Seis da manhã no resto do país, lá ainda eram cinco, quando o carro entrou no campus da centenária Universidade Federal do Amazonas (Ufam).
O motorista reduziu a velocidade: “Aqui a gente tem que ir bem devagar para não atropelar os bichos.
Preguiça ainda dá tempo de ver, mas cotia aparece do nada.” Assim deve se chegar à Amazônia: com respeito, devagar. A informação surge do nada.
Nossa maior floresta é a maior floresta do mundo. A gente só acha que aquele mundo é simples quando está longe; mais perto, mais difícil de entender ele é. Tenho ido lá para ver um pedacinho por vez. Desta vez, fui à reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Manaus.
No pouco que vi, aprendi muito. Fui, convocada pelo Globo Amazônia, um projeto que tem levado os repórteres da Rede para reportagens, reuniões, entrevistas, no local do nosso maior desafio. Madruguei para entrar ao vivo no Bom Dia Brasil.
A SBPC foi, quando o Brasil precisou, centro de resistência política. Hoje, porque disso o Brasil precisa, escolheu o tema: “Amazônia, Ciência e Cultura”. Numa reunião dessas, só se consegue ver uma parte daquele mundo de aulas, palestras, mesas-redondas e cursos. Os eventos ocorrem simultaneamente, o Campus é enorme.
Só a área verde é equivalente a 700 mil campos de futebol. As construções são em pontos diferentes e distantes, a logística da cobertura tem que ser estudada com cuidado.
Nas salas de aula, as explicações técnicas são dominantes, mas há a hora de ver o panorama. Foi assim que o professor Ângelo da Cunha Pinto, da UFRJ, numa aula sobre química das plantas, saiu dos taxóis e alcalóides à convocação de pesquisa em massa na Amazônia.
Os recursos de pesquisas fizeram como os portugueses, se concentraram no litoral.
Não que devam agora ser reduzidos os investimentos em centros de outras regiões, mas é preciso aumentar o que vai para a Amazônia.
Só 4,5% dos mestres e doutores do Brasil estão lá.
— Como Getúlio um dia pensou em ocupar a região com soldados da borracha, temos agora que convocar os mestres e doutores da Amazônia — disse.
A Academia Brasileira de Ciências tem feito a mesma convocação, a pioneira Bertha Becker tem apontado nessa direção há anos. Eles têm razão: não se protege o que não se conhece; não se transforma em valor econômico o que não foi entendido.
Entender é exercício caprichoso, que exige tempo. O erro do professor de Harvard Mangabeira Unger foi achar que sabia tudo, antes de ver de perto e com calma o que nos tem assombrado há séculos.
Ele tinha soluções prontas e frases feitas. Errou no diagnóstico e, pior, deixou remédios aviados que terão efeitos colaterais.
Mandar os cérebros na frente, explorar com a razão, ocupar com o entendimento.
Essa é a única coisa sensata a fazer diante de uma encruzilhada na qual estão os destinos do Brasil e do mundo.
Com o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), numa viagem anterior, aprendi o que é o BoomColapso. A tese, recentemente publicada na “Science”, mostra com estatísticas irrecorríveis que a ocupação desordenada, feita por motosserras, correntões e fogo, produz surtos de crescimento seguidos de colapsos. As áreas atacadas dessa forma medieval até crescem, por pouco tempo; até produzem riqueza, apropriada por poucos; mas depois retornam a quadros agravados de pobreza e violência. O progresso é breve; a destruição e miséria, permanentes.
O Brasil é dividido em regiões e estados para organizar a geografia e a política, mas, na vida real, o Brasil é uma continuidade por terra, mar e ar. Blocos de umidade se formam sobre a Amazônia, correntes de ar levam a umidade para o resto do país nos “rios voadores”. Nem todo vapor de água será chuva, por isso os cientistas falam em umidade precipitável.
Diante de um mapa mundi , o professor Pedro Leite da Silva Dias explicou que sobre três regiões do mundo se formam imensas massas de umidade: Amazônia, África e Indonésia. Essa água em forma gasosa é transportada para outras regiões do globo terrestre. São responsáveis em grande parte pelas chuvas do mundo. Como se dá essa formação de massas úmidas? Como elas são transportadas? De onde exatamente vêm? Os cientistas estão estudando isso há anos. Já no fim dos anos 70, o professor Eneas Salati fez modelos. Em 1985, uma parceria entre a NASA e o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), aprofundou os estudos dos JBNs, Jatos de Baixo Nível.
O professor José Marengo batizou os JBNs com o feliz nome de “rios voadores”. A nova e complexa metodologia de pesquisa foi explicada pelo professor Marcelo Moreira numa aula tão técnica que tive saudades da “banda diagonal endógena”. Achei que os economistas são simples, e o economês, língua corrente. O desafio da pesquisa é captar no ar o vapor de água, condensá-lo, para estudar fisicamente as gotas.
— Precisamos conversar com as moléculas, perguntar de onde elas vêm. Elas têm características diferentes dependendo da origem — explicou, claro como água limpa, Pedro Leite Dias.
Mas quem vai pegar gotas no ar? Quem é o louco? Gerard Moss entra em cena.
Suíço, no Brasil há duas décadas, apaixonado por rios e florestas, Moss foi empresário, hoje voa pela ciência.
Meu espaço acabou.
Amanhã eu conto o resto.
Com Alvaro Gribel
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