Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Quando o então presidente da República José Sarney se afastava do País costumava-se dizer que "a crise viajou". Se a memória não falha, quem disse pela primeira vez a frase foi o então senador Fernando Henrique Cardoso.
Mas, agora, com Sarney na presidência do Senado, passe ele suas férias na ilha de Curupu ou no exterior, a crise não viajará nem arrefecerá. Bobagem imaginar que duas semanas de recesso do Congresso tenham o poder de amenizar uma situação que, em cinco meses, não fez outra coisa além de se agravar.
Ao presidente do Senado apetece considerar que a crise é resultado de "uma campanha pessoal do jornal O Estado de S. Paulo" que obrigou "outros jornais e televisão a repercuti-la".
A despeito da fidalguia do senador de atribuir ao Estado um poder de influência grande o bastante para arrastar atrás de si a concorrência; não obstante a descortesia de imputar aos demais veículos de comunicação nacionais e internacionais traços de indigência e carência de discernimento, sua avaliação do caso é tão certeira quanto o foi na análise que balizou sua decisão de ascender pela terceira vez à presidência do Senado.
Na "prestação de contas" do primeiro semestre de mandato apresentada ontem para um plenário pleno de cinco senadores, o presidente da Casa falou uma verdade: "Infelizmente, avaliei mal."
Lamentavelmente, foi a única dita em sua inteireza. No restante do discurso, Sarney variou entre a mentira, a meia-verdade e as tergiversações habitualmente de plantão.
O cotejo entre os fatos, seus atos, seu discurso de posse e sua prestação de contas o demonstra.Ontem afirmou ter sido candidato quase obrigado. "Fui convocado e aceitei minha candidatura para servir ao País."
No fim do ano passado, quando o amigo Marcos Vilaça ainda tentava demovê-lo da empreitada e convencê-lo a disputar a presidência da Academia Brasileira de Letras - um fecho de biografia muito mais seguro que o comando do conturbado Senado -, Sarney aludiu a razões familiares e concluiu: "O destino me leva à política."
Numa nova conversa com o amigo, em março último, deu-lhe razão, mostrou-se arrependido da escolha e aventou a hipótese de renúncia antes do término do mandato, ao completar 80 anos de idade, em abril de 2010.
Foram razões políticas e não deveres cívicos que fizeram Sarney atender aos apelos do PMDB - interessado no comando do Congresso todo -, ao DEM - empenhado em impedir que o PT ocupasse o cargo - e interpretasse como incentivo a estratégica neutralidade do presidente Luiz Inácio da Silva em relação à candidatura do correligionário Tião Viana.
Segue a prestação de contas de ontem com o presidente do Senado afirmando que em seu discurso de posse enfatizou "a necessidade de fazermos uma reforma administrativa" para fazer frente aos "sérios problemas que precisavam ser enfrentados".
No discurso de posse, Sarney não só não enfatizou como sequer citou reforma alguma. Só depois de lido o pronunciamento escrito é que anunciou de improviso o corte de 10% nas despesas.
Um mero factoide (no dia seguinte, manchete dos jornais) diante da enormidade das mazelas depois reveladas.
Naquele discurso, aliás, Sarney dizia que acima de tudo estava a "independência, a autonomia e a dignidade da Casa". Seria esse o seu lema, ainda que ao sacrifício dos "deveres de amizade, deveres políticos ou partidários".
A submissão ao Palácio do Planalto e a invocação de todos os deveres há cinco meses negados testemunham a quebra do compromisso assumido.
"As circunstâncias", disse ele ontem, transformaram a "reforma" em "pretensa crise de desmoralização do Senado" e inviabilizaram "a discussão dos grandes temas do nosso momento político".
Quais sejam, as medidas provisórias, as reformas política e tributária e a crise econômica mundial. Para esta última, Sarney nomeou uma comissão de notáveis, cuja única função seria imprimir majestade ao início do seu mandato, pois concretamente não haveria nada que pudesse propor. Como, de resto, não o fez e o mundo ainda assim se acalmou.
Sobre as MPs, sua única atitude foi dar ao Palácio do Planalto na companhia do presidente da Câmara, para saber de que forma seria mais conveniente ao presidente da República se conduzir o assunto no Congresso.
A respeito das reformas política e tributária, atribuir o fracasso à crise é retirar da leniência do Executivo e da indiferença do próprio Legislativo suas inestimáveis contribuições.
Mas, segundo as contas prestadas pelo presidente do Senado, a adversidade não o impediu "de tomar as medidas necessárias para a modernização" da Casa, o "saneamento dos graves problemas de natureza ética e legal que foram revelados" - na maioria, pela "campanha pessoal do jornal O Estado de S. Paulo".
Assegurou não ter titubeado em agir. E citou, uma a uma, as decisões tomadas sob intensa pressão. Entre as quais se inclui o afastamento de Agaciel Maia, ora em gozo de licença-prêmio.
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Quando o então presidente da República José Sarney se afastava do País costumava-se dizer que "a crise viajou". Se a memória não falha, quem disse pela primeira vez a frase foi o então senador Fernando Henrique Cardoso.
Mas, agora, com Sarney na presidência do Senado, passe ele suas férias na ilha de Curupu ou no exterior, a crise não viajará nem arrefecerá. Bobagem imaginar que duas semanas de recesso do Congresso tenham o poder de amenizar uma situação que, em cinco meses, não fez outra coisa além de se agravar.
Ao presidente do Senado apetece considerar que a crise é resultado de "uma campanha pessoal do jornal O Estado de S. Paulo" que obrigou "outros jornais e televisão a repercuti-la".
A despeito da fidalguia do senador de atribuir ao Estado um poder de influência grande o bastante para arrastar atrás de si a concorrência; não obstante a descortesia de imputar aos demais veículos de comunicação nacionais e internacionais traços de indigência e carência de discernimento, sua avaliação do caso é tão certeira quanto o foi na análise que balizou sua decisão de ascender pela terceira vez à presidência do Senado.
Na "prestação de contas" do primeiro semestre de mandato apresentada ontem para um plenário pleno de cinco senadores, o presidente da Casa falou uma verdade: "Infelizmente, avaliei mal."
Lamentavelmente, foi a única dita em sua inteireza. No restante do discurso, Sarney variou entre a mentira, a meia-verdade e as tergiversações habitualmente de plantão.
O cotejo entre os fatos, seus atos, seu discurso de posse e sua prestação de contas o demonstra.Ontem afirmou ter sido candidato quase obrigado. "Fui convocado e aceitei minha candidatura para servir ao País."
No fim do ano passado, quando o amigo Marcos Vilaça ainda tentava demovê-lo da empreitada e convencê-lo a disputar a presidência da Academia Brasileira de Letras - um fecho de biografia muito mais seguro que o comando do conturbado Senado -, Sarney aludiu a razões familiares e concluiu: "O destino me leva à política."
Numa nova conversa com o amigo, em março último, deu-lhe razão, mostrou-se arrependido da escolha e aventou a hipótese de renúncia antes do término do mandato, ao completar 80 anos de idade, em abril de 2010.
Foram razões políticas e não deveres cívicos que fizeram Sarney atender aos apelos do PMDB - interessado no comando do Congresso todo -, ao DEM - empenhado em impedir que o PT ocupasse o cargo - e interpretasse como incentivo a estratégica neutralidade do presidente Luiz Inácio da Silva em relação à candidatura do correligionário Tião Viana.
Segue a prestação de contas de ontem com o presidente do Senado afirmando que em seu discurso de posse enfatizou "a necessidade de fazermos uma reforma administrativa" para fazer frente aos "sérios problemas que precisavam ser enfrentados".
No discurso de posse, Sarney não só não enfatizou como sequer citou reforma alguma. Só depois de lido o pronunciamento escrito é que anunciou de improviso o corte de 10% nas despesas.
Um mero factoide (no dia seguinte, manchete dos jornais) diante da enormidade das mazelas depois reveladas.
Naquele discurso, aliás, Sarney dizia que acima de tudo estava a "independência, a autonomia e a dignidade da Casa". Seria esse o seu lema, ainda que ao sacrifício dos "deveres de amizade, deveres políticos ou partidários".
A submissão ao Palácio do Planalto e a invocação de todos os deveres há cinco meses negados testemunham a quebra do compromisso assumido.
"As circunstâncias", disse ele ontem, transformaram a "reforma" em "pretensa crise de desmoralização do Senado" e inviabilizaram "a discussão dos grandes temas do nosso momento político".
Quais sejam, as medidas provisórias, as reformas política e tributária e a crise econômica mundial. Para esta última, Sarney nomeou uma comissão de notáveis, cuja única função seria imprimir majestade ao início do seu mandato, pois concretamente não haveria nada que pudesse propor. Como, de resto, não o fez e o mundo ainda assim se acalmou.
Sobre as MPs, sua única atitude foi dar ao Palácio do Planalto na companhia do presidente da Câmara, para saber de que forma seria mais conveniente ao presidente da República se conduzir o assunto no Congresso.
A respeito das reformas política e tributária, atribuir o fracasso à crise é retirar da leniência do Executivo e da indiferença do próprio Legislativo suas inestimáveis contribuições.
Mas, segundo as contas prestadas pelo presidente do Senado, a adversidade não o impediu "de tomar as medidas necessárias para a modernização" da Casa, o "saneamento dos graves problemas de natureza ética e legal que foram revelados" - na maioria, pela "campanha pessoal do jornal O Estado de S. Paulo".
Assegurou não ter titubeado em agir. E citou, uma a uma, as decisões tomadas sob intensa pressão. Entre as quais se inclui o afastamento de Agaciel Maia, ora em gozo de licença-prêmio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário