domingo, 7 de junho de 2009

A propósito de Santos Dumont

Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

A catástrofe com o Airbus da Air France no fim da noite de domingo, 31 de maio, tirou a vida de 228 pessoas, instalou um mistério difícil de esclarecer, arrefeceu a vontade de viajar de milhares de turistas compulsivos e ainda abafou a repercussão de um dos mais importantes eventos da história econômica moderna – a concordata e desmembramento da General Motors que durante 77 anos liderou o mercado automobilístico mundial.

A introdução do automóvel acessível, seguro e durável bem como o seu modo de produção em série equivalem à Segunda Revolução Industrial. Não faltará oportunidade para refletir sobre o desabamento dos símbolos do sonho americano e ícone do capitalismo.

Tem precedência a surpreendente e corajosa decisão do Ministério Público de Paris de abrir um processo por "homicídio culposo" para apressar a apuração das responsabilidades pelas mortes ocorridas no vôo 447.

À comoção pelo desastre em que morreram tantos brasileiros acrescenta-se agora uma indignação retrospectiva com a lerdeza, incompetência e irresponsabilidade de nossas autoridades, inclusive judiciais, no tocante ao esclarecimento definitivo das tragédias ocorridas no território brasileiro, com empresas aéreas brasileiras, em 2006 e 2007.

A difícil, quase impossível, localização da caixa preta do Airbus A 330 da Air France e a ausência total de comunicação entre a tripulação e os pontos de apoio ao longo da rota oferecem a única convicção na avaliação deste desastre: suas causas dificilmente serão esclarecidas.

A colaboração brasileira, inicialmente tão afirmativa e promissora, ao fim do 5º dia de buscas e falação, revela-se acanhada. O presidente da República não perdeu a oportunidade para vangloriar-se por antecipação ao declarar que um país que acha petróleo a seis mil metros de profundidade não terá dificuldades em localizar os restos do avião a dois mil metros. Não avaliou as diferenças entre um campo petrolífero com milhares de quilômetros de área e um ponto com apenas uma centena de metros numa região submarina escarpada e irregular.

Animado pela jactância presidencial entrou em cena o ministro da Defesa, Nelson Jobim, anunciando a disposição de montar o seu circo particular através de entrevistas coletivas. Ferrou-se na primeira: anunciou a localização de destroços e mancha de óleo que não se confirmaram como pertencentes ao avião sinistrado.

Ao invés de delegar aos profissionais (da Marinha e da FAB) a tarefa de informar à opinião pública mundial sobre o andamento dos trabalhos preferiu o brilhareco pessoal. O erro de avaliação não foi dele, foi dos militares que o assessoram, isso acontece, mas se os militares fossem encarregados de falar no lugar de um político ávido para aparecer em temporada pré-eleitoral, as notícias seriam oferecidas de forma mais prudente. E mais lacônica.

Nestas horas em que deve imperar a solidariedade seria recomendável que o nosso governo deixasse de lado a arrogância chauvinista e convidasse os franceses a colaborar mais ativamente na tarefa precípua que lhe compete no âmbito do resgate de vítimas e destroços. Com humildade e verdadeiro espírito de cooperação teríamos oferecido uma contribuição mais decisiva do que o blablablá e os rebates falsos.

Nossa soberania não seria afetada se barcos, aeronaves e tripulações francesas se engajassem mais ativamente no trabalho de busca a partir do território brasileiro. Se de fato pretendemos comprar um submarino nuclear francês depois de mais de uma década de estudos infrutíferos em arsenais nacionais, nada nos impede de oferecer com galanteria e humanidade, no Ano da França, uma prova da nossa maturidade política.

Santos Dumont, o brasileiro mais francês que produzimos, soube lidar pioneiramente com os problemas de aeronáutica. Matou-se porque era um idealista. Seus descendentes não têm a mesma generosidade. Nem sua competência quando se trata de enfrentar as desgraças que acontecem nos céus.

» Alberto Dines é jornalista

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