltou a comprar; e formou-se a expectativa de que a economia pode se recuperar mais rapidamente do que se esperava. A razão mais sólida é que os capitais que no momento de pânico fugiram para os títulos do Tesouro americano, passado o sentimento de fim de mundo, voltaram a investir em mercados, produtos e moedas que dão mais retorno.

Os juros americanos despencaram e estão hoje na linha d’água. Se deixar o dinheiro em títulos do Tesouro, com vencimento de dois anos, o investidor terá uma rentabilidade de 1,3%. Isso significa que de janeiro a junho, a rentabilidade seria em torno de meio por cento.

Se tivesse entrado na bolsa brasileira na mesma época, ele teria ganho em torno de 40%. E não é só isso, dependendo da hora que entrar e sair, poderá ganhar também no câmbio. Se entra com o dólar forte, sua moeda compra mais reais; se sai com o dólar fraco, seus reais compram mais dólares. Ganha, dessa forma, duas vezes: com a bolsa e com a moeda.

O saldo de investimentos externos na Bovespa totalizou R$ 6,8 bilhões em abril, recorde para um mês. O resultado é maior que o de abril de 2008, mês em que o Brasil conseguiu o grau de investimento pela S&P: R$ 6 bilhões. Nos cinco primeiros meses do ano, o saldo já chega a R$ 11,2 bilhões.

Muitos investidores estrangeiros que não entraram na bolsa num primeiro momento estão agora ansiosos e esperando o momento para fazê-lo. Isso significa que a volatilidade continuará alta nas próximas semanas, com alguns investidores realizando lucros e outros tentando entrar na bolsa. Como se forma a expectativa de que o dólar vai cair, todos começam a se desfazer de suas posições, vender mais rápidamente a moeda americana, adiar as compras.

Isso exagera a tendência.

O pior da volatilidade para a economia real é o aumento da imprevisibilidade. Como o dólar acaba definindo o preço de vários outros produtos, os empresários ficam sem saber o que fazer, como explicou aqui na coluna esta semana os presidentes da Abinee e da Abimaq, que representam os setores de eletroeletrônicos e máquinas e equipamentos.

Um dos remédios contra os excessos seria diminuir os juros, mas o problema é que o Brasil e o mundo estão em patamares tão distantes que não há aproximação possível. O país atravessará esta semana um marco: os juros devem cair abaixo de 10%. Isso, que é um feito para nós, não é nem entendido em outros países que passam por esta crise com juros próximos de zero. O Banco Central disse que vai acumular mais reservas. Não há acumulação de reservas que segure esse dólar quando ele embica para baixo.

Há grandes dúvidas sobre o dólar no médio e longo prazo. Não se sabe se ele continuará sendo a moeda de referência, nem até quando os países emergentes aceitarão constituir suas reservas numa moeda que cai tanto. O presidente do Fed, Ben Bernanke, lembrou aos americanos que o mundo não está disposto a financiar o país indefinidamente. O crescimento da dívida e do déficit dos EUA, somados ao fato de que haverá uma onda inflacionária pelo excesso de relaxamento fiscal e monetário, indicam que no futuro os juros terão que subir e o dólar pode se fortalecer.

Já se sabe hoje que quando o pânico aumenta, mesmo que o olho do furacão seja nos Estados Unidos, é para lá que correm os investidores em busca de proteção. Isso fortalece o dólar como aconteceu no fim do ano passado.

O dólar hoje é um enigma. E continuará sendo.

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