Luiz Carlos Bresser-Pereira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Os bancos esquecem que foi a desregulamentação dos anos 1980 que levou a economia mundial a esta imensa crise
EM SUA reunião na Itália na última semana, os chefes de governo do G8 voltaram a manifestar seu compromisso com a re- -regulamentação do sistema financeiro, mas o fato é que estão tendo dificuldade em avançar nessa direção dada a resistência dos bancos.
Muitos desses (felizmente nenhum brasileiro) tiveram que ser socorridos, mas agora já estão parcialmente recapitalizados, recomeçam a pagar bônus a seus dirigentes, e, novamente apoiados em seus economistas e em seu "regime de verdade", voltam a se opor à regulamentação. Esquecem-se, assim, de que foi a desregulamentação criminosamente empreendida nos anos 1980, no quadro do fundamentalismo ideológico neoliberal, que levou a economia mundial a esta imensa crise e ao terrível desemprego que ainda deverá continuar crescendo nos países mais atingidos. O aprendizado obtido na Grande Depressão dos anos 1930 resultou em uma regulamentação que, se não tivesse sido depois eliminada, não teria levado o mundo a enfrentar a sucessão de crises financeiras dos últimos anos, coroada com a atual e grande crise global.
Quando vejo essa atitude da finança internacional diante da regulamentação, fico perplexo. Os grandes bancos não precisam do neoliberalismo para realizar bons lucros. Basta que tenham a patente concedida pelo Estado e sejam bem administrados. A regulamentação do sistema financeiro é uma necessidade da sociedade e uma obrigação do Estado por diversas razões: porque, na medida em que os mercados financeiros lidam com uma "mercadoria" baseada na confiança -o dinheiro-, eles são intrinsecamente instáveis; porque os bancos, por meio de seus empréstimos e dos respectivos depósitos, têm capacidade de criar dinheiro -uma prerrogativa pública; porque, dado o risco de crise sistêmica, os grandes bancos não podem quebrar. Por essas razões, os grandes bancos comerciais são instituições quase públicas, que necessitam de uma patente ou autorização do Estado para funcionar.
Entretanto, essa obrigação do Estado não existe contra o sistema financeiro, mas a favor dele, já que, embora a estabilidade financeira interesse a toda a sociedade, interessa ou deveria interessar principalmente aos próprios bancos. Os dirigentes das instituições do sistema financeiro, entretanto, têm dificuldade de compreender esse fato. Especialmente se não forem proprietários, mas apenas dirigentes profissionais remunerados por bônus.
No governo Montoro, nos dois anos em que fui presidente do Banespa (1983-84), participava das reuniões da Febraban. Estávamos em plena crise da dívida externa, mas os bancos brasileiros estavam bem regulados e sólidos. Meus colegas demandavam ao BC desregulação, enquanto eu, embora estivesse em um governo estadual em oposição ao governo central, argumentava que essa regulação era feita não apenas no interesse da sociedade mas dos próprios bancos, porque impedia que eles fossem à crise e fossem provisoriamente estatizados, como acontecera então no México.
Por que, então, dirigentes financeiros continuam a pressionar por liberalização? Por mera ideologia fundamentalista de mercado? Por que seus dirigentes tecnoburocratas ou profissionais estão mais interessados em bônus a curto prazo do que em lucros a médio prazo, já que no capitalismo os profissionais não são mais os donos dos bancos mas apenas seus dirigentes?
Tanto por um como pelo outro motivo. Motivos que podem fazer sentido para dirigentes profissionais, mas são contrários ao interesse público.
Luiz Carlos Bresser-Pereira , 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Os bancos esquecem que foi a desregulamentação dos anos 1980 que levou a economia mundial a esta imensa crise
EM SUA reunião na Itália na última semana, os chefes de governo do G8 voltaram a manifestar seu compromisso com a re- -regulamentação do sistema financeiro, mas o fato é que estão tendo dificuldade em avançar nessa direção dada a resistência dos bancos.
Muitos desses (felizmente nenhum brasileiro) tiveram que ser socorridos, mas agora já estão parcialmente recapitalizados, recomeçam a pagar bônus a seus dirigentes, e, novamente apoiados em seus economistas e em seu "regime de verdade", voltam a se opor à regulamentação. Esquecem-se, assim, de que foi a desregulamentação criminosamente empreendida nos anos 1980, no quadro do fundamentalismo ideológico neoliberal, que levou a economia mundial a esta imensa crise e ao terrível desemprego que ainda deverá continuar crescendo nos países mais atingidos. O aprendizado obtido na Grande Depressão dos anos 1930 resultou em uma regulamentação que, se não tivesse sido depois eliminada, não teria levado o mundo a enfrentar a sucessão de crises financeiras dos últimos anos, coroada com a atual e grande crise global.
Quando vejo essa atitude da finança internacional diante da regulamentação, fico perplexo. Os grandes bancos não precisam do neoliberalismo para realizar bons lucros. Basta que tenham a patente concedida pelo Estado e sejam bem administrados. A regulamentação do sistema financeiro é uma necessidade da sociedade e uma obrigação do Estado por diversas razões: porque, na medida em que os mercados financeiros lidam com uma "mercadoria" baseada na confiança -o dinheiro-, eles são intrinsecamente instáveis; porque os bancos, por meio de seus empréstimos e dos respectivos depósitos, têm capacidade de criar dinheiro -uma prerrogativa pública; porque, dado o risco de crise sistêmica, os grandes bancos não podem quebrar. Por essas razões, os grandes bancos comerciais são instituições quase públicas, que necessitam de uma patente ou autorização do Estado para funcionar.
Entretanto, essa obrigação do Estado não existe contra o sistema financeiro, mas a favor dele, já que, embora a estabilidade financeira interesse a toda a sociedade, interessa ou deveria interessar principalmente aos próprios bancos. Os dirigentes das instituições do sistema financeiro, entretanto, têm dificuldade de compreender esse fato. Especialmente se não forem proprietários, mas apenas dirigentes profissionais remunerados por bônus.
No governo Montoro, nos dois anos em que fui presidente do Banespa (1983-84), participava das reuniões da Febraban. Estávamos em plena crise da dívida externa, mas os bancos brasileiros estavam bem regulados e sólidos. Meus colegas demandavam ao BC desregulação, enquanto eu, embora estivesse em um governo estadual em oposição ao governo central, argumentava que essa regulação era feita não apenas no interesse da sociedade mas dos próprios bancos, porque impedia que eles fossem à crise e fossem provisoriamente estatizados, como acontecera então no México.
Por que, então, dirigentes financeiros continuam a pressionar por liberalização? Por mera ideologia fundamentalista de mercado? Por que seus dirigentes tecnoburocratas ou profissionais estão mais interessados em bônus a curto prazo do que em lucros a médio prazo, já que no capitalismo os profissionais não são mais os donos dos bancos mas apenas seus dirigentes?
Tanto por um como pelo outro motivo. Motivos que podem fazer sentido para dirigentes profissionais, mas são contrários ao interesse público.
Luiz Carlos Bresser-Pereira , 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".
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